Tudo está ainda em aberto
TERESA DE SOUSA
27/01/2015 – PÚBLICO
1. Até agora foi
o tempo das palavras eloquentes. Alexis Tsipras não resistiu a algumas delas. “Viragem
histórica”. “Fim da humilhação”. “Vitória da democracia”. Para o novo
primeiro-ministro grego o tempo da realidade vai começar muito cedo. Na
segunda-feira resolveu o primeiro obstáculo, negociando com o Anel, o pequeno
partido dos Gregos Independentes que lhe chega para uma maioria confortável. Optou
pela solução mais fácil e mais rápida.
O Anel é um
partido nacionalista de direita, o que já de si é problemático, mas também é
contra a troika, o programa de ajustamento e a Europa em geral. Dir-se-á que a
vitória foi tão impressionante que Tsipras não fica dependente das suas
posições políticas. Esta é a interpretação benigna. A outra é que algumas
convicções de uma parte da sua coligação de esquerda radical não são tão
pragmáticas quanto as suas. Por alguma razão o seu partido mereceu tantos
elogios de Marine Le Pen. O líder do Syriza vai ter de evitar esse risco e
fazer jus às suas promessas de negociar com Bruxelas soluções que representem
“vantagens mútuas”. Sabe-se pouco sobre os seus planos, a não ser que pode
pedir uma moratória de alguns meses para acorrer à situação humanitária,
estimular a economia e repor algumas regalias.
A primeira
resposta oficial veio envolvida na habitual ambiguidade. O porta-voz da
Comissão e o Presidente do Eurogrupo disseram que estavam dispostos a negociar
desde que a Grécia “cumpra os seus compromissos”. A contradição é óbvia mas é
propositada. Nas capitais europeias ainda se avaliam as repercussões da
reviravolta grega. Em Paris, François Hollande tem mais um argumento a favor da
necessidade de pôr a economia europeia a crescer. Mas o Presidente francês tem
de manter a prudência necessária para não animar as hostes da ala esquerda do
seu próprio partido. Em Madrid e em Roma, menos pressão de Bruxelas será sempre
bem-vinda, tendo em conta os seus próprios “Syrizas”: o Podemos e, embora de
outra natureza, o movimento populista de Beppe Grillo.
Em Espanha o
resultado grego não é só uma interpelação ao governo, que enfrenta eleições
este ano. Basta ler o artigo publicado pelo líder do PSOE, Pedro Sanchez, e
pelo economista da moda Thomas Piketty, para se perceber que o resultado grego
é também uma séria interpelação à social-democracia europeia. Sanchez pede mais
crescimento e mais integração política para combater o pessimismo dos europeus,
mas não consegue ir muito mais além. O SPD alemão está “amarrado” pela
coligação. Matteo Renzi tem alguma margem de manobra mas muita dificuldade na
execução das medidas que prometeu tomar. Qualquer alívio lhe faria bem. Mas a
lição é clara: se não houver uma alternativa de centro-esquerda, quem ganha são
os partidos radicais. O que aconteceu ao Pasok, que praticamente desapareceu,
deve causar calafrios a alguns partidos irmãos, mesmo que as situações difiram
muito entre si.
3. Falta uma
resposta política global, mas essa vai ter de passar pela vontade de Berlim. E
ninguém sabe ainda o que fará a chanceler, que começou por reagir mal à
convocação de eleições e a deixar cair que a união monetária já estaria em
condições para gerir uma eventual saída da Grécia do euro. O momento não é o
melhor para a chanceler, a braços com a crise ucraniana e com o desafio do
Pegida, o movimento que nasceu em Dresden para combater a imigração islâmica. Merkel
tem enfrentado esse movimento com imensa coragem, que já levou a críticas da
ala direita do seu próprio partido. O Tribunal de Justiça da União Europeia, a
quem o Tribunal Constitucional alemão tinha pedido um parecer sobre a
conformidade com os tratados das chamadas OMT (Outright Monetary Transactions)
do BCE, acaba de decidir a favor de Mario Draghi. A gigantesca operação de
compra de dívida europeia que o BCE vai lançar não teve o aval de Berlim. Somar
a isto mais uma ajuda à Grécia sob a forma de tempo ou de perdão de dívida (que
pertence agora aos credores oficiais) não será nada fácil para a chanceler. Finalmente,
Merkel teme que as facilidades que possam ser concedidas à Grécia acabem por
alastrar a outros países, como Portugal ou a Irlanda. Além disso, os alemães
acreditam mesmo que os gregos não gostam de trabalhar e os gregos não se
esquecem de como foram tratados. Em 2012, o diário Bild recomendava lhes que
vendessem as ilhas e, se fosse preciso, a Acrópole.
Mas, como dizia o
editor de política europeia da BBC World na própria noite das eleições, quem é
que acreditaria há um ano que o BCE decidisse pôr as impressoras a trabalhar
para injectar na economia europeu mais de um trilião de euros? Provavelmente ninguém.
José Inácio
Torreblanca, investigador do European Council on Foreign Relations, chamava a
atenção para outro aspecto que tende a ser esquecido. Os gregos são livres para
decidir democraticamente o seu destino, mas os outros países europeus,
incluindo os credores, também são democracias que têm de respeitar as
preferências dos seus eleitores. O risco, diz o analista espanhol, é o choque
de dois tipos de populismos: o que se manifesta na Grécia contra a austeridade
e as imposições do exterior, e aquele que cresce no Norte contra o auxílio à
Grécia e aos países “indisciplinados” do Sul. A Europa é feita de compromissos,
implica uma partilha de soberania livremente aceite por cada governo, o que
quer dizer que todos são responsáveis por todos. A crise desequilibrou este
princípio a favor do Norte. Algum reequilíbrio político também seria bem-vindo.
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