“O Fundo diz que o crescimento da economia portuguesa
previsto para os próximos anos, e que rondará 1,5%, não será suficiente para
travar a estagnação do mercado de trabalho. Como resultado, o ajustamento
arrisca-se a ser feito por via da saída de trabalhadores, nomeadamente os
qualificados, para o estrangeiro, deixando no país uma força de trabalho há
muito arredada do mercado e que fica com qualificações desajustadas das
necessidades.”
In PÚBLICO
“Está a criar-se uma nova geração de pobres”
Andreia Sanches e Pedro Crisóstomo / 30/01/2015 - PÚBLICO
Os novos números da pobreza do INE
preocupam especialistas e instituições sociais.
“Se há quem ache que o país está melhor”, os números divulgados pelo
Instituto Nacional de Estatística (INE) nesta sexta-feira esclarecem: “Está a
criar-se uma nova geração de pobres.” Quem o diz é Sérgio Aires, presidente da
Rede Europeia Anti-Pobreza - Europa. Segundo o INE, o aumento do risco de
pobreza abrangeu todos os grupos etários, mas foi mais elevado no caso dos
menores de 18 anos — passou de 24,4%, em 2012, para 25,6%, em 2013.
Mais: “Os agregados com filhos são os mais pobres”, nota Sérgio Aires, que
também é presidente do Observatório de Luta Contra a Pobreza na cidade de
Lisboa. Mais alguns números: 38,4% das famílias monoparentais (definidas como
“um adulto com pelo menos uma criança”) vivem com rendimentos abaixo do limiar
de pobreza, de acordo com o INE. Um aumento, num só ano, de 5,3 pontos
percentuais. Estes foram, de resto, os agregados mais atingidos. Os dados
retratam a situação do país em 2013.
“Lendo estes dados com os números mais recentes do desemprego, que mostram
um aumento do desemprego dos jovens, e sabendo-se que o emprego que está a ser
criado é mal pago” e que, à conta “destes estágios que são criados para
jovens”, se “acabam com postos de trabalho”, serão precisos, na opinião de
Sérgio Aires, “uns 30 anos para voltar a repor os mínimos”.
Para além do desemprego, a redução do número de beneficiários de prestações
sociais a que se tem assistido nos últimos anos ajudará a explicar o aumento da
taxa de risco de pobreza. “E estamos só a olhar para o que piora. Mas entre os
idosos, o cenário continua a ser mau” — 15,1% no grupo de 65 ou mais anos.
Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de
Solidariedade (CNIS) ainda não analisou os novos dados do INE. Mas vai dizendo:
“Infelizmente correspondem à sensação que temos.”
Dá um exemplo: nas creches e jardins de infância do sector solidário,
muitos pais têm retirado os filhos, preferindo ficar com eles em casa, “embora
as instituições particulares de solidariedade social façam preços adequados às
situações e ninguém mande crianças embora quando as famílias não podem pagar”.
Contudo, “os pais estão desempregados, não têm perspectivas de melhoria, acham
que podem em casa dar uma boa educação aos filhos.” Para Lino Maia, "estas
crianças ficam de facto mais pobres", são "estigmatizadas".
A pobreza infantil não é uma preocupação nova no país. “Mesmo nos períodos
de redução da pobreza em Portugal, há um sector onde os resultados são
praticamente nulos: a pobreza nas crianças e jovens. Se durante o período de
queda das desigualdades os resultados se mantiveram quase iguais, neste período
oposto têm aumentado imenso”, diz o especialista em desigualdades, exclusão
social e políticas públicas, Carlos Farinha Rodrigues. “A taxa de pobreza das
crianças já vai nos 25,6%. Este, para mim, é um dos factores de preocupação:
hoje, as crianças e os jovens são dos sectores em maior fragilidade social,
temos um quarto das nossas crianças e jovens em situação de pobreza.”
“O que diz então o FMI? Que a economia vai crescer pouco nos próximos anos,
o que não dará para travar a estagnação do mercado de trabalho. Assim sendo,
Portugal corre o risco de ver partir os quadros mais bem preparados para a
emigração, perdendo com isso qualificações que seriam cruciais para o
crescimento. E o que propõe então o FMI para contrariar isto? Manter o factor
trabalho sobre pressão, revertendo os cortes salariais e o fim da Contribuição
Extraordinária de Solidariedade. Apressar os despedimentos na Função Pública e
cortar mais nas despesas sociais. Enfim, o Fundo propõe tudo o que faz fugir a
mão-de-obra qualificada para o estrangeiro: baixos salários e fraca protecção social.
Depois de há dois o governador do Banco de Inglaterra ter arrasado a política
de austeridade da zona euro e de ainda ontem se ter sabido que foi o consumo a
grande alavanca de crescimento do PIB dos EUA, o FMI não hesita em criticar o
Governo pelo aumento do nosso salário mínimo. E, de caminho, avisar o PS que “o
processo de reformas em Portugal tem de ser feito durante muitos anos,
independentemente de quem estiver no governo”. Percebe-se que a ministra das
Finanças os queira ver pelas costas.”
EDITORIAL / PÚBLICO / 31-1-2015
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