“Em vez de amuar, a
diplomacia portuguesa devia agir com um comportamento próprio de um país
euro-atlântico. Apresentar vantagens concretas e explorar outras formas de
cooperação em
vez de fazer ameaças. Será pedir muito? Talvez.”
Os amuos não defendem o nosso
interesse estratégico
TERESA DE SOUSA
25/01/2015 - PÚBLICO
Portugal não tem
política externa. Ou, se a tem, não parece a mais acertada.
1. Mesmo longe é
impossível fugir à gritaria da pátria sobre o destino da base americana das
Lajes. Ouvem-se as coisas mais confrangedoras, como, por exemplo, o presidente
do Governo dos Açores a dizer que, se os americanos não querem, os chineses
querem de certeza, com um argumento verdadeiramente inédito: afinal temos
relações diplomáticas com a China há muito mais tempo do que com os Estados
Unidos. A reacção de Pequim apenas confirma o disparate: não sabíamos de nada
sobre as Lajes mas, se precisarem de alguma coisa nossa, é só dizer.
Percebe-se o
desespero de Vasco Cordeiro, porque não está a fazer política externa, apenas a
tentar segurar empregos e fontes de rendimento para a Terceira. Os Açores
tinham mantido durante algum tempo uma grande ambição (ou ilusão) sobre a
possibilidade de convencer os americanos a instalar nas Lajes o seu comando
para África (Africom). Nunca se percebeu exactamente o papel do Governo de
Lisboa sobre essa possibilidade, ou se chegou sequer a ser considerada em
Washington. Hoje sabemos que parte da missão do comando ficará em Morón de la
Fronteira, aqui ao lado (ainda decorrem as negociações), e a outra parte
manter-se-á em Estugarda, onde o Africom foi instalado provisoriamente em 2008.
Os americanos querem manter uma força de 850 marines em Morón, pronta para
actuar de emergência na região do Mediterrâneo e na África Subsariana,
incluindo a nova ameaça jihadista. Sabia-se que, mais tarde ou mais cedo, a
questão das Lajes se iria colocar, o que aconteceu em 2012, quando foi anunciada
pela primeira vez uma reestruturação do dispositivo militar americano na
Europa. O resultado dessa reforma implicava uma redução significativa da
presença americana nas Lajes, como o encerramento de outras bases noutros
países, incluindo “velhos aliados” como o Reino Unido, ou países
tradicionalmente atlantistas como a Holanda e a Bélgica, que perderam valor com
o fim da Guerra Fria. Os EUA mantêm ainda cerca de 66 mil homens na Europa,
mais do que em qualquer outro ponto do mundo. Não querem uma redução drástica
mas uma redistribuição em função da nova realidade internacional. E querem
poupar muitos milhões no orçamento da defesa. Sabe-se pouco do que aconteceu
nos bastidores, a não ser que, nos últimos dois anos, os esforços desenvolvidos
pela diplomacia portuguesa foram muito limitados, continuando a acreditar no
mito do “velho aliado” que devia ser bem tratado, fosse qual fosse a
importância estratégica actual dos Açores. Como lembrava na altura ao PÚBLICO o
embaixador Pedro Catarino, seria difícil manter a normalidade nas Lajes, quando
apenas lá aterravam dois aviões por dia. Perante a decisão apresentada no
documento do Pentágono sobre a “Consolidação das Infra-Estruturas Europeias”
(que ainda vai ao Congresso), Rui Machete deixou cair uma ameaça velada sobre
as consequências que a decisão americana teria na relação entre os dois países.
Em Lisboa anda quase toda a gente a fazer voz grossa aos americanos,
classificando a decisão como “hostil”, “unilateral”, uma “sombra negra” sobre
as relações entre os dois países.
O problema é que
Portugal não tem política externa. Ou, se a tem, não parece a mais acertada. Fala
grosso a Washington, mas baixa a cabeça a Luanda e disfarça como pode a falta
de interesse do Brasil. De caminho, a diplomacia portuguesa deixa que Luanda e
Brasília decidam sobre a CPLP de acordo com os seus interesses e ignorando os
nossos. O triste caso da Guiné Equatorial é um livro aberto sobre a
incapacidade para definir os nossos interesses no Atlântico Sul. O nosso valor
político na CPLP é a pertença à Europa. Sem isso, vistos de fora, somos e
seremos sempre muito pequenos.
2. Voltemos às
Lajes. A diplomacia americana, seja qual for o ocupante da Casa Branca, é uma
máquina pesada que não gosta de encontrar obstáculos pela frente, sobretudo
vindos dos aliados. Sabemos isso. Mas é uma diplomacia pragmática: percebe a
troca por troca e tem uma memória longa. Regista, avalia e decide.
O que o
Departamento de Estado viu nestes últimos anos não foi nada de muito agradável
por parte de Portugal. Paulo Portas, na encarnação de ministro da Defesa de
Barroso, recebeu com pompa e circunstância o seu amigo Donald (Rumsfeldt, chefe
do Pentágono na Administração Bush) em São Julião da Barra. Portugal era um
fiel aliado pronto para apoiar a guerra no Iraque. O ministro prontificava-se a
beneficiar os EUA nas compras de material de guerra, queria acabar com a
participação portuguesa no projecto do A400, o novo avião de transporte militar
europeu. Na sua mais recente encarnação, esqueceu tudo isto e resolveu assumir
posições que não só não eram as suas como “desalinhavam” com os EUA. De
pró-Israel passou a amigo da Palestina, sem qualquer preocupação com o difícil
consenso europeu. Porquê? Porque teve um rebate de consciência? Porque havia
bons negócios para fazer com os árabes? É difícil de entender. O que sabemos é
que, quando há mudanças assim, devem ser explicadas, coisa que Portas, que age
para consumo interno, não deve ter tido tempo para fazer.
Nos corredores
das Necessidades, a crítica à forma como a Europa e os EUA estão a lidar com a
Rússia é generalizada. Como é evidente uma grande compreensão por Moscovo (que
já vem do governo anterior), alegadamente humilhado pelo Ocidente, e uma
crítica apenas pronunciada entredentes, à diplomacia das praças onde os
ucranianos reivindicavam a sua liberdade de escolha. Portugal não é caso único
na Europa. Hoje, pelo menos, estamos a cumprir o nosso dever no quadro da NATO,
fazendo parte da missão de vigilância aérea nas fronteiras dos Bálticos.
3. Dir-se-á que a
obsessão pelos cifrões é culpa da crise que o país atravessa e que temos de
recuperar a nossa credibilidade de parceiro europeu que cumpre o seu dever. Uma
coisa não anula a outra. E não basta amuar perante o que vemos como uma
injustiça: quando precisaram de nós, estava tudo bem, agora, que já não
precisam, tratam-nos mal.
A base teve uma
importância estratégica vital para os aliados durante a II Guerra. Churchill
precisava dos Açores para tentar neutralizar os submarinos alemães que
ameaçavam constantemente os navios que traziam dos EUA tudo o que os ingleses
precisavam para aguentarem a frente de guerra. Chegou a mandar desenterrar o
Tratado de Windsor, escondido com os arquivos britânicos algures na Escócia,
para explicar a Salazar que tinha de ceder os Açores. Roosevelt quis um acordo
semelhante em 1944. A
Guerra Fria não lhe retirou importância. Com o seu fim e durante a primeira
guerra do Golfo (1991) foi um posto importante para as projecções das forças
americanas para a Arábia Saudita. Em 2001, o então ministro Jaime Gama colocou
a base à disposição americana, na reacção ao 11 de Setembro. E foi nas Lajes
que Durão Barroso resolveu ser o anfitrião da cimeira que desencadeou a invasão
do Iraque.
O mundo deu,
entretanto, muitas voltas. Obama quer uma Europa mais autónoma na defesa dos
seus interesses de segurança e mais disposta a partilhar o fardo militar na
NATO. As guerras e as situações de conflito são assimétricas e imprevisíveis. Mesmo
que os EUA sejam forçados a manter o seu envolvimento militar no Médio Oriente,
não deixam de considerar que, no médio prazo, os maiores desafios ao seu poder
militar estarão no Pacífico. Em vez de amuar, a diplomacia portuguesa devia
agir com um comportamento próprio de um país euro-atlântico. Apresentar
vantagens concretas e explorar outras formas de cooperação em vez de fazer
ameaças. Será pedir muito? Talvez.
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