Paulo Macedo e as mortes nos
hospitais
Por Luís Osório
publicado em 20
Jan 2015 in
(jornal) i online
Há domínios em
que não devemos regatear. É o mesmo que um pai guardar dinheiro para comprar
ténis de marca ao filho, mas depois poupar se ele tiver um problema de saúde
grave
Em 2014 um pouco
mais de 40 mil pessoas morreram nos hospitais portugueses. E nos últimos 15
dias sete não resistiram às muitas horas de espera nas urgências. Morreram em
macas, muitas vezes sozinhas, sem sequer terem sido vistas. Uma monstruosidade.
Toda a oposição,
a que se somam os sindicatos e vários lóbis, têm acusado Paulo Macedo de ser o
responsável político por estas mortes. Para alguns existe uma relação de
perversa causa-efeito entre o desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde e a
situação de ruptura na generalidade das urgências hospitalares. Reduziram-se as
camas, muitos utentes deixaram de ter acesso a cuidados primários, fecharam-se
urgências, milhares pagaram mais pelas taxas moderadoras, médicos e enfermeiros
tiveram de emigrar, centenas fazem mais de dez dias de banco, poupou-se nas
estruturas materiais e nos ordenados, carregaram-se de impostos os
profissionais de saúde, e por aí adiante.
Paulo Macedo
explicou as ideias como o vendedor de um novo mundo. De agora em diante tudo
seria diferente, mais equilibrado, ponderado, justo. Afinal era possível cortar
na saúde sem provocar males maiores à população. Neste momento, injustamente ou
não, o país tem outra perspectiva. Os cortes, afinal, tiveram consequências.
Pode ser uma
percepção justa, mas ninguém de boa-fé poderá dizer que uma coisa está
relacionada com a outra. Não existem números comparativos. Não sabemos se nos
noutros anos, sem desinvestimento, mais pessoas morreram abandonadas pelo
Estado à sua desamparada condição. Por isso não se pode extrapolar, mesmo que
seja tentador fazê-lo.
Quando Correia de
Campos era ministro da Saúde, na altura em que decretou o encerramento de
maternidades, somaram-se as notícias que nos davam conta de mulheres que pariam
em ambulâncias a caminho de um destino subitamente demasiado distante. O
assunto deixou de estar na agenda, as crianças continuaram a nascer dentro de
carros, somente deixou de ser notícia.
Há que comparar,
analisar e retirar conclusões. E encontrar culpados, se for caso disso. Porém,
esquecemos uma coisa, simples, factual e não passível de argumentação. Um
cidadão não pode morrer numa urgência depois de estar nove horas à espera. O
Estado deve assegurar serviços de saúde que permitam a todas as pessoas morrer
com dignidade. É o mínimo. Ao menos que isso seja possível. Há domínios em que
não devemos regatear, áreas em que um desinvestimento, uma poupança, é
criminosa porque atenta contra o bem comum mais primário. É o mesmo que um pai
guardar dinheiro para comprar ténis de marca ao filho mas depois poupar se ele
tiver um problema de saúde grave.
Ver uma pessoa
morrer contra uma parede, desamparada, como um animal de rua, é uma metáfora de
um tempo indigno. Vale a pena pensar nisto. Paulo Macedo pode não ter culpa,
mas é culpado se não tentar, como outros antes dele, resolver esta gangrena de
indiferença. Um terrorismo sem terroristas.
Sem comentários:
Enviar um comentário