terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Paulo Macedo e as mortes nos hospitais

( ...) “Tudo lhe tem corrido bem, mesmo quando o tremendo surto de legionella que há dois meses abalou o país continha todos os ingredientes para arrumar definitivamente com a reputação do ministro. A prova foi superada com a ajuda decisiva do director-geral de Saúde, Francisco George, mas não há habilidade capaz de esconder por mais tempo a autêntica razia de meios que a austeridade subtraiu ao pleno funcionamento do Serviço Nacional de Saúde. A realidade impôs-se e o caos prevaleceu nas urgências, com tempos de espera terceiro-mundistas para consultar os doentes e mortes cujas causas ainda estão para ser apuradas. Não vale ir atrás do discurso demagógico como se os recursos fossem ilimitados e os médicos uma espécie de mártires do SNS, até porque os tempos de espera nos hospitais e nos centros de saúde, tanto para urgências como para exames e consultas, são em muitos casos exagerados e não é de agora. Quem sofre são sobretudo os mais desfavorecidos, quem não tem seguro de saúde nem ADSE e, portanto, está impossibilitado de recorrer aos privados. Mas é impossível escamotear que três anos de cortes brutais na Saúde estão a produzir resultados devastadores, que estudos fidedignos vão comprovando. É certo que este Orçamento, em ano de eleições, inverte a tradição, atribuindo mais 154 milhões de euros ao SNS, mas é uma gota de água no oceano do que se perdeu. Paulo Macedo, gestor com provas dadas e político não encartado, mas habilidoso, conseguiu o milagre de três anos de boa popularidade. Será que esta avaliação resiste à passagem do tempo ?”
EDITORIAL / PÚBLICO / 10-1-2015

Paulo Macedo e as mortes nos hospitais
Por Luís Osório
publicado em 20 Jan 2015 in (jornal) i online

Há domínios em que não devemos regatear. É o mesmo que um pai guardar dinheiro para comprar ténis de marca ao filho, mas depois poupar se ele tiver um problema de saúde grave
Em 2014 um pouco mais de 40 mil pessoas morreram nos hospitais portugueses. E nos últimos 15 dias sete não resistiram às muitas horas de espera nas urgências. Morreram em macas, muitas vezes sozinhas, sem sequer terem sido vistas. Uma monstruosidade.

Toda a oposição, a que se somam os sindicatos e vários lóbis, têm acusado Paulo Macedo de ser o responsável político por estas mortes. Para alguns existe uma relação de perversa causa-efeito entre o desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde e a situação de ruptura na generalidade das urgências hospitalares. Reduziram-se as camas, muitos utentes deixaram de ter acesso a cuidados primários, fecharam-se urgências, milhares pagaram mais pelas taxas moderadoras, médicos e enfermeiros tiveram de emigrar, centenas fazem mais de dez dias de banco, poupou-se nas estruturas materiais e nos ordenados, carregaram-se de impostos os profissionais de saúde, e por aí adiante.

Paulo Macedo explicou as ideias como o vendedor de um novo mundo. De agora em diante tudo seria diferente, mais equilibrado, ponderado, justo. Afinal era possível cortar na saúde sem provocar males maiores à população. Neste momento, injustamente ou não, o país tem outra perspectiva. Os cortes, afinal, tiveram consequências.

Pode ser uma percepção justa, mas ninguém de boa-fé poderá dizer que uma coisa está relacionada com a outra. Não existem números comparativos. Não sabemos se nos noutros anos, sem desinvestimento, mais pessoas morreram abandonadas pelo Estado à sua desamparada condição. Por isso não se pode extrapolar, mesmo que seja tentador fazê-lo.

Quando Correia de Campos era ministro da Saúde, na altura em que decretou o encerramento de maternidades, somaram-se as notícias que nos davam conta de mulheres que pariam em ambulâncias a caminho de um destino subitamente demasiado distante. O assunto deixou de estar na agenda, as crianças continuaram a nascer dentro de carros, somente deixou de ser notícia.

Há que comparar, analisar e retirar conclusões. E encontrar culpados, se for caso disso. Porém, esquecemos uma coisa, simples, factual e não passível de argumentação. Um cidadão não pode morrer numa urgência depois de estar nove horas à espera. O Estado deve assegurar serviços de saúde que permitam a todas as pessoas morrer com dignidade. É o mínimo. Ao menos que isso seja possível. Há domínios em que não devemos regatear, áreas em que um desinvestimento, uma poupança, é criminosa porque atenta contra o bem comum mais primário. É o mesmo que um pai guardar dinheiro para comprar ténis de marca ao filho mas depois poupar se ele tiver um problema de saúde grave.


Ver uma pessoa morrer contra uma parede, desamparada, como um animal de rua, é uma metáfora de um tempo indigno. Vale a pena pensar nisto. Paulo Macedo pode não ter culpa, mas é culpado se não tentar, como outros antes dele, resolver esta gangrena de indiferença. Um terrorismo sem terroristas.

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