terça-feira, 20 de janeiro de 2015

“Por uma guarda fronteiriça europeia”, por PAULO RANGEL.


( ... ) “A União Europeia carece de um corpo – verdadeiramente europeu e não unicamente nacional – de polícia que fiscalize as suas fronteiras externas terrestres, marítimas e aéreas.”
“2. Toda a discussão que atinge as dimensões da liberdade e da segurança anda, nestes dias, à volta de Schengen e dos seus alegados malefícios. São muitos os políticos oportunistas que, por toda a Europa, atribuem à inexistência de controlos fronteiriços terrestres a responsabilidade por níveis acrescidos de insegurança. Há até quem vá mais longe e, simplesmente, à boa maneira do UKIP, e até do Governo inglês, faça da mera liberdade de circulação o inimigo a abater. E não falta quem veja, sem mais, todo o mal na imigração e procure fazer dela o bode expiatório dos problemas europeus. Muitos são também, e por outro lado, os que, com doses variadas de idealismo, recusam toda e qualquer alteração no sistema de Schengen, por receio fundado de um aproveitamento deste ensejo para realizar outros desideratos (designadamente, visando enfraquecer a União Europeia enquanto tal).

É natural que seja necessário encontrar aqui soluções intermédias, que possam dar operacionalidade aos controlos policiais e militares e que possam estabilizar as expectativas e apaziguar as angústias das populações no seu quotidiano. Toda e qualquer restrição deve ser precária e provisória, organizada e levada à prática de maneira a que os níveis de liberdade e de não intromissão possam ser repostos com a maior celeridade. A questão principal, porém, é justamente a do médio prazo e das políticas estruturais.

3. A solução, mais uma vez, e contra as evidências de curto prazo, não se consegue nesta matéria com menos Europa, mas sim com mais Europa. Aquilo que de há muito se sente falta, para gerir o notável espaço de liberdade e de mobilidade que é Schengen, é de uma verdadeira “guarda” ou “polícia fronteiriça” europeia. Tenho dito amiúde que a União Europeia carece de um corpo – verdadeiramente europeu e não unicamente nacional – de polícia que fiscalize as suas fronteiras externas terrestres, marítimas e aéreas. É profundamente injusto que países como a Itália, a Grécia, a Espanha, Chipre ou Malta, que têm uma pressão fortíssima nas suas fronteiras mediterrânicas, tenham de suportar financeira e logisticamente as respectivas estruturas de polícia. É bem sabido que essa pressão se dirige à Europa enquanto tal – enquanto espaço de paz e prosperidade, com padrões humanitários elevados, que fazem o sonho de tantos pobres e refugiados – e não propriamente àquele grupo de países. São também conhecidas as debilidades dos controlos na Bulgária e na Roménia, designadamente em face de algumas das ameaças que agora estão no auge da visibilidade. E basta pensar na vulnerabilidade dos três países bálticos para perceber a urgência da criação de um corpo deste tipo.

É evidente que a criação de uma unidade destas pressuporia a definição de uma política comum de mobilidade, de migração, de asilo e de auxílio humanitário, em especial em face de países terceiros. E também que seria necessário conciliar, nestes corpos policiais, os níveis adequados de “europeização” com uma presença nacional que assegurasse a preservação dos interesses vitais de cada Estado. É absolutamente necessário melhorar os controlos nos limites territoriais externos da União, é imprescindível aumentar os padrões humanitários de tratamento dos milhares de pessoas que ilegalmente afluem à Europa e isso só é possível com uma guarda europeia. Eis uma solução de médio prazo que pode muito bem ser o embrião de uma futura defesa europeia, combinando capacidades policiais e militares e ocupando as dimensões marítima, terrestre e aérea do território Schengen. Nem sempre mais segurança significa menos liberdade.”

PAULO RANGEL 20/01/2015 / PÚBLICO / “Por uma guarda fronteiriça europeia”

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