Portugal é um dos países que mais
precisam da inflação que o BCE quer criar
SÉRGIO ANÍBAL e
ROSA SOARES 22/01/2015 - PÚBLICO
É esta quinta-feira que o BCE decide se avança já para um programa de
compra de dívida para combater a deflação na zona euro. Para Portugal, mais
inflação ajudaria a controlar a dívida, mas o impacto global depende da vontade
dos bancos emprestarem mais dinheiro.
Com altos níveis
de endividamento e uma economia ainda a tentar confirmar a recuperação,
Portugal é um dos países da zona euro que mais motivos têm para desejar uma
política do Banco Central Europeu (BCE) que estimule a economia e faça subir
outra vez a inflação. Ainda assim, os efeitos concretos no país da compra de
dívida que o banco central poderá anunciar esta quinta-feira dependem em larga
medida daquilo que o sector bancário português acabar por conseguir fazer à
nova liquidez que irá ter nas mãos.
Em termos gerais,
o objectivo do BCE, combater a deflação na zona euro, faz todo o sentido para
Portugal. Uma taxa de inflação negativa como aquela que se regista actualmente
na zona euro (e também em Portugal) é o pior que pode acontecer a uma economia
com muita dívida para pagar como é a portuguesa, porque o valor desta em termos
reais pode tender a tornar-se ainda mais alto. Pelo contrário, alguma inflação
reduziria o valor real da dívida e ajudaria o Estado, as empresas e as famílias
a equilibrarem as suas contas.
Outra vantagem de
uma inflação média na zona euro mais elevada é que o objectivo de Portugal de
ganhar competitividade nos custos face aos outros países se tornaria mais
simples de atingir. Se na Alemanha os salários não subirem porque a inflação é
muito baixa, o que é que Portugal tem de fazer para ganhar competitividade face
à Alemanha? Cortar os salários?
Por isso, mais
inflação, se o BCE a conseguir produzir, será benéfica para a economia
portuguesa, mais do que na maioria dos outros países da zona euro.
Para onde vai o
dinheiro?
Isso não quer
dizer, contudo, que Portugal seja dos países em que o fluxo do dinheiro do
banco central para a economia real vá ocorrer de forma mais rápida.
De acordo com as
informações que têm vindo a ser avançadas por diversos órgãos de comunicação
social europeus, o que o BCE se prepara para anunciar esta quinta-feira é um
programa de compra de títulos de dívida pública. De acordo com as últimas
informações, a proposta que estará em cima da mesa no conselho de governadores
do banco central é a aquisição a partir de Março de 50 mil milhões de euros ao
mês pelo menos durante um ano e possivelmente até ao final de 2016. No total, a
confirmar-se este cenário, seriam 1,1 biliões de euros de títulos de dívida
pública de toda a zona euro que seriam comprados pelo BCE.
O banco central
não compra estes títulos directamente aos Estados. Fá-lo através dos seus
actuais detentores, que são na sua esmagadora maioria instituições financeiras:
bancos, hedge funds, fundos de pensões.
Embora ainda nada
esteja ainda oficialmente definido, a maior parte das previsões aponta para que
o BCE escolha os títulos de dívida a comprar usando a quota de capital que cada
um dos países tem. Portugal tem uma quota de 1,7434%, o que significa que
potencialmente o BCE pode comprar qualquer coisa como 19 mil milhões de euros
de dívida a Portugal.
E o que acontece
depois ao dinheiro? No cenário mais desejado pelo BCE, já que seria aquele que
poderia gerar um impacto mais directo e significativo na economia, os bancos
que venderem os títulos usariam o dinheiro recebido para conceder mais
empréstimos às famílias e empresas do respectivo país.
Em Portugal (e no
resto da Europa) isso pode revelar-se difícil. Por um lado, o sector financeiro
continua sob forte pressão para apresentar rácios saudáveis e, por isso, correr
riscos emprestando muito dinheiro numa economia ainda a sair da crise pode ser
complicado. Por outro lado, as próprias empresas e famílias continuam numa fase
de correcção dos seus balanços, em que a amortização dos empréstimos existentes
e a poupança são prioridades, à frente de pedir novos empréstimos para consumir
ou investir.
Outra hipótese,
mais provável, é os bancos decidirem usar o dinheiro que recebem para comprar
novos activos. Podem adquirir novos títulos de dívida pública, dívida
empresarial ou acções. Se comprarem dívida pública portuguesa, isso constituirá
uma ajuda preciosa para o Estado continuar a obter financiamento a custos
baixos. É, aliás, nessa expectativa que as taxas de juro da dívida portuguesa
têm vindo a cair para novos mínimos nos últimos meses.
Euribor perto de
zero
Para quem está
endividado, mesmo que os bancos não facilitem muito mais na concessão de novos
empréstimos, há sempre algumas vantagens relacionadas com a evolução das taxas
de juro indexantes. Os valores da Euribor já estão em mínimos de sempre, mas
podem cair ainda um pouco mais, “sobretudo se o BCE avançar com o quantitative
easing [o plano de compra de activos], como se antecipa”, adianta ao PÚBLICO
Paula Carvalho, economista-chefe do BPI.
A queda da
Euribor é positiva para quem tem empréstimos associados a estas taxas, como é o
caso dos créditos à habitação e às empresas, e negativa para quem tem
poupanças, designadamente depósitos a prazo.
Neste momento, a
Euribor a um mês já está negativa, e a Euribor a três meses a 0,055%. Revelador
é ainda o facto de o contrato de futuros da Euribor a três meses, com
vencimento em Dezembro, estar a ser negociado a 0,025%, muito próximo de zero.
No crédito à
habitação, a queda da Euribor terá ainda assim impacto reduzido, porque o
spread (margem comercial da aplicada pela banca) já está maior do que o
indexante na quase totalidade dos contratos. Por outro lado, sempre que a taxa
de juro desce, aumenta a componente de capital a amortizar, o que limita a
queda da prestação. A boa notícia para as famílias decorre da estabilização da
prestação nos actuais níveis pelo menos ao longo de 2015 e do aumento do
capital amortizado, o que reduz o impacto de futuras subidas desta taxa.
Ajuda para as
exportações
Outro impacto
positivo, que já se vem sentindo em antecipação da acção do BCE há alguns
meses, é a depreciação do euro. Ao lançar na economia mais 1,1 biliões de
euros, o BCE retira valor à sua divisa face às outras moedas. E fá-lo
intencionalmente, uma vez que esta é a maneira de tornar a economia europeia
mais competitiva face ao exterior, ao mesmo tempo que os produtos importados
ficam mais caros e fazem subir a inflação.
Para os
exportadores europeus, nomeadamente aqueles que têm uma presença importante em
mercados fora da zona euro, esta é uma garantia de que podem baixar os preços
dos seus produtos no estrangeiro ou captar margens mais elevadas.
Jorge Monteiro,
presidente da Viniportugal, que promove o vinho português internacionalmente,
confirma esta vantagem. “É claro que, sendo o dólar por regra a moeda de
referência na maioria dos contratos de exportação, a desvalorização do euro
tornará os nossos vinhos mais competitivos”, diz. Lembra, contudo, que os
outros países concorrentes são também da zona euro e que a pressão dos
compradores para baixar os preços pode ser grande.
Paulo Vaz,
secretário-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, também diz que,
“em tese, uma baixa da cotação do euro face ao dólar e a outras moedas mais
fortes é positivo para as exportações portuguesas”. Para o mercado
norte-americano vai um quinto das exportações de têxteis. “Uma desvalorização
do euro dá-nos condições mais favoráveis nos têxteis-lar, que já têm uma
penetração forte, mas particularmente nos artigos de vestuário”, afirma,
temendo, no entanto, "os reflexos da queda do euro na compra de
matérias-primas [petróleo e algodão]”.
Paulo Gonçalves,
porta-voz da APICCAPS, a associação do sector do calçado, começa por dizer que
as exportações continuam muito centradas no mercado intracomunitário (86%), mas
assinala que “reforçar a presença noutros mercados, em especial em todo o
continente americano, é a aposta para os próximos anos”. “Uma maior paridade
entre o dólar e o euro, por exemplo, será benéfica para a nossa ofensiva
promocional em mercados extracomunitários”, afirma.
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