Com o Syriza, a política regressa
à Europa
PATRÍCIA VIEIRA
28/01/2015 - PÚBLICO
Se a tecnocracia nos quer fazer crer que não há alternativas, a política
abre os horizontes de um futuro em construção.
Mais do que um
grito de protesto contra a austeridade, mais do que uma revolução nacional,
mais do que um manguito aos credores, a eleição do Syriza na Grécia por uma
confortável maioria foi, para todos os europeus, uma lufada de ar fresco. Porque,
até agora, a União Europeia não tem poupado esforços para nos fazer crer que
não há alternativas ao statu quo, que, se não estamos bem assim, poderíamos
certamente estar pior, e que, afinal, a troika é nossa amiga.
Entre a espada e
a parede, ou seja, entre governos de centro-direita e de centro-esquerda, temos
aceitados, com mais ou menos celeuma, cortes nos serviços públicos, aumentos de
impostos, e um empobrecimento generalizado da população. A tecnocracia tem
vindo nos últimos anos a substituir a política, os ditames económicos a
verdadeira democracia, e os eleitores, desencantados, apenas esperam mais do
mesmo.
Mas eis que a
Grécia elege o Syriza. Incrédulos perante tal ousadia, os líderes europeus
proferem algumas breves banalidades sobre o respeito por escolhas democráticas,
para logo se pronunciarem severamente sobre a necessidade de os gregos honrarem
os seus compromissos, vulgo, continuarem a pagar empréstimos insustentáveis.
A reação de
muitos eleitores, não só gregos mas de todos os países europeus, perante esta
eleição, resume-se na pergunta: “E agora?” E foi precisamente através desta
singela interrogação que a política regressou à Europa. Porque se a tecnocracia
nos quer fazer crer que não há alternativas, a política abre os horizontes de
um futuro em construção, no qual (quase) tudo é possível, incluindo a eleição
de Alexis Tsipras, um membro da esquerda radical, como primeiro-ministro de um
país europeu.
E agora,
repetimos nós? Agora ninguém sabe. Talvez a Grécia logre renegociar a dívida,
talvez regresse ao dracma, ou talvez o Governo de Tsipras acabe por cair, sob o
peso pesado da classe dirigente europeia, unida contra esta “anomalia” grega. Entre
as diferentes possibilidades de uma sociedade está a de reconfigurar ou mesmo
anular o contrato social, segundo nos ensinou Rousseau há mais de dois séculos.
Se este contrato é nacional, como o concebia Rousseau, ou supranacional, como
no presente caso da União Europeia, faz pouca diferença. Cabe aos gregos
decidir sobre o seu destino político e cabe-nos a nós, restantes europeus,
respeitar as suas escolhas.
O que a eleição
do Syriza nos devolveu foi um horizonte de diferentes possibilidades, que é o
sine qua non de qualquer democracia. Como nos lembrou o filósofo francês
Jacques Derrida, a democracia está sempre por vir, o que significa que só
existe enquanto a possibilidade de um futuro diferente do presente continuar
viva. Para Derrida, não há sistemas políticos perfeitos, daí ser a completa
democratização da sociedade, entendida como a forma mais acabada de política,
relegada para um porvir que jamais alcançaremos. Ainda assim, qualquer
democracia digna deste nome tem por obrigação abrir-se a um futuro que não seja
mais do mesmo. A Grécia, berço da democracia ocidental, deu-nos assim mais uma
lição política com a eleição do Syriza. Será este um feito dos deuses do
Olimpo, cansados de tanta insensatez humana?
Seja como for,
permanece por agora na mente dos europeus a pergunta: “E agora?” Resta-nos apenas acrescentar-lhe um clamoroso: “Força, Syriza!”
Professora na
Universidade de Georgetown (EUA)
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