Grécia, a nova cobaia da Europa
JOÃO MIGUEL TAVARES 27/01/2015 – PÚBLICO
Pudesse a Europa
votar nas eleições gregas e o Syriza teria tido maioria absoluta, evitando a
bizarra coligação com a direita nacionalista que justifica o amor de Marine Le
Pen por Alexis Tsipras. A esquerda europeia votaria no Syriza porque acredita
que é a solução certa para enfrentar a crise – e quer que toda a gente veja
isso. A direita votaria no Syriza porque acredita que é a solução errada para
enfrentar a crise – e também quer que toda a gente veja isso. Uns acreditam que
ele é o modelo a seguir, outros que é a cobaia perfeita: inocula-se a uma
prudente distância o vírus da esquerda radical, e o mundo poderá verificar os
efeitos das demagógicas teses anti-austeridade no povo grego.
Desde o passado
domingo, a Grécia já não é apenas um país complicado e um espinho encravado nos
pés da Europa: é um laboratório político, social e económico com 11 milhões de
habitantes, onde o Syriza lidera uma experiência tão arriscada quanto
fascinante. Convém recordar que Tsipras leva tão a sério as suas convicções
revolucionárias que até chamou Ernesto a um dos seus filhos. Podia ter-lhe
comprado apenas um babygrow com boné e estrela, mas não, baptizou-o com o nome
do próprio Guevara. E para um homem que faz isso, a simples hollandização do
Syriza, ou seja, um afastamento ostensivo entre o programa eleitoral e a acção
governativa após o costumeiro banho de realidade, não é expectável. Tsipras,
aliás, foi claro no seu discurso de vitória: “A era da troika acabou.”
Mas será que
acabou mesmo? O problema do Syriza é que quer ficar com o bolo e comê-lo. Não
quer a troika mas precisa do dinheiro da troika. Não quer a austeridade alemã,
mas sem o dinheiro dos contribuintes germânicos o país afundar-se-ia mais
depressa do que o Colosso de Rodes. Por isso, o seu “não” à troika quer-se
“negociado”, e um “não” negociado não é um verdadeiro “não”. O problema da
esquerda radical é que a demagogia não está cotada em bolsa, e por isso frases
como as proferidas por um entusiástico Pablo “Podemos” Iglesias na noite de
domingo – “resgatamos gente, não resgatamos bancos” – podem ser de grande
efeito em comícios e tascas, mas não são solução alguma para a Europa. A
esquerda acha que a austeridade é uma questão política – eu tendo a achar que é
uma questão matemática. Enquanto dois mais dois não forem cinco, a Grécia tem
pouquíssima margem de manobra.
Mas se olharmos
para além da demagogia impraticável do Syriza e da vocação redobrada da Grécia
para porquinho-da-índia, há dois aspectos positivos nos novos movimentos tectónicos
da política europeia, com os partidos extremistas como o Syriza, o Podemos ou a
Frente Nacional a ganharem um peso impensável há apenas quatro anos. Em
primeiro lugar, os extremos estão a deslocar-se para o centro, e a ficar mais
moderados à medida que o exercício do poder deixa de ser um vago desejo para
passar a ser uma hipótese real. O programa do Syriza ainda é de loucos, mas
evita, digamos assim, o internamento compulsivo. Em segundo lugar, convém não
reduzir o poder atractor destes partidos a uma lógica estritamente
anti-austeritária. Uma componente óbvia do seu sucesso é o desejo do eleitorado
correr com a velha nomenclatura, que há muito se esqueceu dos mais elementares
princípios éticos na condução da vida pública. Numa Europa tão cinzenta, o Syriza
vai ajudar-nos a separar o preto do branco: as suas improváveis conquistas e os
seus inevitáveis fracassos serão sempre um fantástico ensinamento para todos
nós.
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