Erros de professores nas provas
são parecidos com os dos alunos
CLARA VIANA e
GRAÇA BARBOSA RIBEIRO 30/01/2015 - PÚBLICO
As questões em que os professores mais tiveram dificuldades começam a ser
leccionadas no ensino básico.
Problemas na
escrita, na resolução de problemas e na interpretação e análise de gráficos. À
semelhança dos professores ou candidatos à docência que realizaram as provas de
avaliação de conhecimentos e capacidades, também os alunos portugueses têm
revelado particulares dificuldades nestes domínios.
Os relatórios
sobre a prestação dos alunos nos testes intermédios, provas e exames finais,
disponibilizados pelo antigo Gabinete de Avaliação Educacional (agora Instituto
de Avaliação Educacional), mostram que estes problemas, detectados logo aos
sete anos, persistem no secundário.
O Instituto de
Avaliação Educativa não fez ainda “o levantamento de erros por tipologia
relativamente” à Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) feita
em Dezembro por 2490 professores, dos quais 19,9% deram cinco ou mais erros
ortográficos num texto com um número de palavras compreendido entre 250 e 350.
Segundo o
gabinete de imprensa do instituto, as declarações do presidente do IAVE sobre o
assunto – dando como exemplo o “a com ou sem h” e o “c com ou sem cedilha” –
“recuperam a tipologia de erros de aplicações anteriores da PACC que,
eventualmente, estarão igualmente presentes nos textos de produção escrita” da
mais recente. “Esta matéria será objecto de tratamento num relatório a elaborar
oportunamente pelo IAVE”, informam os serviços de imprensa do instituto
responsável pela concepção e aplicação da prova.
Na primeira
edição da componente comum da PACC feita em duas fases por 10.220 professores,
30% deram um ou dois erros ortográficos e 14,8% cinco ou mais. Desta vez, numa
prova em que 544 dos 2490 professores eram “repetentes”, o número de erros
disparou. Em 34,7% das respostas não se registaram erros; em 29,1% registam-se
um ou dois e em 19,9% cinco ou mais.
Na PACC, cujos
resultados foram divulgados segunda-feira, dois dos itens com piores prestações
envolviam um problema de contagem e um gráfico de dispersão, conteúdos que
começam a ser leccionados no ensino básico. A presidente da Associação de
Professores de Matemática, Lurdes Figueiral, considera que são problemas que
apelam “a capacidades mais complexas do ponto de vista cognitivo” e que por
isso é natural que tanto alunos, como professores, revelem “mais dificuldades
nestes domínios”.
“São questões que
precisam de continuar a ser trabalhadas desde o início. Infelizmente as novas
propostas curriculares não privilegiam o desenvolvimento dessas capacidades, o
que faz temer que o desempenho dos alunos venha a piorar”, alerta. Quanto aos
professores que realizaram a prova, Lurdes Figueiral lembra que o seu “percurso
formativo” é muito diferente entre si, já que neste grupo existem candidatos à
docência a todos os níveis de ensino. “Pode acontecer que haja quem só tenha
tido Matemática até ao 9.º ano e que tenha tido negativa a esta disciplina. Mas
o raciocínio lógico-dedutivo, a que faz apelo a prova, não é o único existente.
Estes docentes podem ter desenvolvido outras capacidades e isso não os torna à
partida piores professores”, diz.
Erros sem peso
O facto de serem
as mesmas famílias de erros a perseguir alunos e professores diz alguma coisa
sobre o sistema de ensino, admite Paulo Guinote, autor do blogue a Educação do
Meu Umbigo e professor de Português do 2.º ciclo. “As deficiências vão
perseguindo os alunos e não desaparecem apenas com a passagem de nível de
escolaridade. No básico, os erros ortográficos ou de sintaxe não têm peso que
justifique o ‘chumbo’ dos alunos e durante muito tempo nem sequer tinham
especial relevo na classificação das provas. O mesmo se passa no secundário”,
adianta.
Guinote reconhece
que “erros ortográficos ou de sintaxe são dificilmente aceitáveis num
professor”, mas alerta que é preciso ir mais além desta constatação. Por
exemplo, frisa, “seria interessante perceber se na maioria dos cursos de
formação de professores esses aspectos chegam a ser avaliados ou a ter um peso
relevante na avaliação de um aluno que mostre ter um excelente domínio dos
conteúdos teóricos (avaliados na oralidade, por exemplo) e práticos da sua
disciplina, seja ela Físico-Química ou Educação Musical”.
"É
importante termos em conta que a ‘cultura do sucesso’ tem feito com que cheguem
ao ensino superior e dele saiam alunos, não apenas futuros professores, com um
nível atroz de expressão escrita. E a mim custa-me imenso ver essas pessoas
serem criticadas por quem nada escreve em relação a quem deixou que eles
tivessem uma certificação profissional sem que isso fosse determinante na sua
formação”, comenta.
Nas redes sociais
e, nomeadamente, nos grupos de professores, muitos criticam a “humilhação” a
que se sentem sujeitos. O director do IAVE afirmou, em declarações ao Diário de
Notícias, que “permitir que [os professores chumbados] continuassem à frente da
formação dos alunos seria gravíssimo". E o ministro da Educação disse na
Assembleia da República que "não faz sentido nenhum que um professor dê 20
erros de ortografia numa frase".
Embora reconheça
que continuam a existir “falhas no processo de formação de professores”, a
presidente da APM considera que o tipo e a forma de avaliação que estão a ser
concretizados são um “achincalhamento da figura do professor”. “Colocam os
professores ao mesmo nível dos alunos, propondo-lhes o mesmo tipo de
instrumento de avaliação, dando-lhes notas e tudo isso é feito na praça
pública. É inadmissível”, comenta.
Para Paulo
Guinote também é “inadmissível que se considere que várias das questões da
prova avaliem alguma coisa relacionada com a qualidade da actividade docente”. Defende
que “uma prova sobre as competências generalistas de um professor deveria
incidir sobre o enquadramento legal da sua função, aspectos práticos do seu
trabalho como, por exemplo, as funções de director de turma ou mecanismos de
enquadramento de alunos com dificuldades de aprendizagem, entre outras
possibilidades”.
Segundo o IAVE, a
componente comum da PACC foi “elaborada por equipas constituídas por
professores do ensino básico, secundário e superior”.
O ministro
defende que a prova se destina a seleccionar os melhores professores. Mas na
verdade a maior parte dos 46 mil professores contratados que estão nas escolas
– e para os quais estava destinada a PACC – não a fizeram nem farão.
Em 2013, em cima
da data marcada para a estreia da prova, os professores sem vínculo com cinco
ou mais anos de serviço acabaram por ser dispensados. Com a decisão, o
público-alvo caiu de 46 mil para 13.500 e apenas 10.220 a fizeram de facto.
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