MORADORES DE CAIS
DO SODRÉ E SANTOS
“A Câmara de Lisboa está a entrar
em campo minado”
HUGO TAVARES DA
SILVA / 28/1/2015, 20:57 / OBSERVADOR
A fiscalização da venda de bebidas para consumo na rua após a 1h deixa um
grupo de moradores reticente. "Vai correr pessimamente", dizem,
acusando ainda a câmara de ter medo de "impopularidade".
As coisas mudaram
pouco. Pelo menos é isso que dizem Isabel Sá da Bandeira e Miguel Velloso,
elementos do grupo de moradores “Nós Lisboetas” que representa as zonas do Cais
do Sodré e Santos. Desde sexta-feira passada, 23 de janeiro, entrou em vigor um
despacho que obriga os bares a fecharem às 2h durante a semana e 3h aos fins de
semana. As lojas de conveniência passaram a encerrar às 22h, quando antes
estavam autorizadas a funcionar até às 2h. A medida “mais inovadora”, como lhe
chamou Carla Madeira, presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia,
prendia-se com a inibição de venda de bebidas alcoólicas para consumo na via
pública a partir da 1h. Qual era o objetivo? “Diminuir o número de pessoas na
rua”, explicou a presidente da junta. “Vai correr pessimamente. É impossível
ter um polícia à porta de cada bar”, adivinha o grupo de moradores, que acusa
ainda a câmara de “inércia” e de recear “impopularidade”.
“Não tenho fé
nenhuma [nestas medidas]”, desabafa Isabel Sá da Bandeira, ainda que reconheça
sinais positivos da câmara. “Temos de reconhecer qualquer coisa: até há seis
meses éramos completamente ignorados. Há um passo dado. Isto também passa por
uma mudança de mentalidade, mas é insuficiente. Está a anos-luz do que se faz
lá fora.” O tal exemplo de fora, também referido por Carla Madeira na sessão
extraordinária da CM de Lisboa de 13 de janeiro, diz respeito ao que acontece,
segundo a mesma, em “Barcelona, Sevilha, Valência, Madrid, Paris, Estrasburgo,
Praga, Londres e Roma”.
Nessa sessão
extraordinária foi apresentada uma petição por parte deste grupo de moradores
que pretende tornar-se numa associação para ter mais peso e encurtar distâncias
entre população e poder local. A petição, assinada por 1.619 pessoas, contava
com quatro pontos principais:
• Restrição do
consumo e venda de bebidas alcoólicas na via pública, fora de esplanadas e
outros recintos autorizados à semelhança do que existe em Espanha, França,
Inglaterra, Alemanha e muitas outras cidades do mundo.
• Regras e procedimentos
com vista ao cumprimento da lei do ruído e respetiva fiscalização.
• Restrição e
uniformização dos horários dos estabelecimentos de venda de bebidas alcoólicas
no Bairro Alto, Cais Sodré, Príncipe Real, Santos para horários compatíveis com
o direito dos moradores ao descanso.
• Revisão do
licenciamento zero nos bairros históricos.
Passados dez dias
da sessão extraordinária, a nova lei entrou em vigor. E que tal? “Está tudo
igual no Cais do Sodré. Em Santos nota-se que algo mudou, porque se veem zonas
fechadas às 2h”, diz Isabel. No Cais do Sodré, nomeadamente na Rua Nova do
Carvalho (rua cor-de-rosa), foram poucas ou nenhumas as mudanças, concretamente
para bares como Europa, Viking, Tokyo, Copenhaga, Liverpool, Oslo, Sabotage,
Bar do Cais, Povo, Pensão Amor. Porquê? Porque o despacho da CM de Lisboa
permite que nada mude para aqueles que têm licença de espaço de dança, espaços
insonorizados, com segurança privada à porta e com sistema de videovigilância.
Por todas essas
exceções no despacho, o “Nós Lisboetas” prefere focar-se e centrar “a batalha”
no controlo do consumo de bebidas alcoólicas e consequente ruído na via
pública. “Acordo muitas vezes com gritos durante a noite. Tive de arranjar uma
garagem porque o meu carro, como o de outros, foi vandalizado”, conta Isabel,
que também censura a quantidade de lixo produzida. “São grandes custos
associados a esta atividade, nomeadamente na recolha do lixo. Os bares
contribuem para esse pagamento? É o erário público quem paga.” Segundo Carla
Madeira, que reconhece a situação “dramática” dos moradores, o orçamento para
limpeza e recolha do lixo da Junta de Freguesia da Misericórdia ultrapassa o
milhão de euros. O orçamento da junta para 2014 dispensava 1.7 milhões de euros para “Higiene Urbana”.
“A OCUPAÇÃO DA
VIA PÚBLICA CONTINUA CAÓTICA”
Em Santos, embora
se tenha observado o encerramento de bares à hora prevista, os velhos hábitos
mantêm-se: carros estacionados com as portas abertas para servirem de discoteca
e consumo de bebidas na rua compradas após a 1h. É isto que conta ao Observador
Miguel Velloso, o homem que representa Santos no “Nós Lisboetas”. Já a medida
que proíbe a compra de bebidas depois da 1h para consumo no exterior não merece
muita confiança. “Não será fiscalizável”, garante.
“Não há mudança
de fundo. A ocupação da via pública continua caótica”, acusa. “A Câmara
Municipal está a entrar em campo minado. Se não fiscalizou até agora, como vai
fazer? Há brechas no próprio despacho.” Miguel Velloso fala em “caos” e lembra
que já não falta assim tanto para o verão. “Isto foi criado pela câmara, que
fechou ruas sem ouvir os moradores.”
E soluções para a
situação? “A câmara tem de entrar mais na fiscalização e de fazer um
levantamento das licenças dos bares”, sugere Miguel, que ainda assim vê como
positivo os espaços estarem fechados mais cedo, pois “não haverá música, e isso
é bom”. O encerramento das lojas de conveniência até 22h é outra novidade que o
deixa satisfeito. “É um sinal mais forte [da câmara]. Esta é uma guerra que vai
continuar por muito tempo”, vaticina.
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