segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Uma nova agenda política para a Europa / Opinião / Pedro Sánchez, Thomas Piketty.


Uma nova agenda política para a Europa
Opinião Pedro Sánchez, Thomas Piketty / 26-1-2015 / PÚBLICO

De novo o elefante passeia-se na loja de porcelanas e ninguém parece querer vê-lo. A Europa começou o novo ano discutindo a possibilidade de a Grécia abandonar o euro. Enquanto os comentadores tendem a centrar a discussão sobre se isso ajudaria, ou não, a Grécia ou o risco de contágio aos outros países da zona euro, poucos falam do que realmente importa, isto é, como podemos resolver a crise do euro de uma vez por todas. Porque não se trata só de uma crise grega, mas uma crise de todos os países onde o crescimento continua estagnado, a desigualdade cresce e a esperança se vai desvanecendo.
Enquanto os cidadãos europeus ficam cada vez mais pessimistas sobre as perspectivas económicas, também uma maioria muito significativa pensa que a Europa poderia contribuir para construir um futuro melhor — se mudar de rumo, é claro.
Quando se pergunta aos cidadãos sobre as suas preferências de actuação política, 75% dos inquiridos pelo eurobarómetro respondem estar a favor de uma política energética comum, 60% consideram que o investimento deve ser estimulado ao nível da União Europeia e mais de 50% estão a favor das políticas da UE de relançamento da indústria.
O auge do populismo na Europa não se solucionará com ameaças de saída do nosso projecto comum, mas sim com propostas realistas e inovadoras que vão para além da austeridade. Neste momento, é fundamental superar a confrontação erigida entre devedores e credores, a qual apenas destrói a arquitectura construída pelos nossos valores e interesses comuns.
Os sociais-democratas europeus acreditam que é possível uma política alternativa, quer face à austeridade imposta de forma unilateral pela direita, quer face ao não-pagamento da dívida promovido pelo Syriza: uma alternativa baseada na unidade e na solidariedade.
Uma Europa mais unida implica aprofundar a integração e fortalecer o nosso marco institucional. Nesse sentido, propomos a mutualização da dívida mediante a emissão de eurobonds, um papel mais activo do Mecanismo Europeu de Estabilidade para aliviar os pagamentos da dívida da Grécia no curto prazo, e para este se dotar de mecanismos adequados para que o BCE possa combater a deflação e o desemprego através de uma política monetária mais agressiva.
Parece evidente que, assente unicamente na base da austeridade, o peso da dívida da Grécia — como a de todos os outros países — só se agravará em vez de diminuir. Portanto, a Comissão Europeia deve implementar de imediato o Plano Juncker de investimento, para além de o completar com um plano de reindustrialização com o mesmo alcance.
Para além disso, a União Económica e Monetária precisa de completar-se. Agora, que se colocou em marcha a união bancária, é o momento certo para criar um Fundo de Amortização da Dívida, o qual, como já foi proposto pelo Parlamento Europeu, emitiria eurobonds para mutualizar a dívida pública acima dos 60% do PIB.
Por outro lado, o completar da União Económica e Monetária requer o estabelecimento de um novo orçamento para a zona euro, gerido por aquilo que poderemos denominar tesouro europeu. O orçamento seria financiado inicialmente com recursos próprios recebidos pelos Estados-membros, assim como por impostos específicos da zona euro (como o imposto sobre as transacções financeiras internacionais ou por uma parte do imposto harmonizado que as empresas pagariam). A gestão destas novas instituições requererá novos mecanismos de controlo e prestação de contas para assegurar a governança democrática da zona euro.
Tal como se propõe no manifesto para uma união política do euro, devemos dotar-nos de um novo tratado para estabelecer uma câmara parlamentar da zona euro, composta por parlamentares nacionais com base na população de cada país, ou seja, seguindo o princípio de uma pessoa, um voto. Um ministro das Finanças da zona euro e, um dia, um Governo europeu que deverá prestar contas perante esta câmara da zona euro. Este deveria ser o local onde se estabeleceriam os compromissos sobre um nível de défice comum e sobre um imposto harmonizado para as empresas. Um sistema de Governo democrático, como o aqui enunciado, ter-nos-ia conduzido a menos austeridade e mais crescimento durante estes anos. Chegou o momento de o considerar seriamente.
Pelo seu lado, o novo Governo grego deveria acelerar as reformas que o seu país necessita para atingir um maior crescimento e torná-lo mais inclusivo. Em particular, necessita-se maiores esforços para reformar a administração pública e o sistema fiscal mediante a implementação de uma fiscalidade realmente progressiva e eficiente.
Em última instância, a solução definitiva da crise económica e política que atravessamos na Europa deve basear-se num renovado sentido de solidariedade entre os países e entre os cidadãos. Esta solidariedade deu à luz o projecto europeu, e hoje pode ajudar a contrariar as correntes nacionalistas e xenófobas, assim como assentar as bases para um novo período de crescimento e prosperidade. Se a recuperação só chegar aos mais ricos e a desigualdade continuar a crescer, o apoio ao projecto europeu pode evaporar-se rapidamente, sobretudo nos países da zona euro.
Um foco mais gradual na consolidação das finanças públicas, que seja compatível com um crescimento da procura agregada, dando prioridade às iniciativas de reindustrialização nas regiões com níveis de desemprego mais elevado, pode ajudar a evitar que se diluam os princípios sobre os quais se constrói o projecto europeu.

Vivemos tempos emocionantes. Os cidadãos da Europa esperam que estejamos à altura do desafio. Chegou o momento de avançar para uma união política plena na zona euro. Vamos trabalhar juntos para a fazer avançar. Tradução de Gustavo Cardoso, investigador do ISCTE-IUL, em Lisboa, e Collège d’Études Mondiales da FMSH, em Paris

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