Novo historiador de arte na
gestão do São Carlos e mais uma demissão
Instabilidade na administração do
teatro de ópera e da companhia de bailado tem sido uma constante. Nomeação de
Monterroso Teixeira surpreende
O historiador de arte José
de Monterroso Teixeira é o novo presidente do conselho de administração do
Opart — Organismo de Produção Artística, entidade que gere o Teatro Nacional de
São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado (CNB).
Cláudia Carvalho, Isabel Salema e Lucinda
Canelas /30 jan 2015 / PÚBLICO
Monterroso
Teixeira é um conhecido comissário e gestor cultural, tendo sido director do
Museu de Évora e do Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém, entre
outros cargos. É comissário, por exemplo, da exposição sobre a colecção de
Franco Maria Ricci, que está neste momento no Museu Nacional de Arte Antiga
(MNAA). A nomeação de mais um historiador de arte é surpreendente, de acordo
com pessoas do meio artístico ouvidas pelo PÚBLICO e que preferiram manter o
anonimato. Ontem, Monterroso Teixeira mostrou-se indisponível para falar por se
encontrar fora de Lisboa.
Adriano Jordão
mantém o seu lugar como vogal do conselho de administração, enquanto Sandra
Castro Simões, uma economista, é a nova vogal do conselho de administração,
tendo feito parte da administração do Teatro Nacional D. Maria II entre 2011 e
2014.
Estas nomeações
foram ontem aprovadas em reunião do Conselho de Ministros, divulgou a
Secretaria de Estado da Cultura em comunicado. Foi também aprovada a exoneração
do ex-presidente do conselho de administração José António Falcão e de João
Pedro Consolado, ex-vogal do conselho de administração. Questionado pelo
PÚBLICO sobre esta decisão, o gabinete de Jorge Barreto Xavier confirmou apenas
que a demissão foi pedida pelo secretário de Estado da Cultura e aprovada pelo
Governo, escusando-se a mais informações. Falcão e Consolado estiveram também
indisponíveis para explicar as razões da saída, mas desde Outubro que são
visíveis as divergências entre a tutela e a administração, na sequência das
confusões com o contrato do consultor artístico do São Carlos, Paolo Pinamonti,
que já tinha sido director deste teatro de ópera.
O historiador de
arte José António Falcão esteve menos de um ano no cargo de presidente do
Opart, tendo sido nomeado em Fevereiro do ano passado, substituindo João
Villa-Lobos. Falcão foi proposto por Jorge Barreto Xavier, assim como os
restantes membros do conselho de administração: João Pedro Consolado, que sai
agora com Falcão, e o pianista Adriano Jordão, no Opart desde Setembro de 2013,
quando foi chamado a substituir o maestro César Viana.
José António
Falcão e Paolo Pinamonti já tinham trabalhado juntos no passado. Falcão faz
parte da comissão organizadora do Festival Terras Sem Sombra de Música Sacra do
Baixo Alentejo, no qual Pinamonti exercia o cargo de director artístico.
Para Luísa
Taveira, directora artística da Companhia Nacional de Bailado desde Outubro de 2010, a nomeação de
Monterroso Teixeira para o Opart é “uma incógnita em absoluto”. Taveira não
conhece pessoalmente o novo presidente, nem a vogal vinda do Teatro D. Maria
II, mas lembra que mais importante do que mudar as caras é mudar o modelo de
gestão da CNB e do teatro de ópera. Juntar os dois, diz, da forma como vem
sendo feito, “simplesmente não resulta” e nasce de uma visão da relação entre o
ballet e a ópera que é própria do século XIX, “desajustada”, “ultrapassada”.
E porque é que o
modelo não serve? “Está enquistado à partida. O São Carlos é uma casa que
deslumbra, que nos ganha. Eu sei, porque é o meu teatro de bailarina. Quando
toda a equipa do Opart está lá e não está motivada para o projecto da
companhia, é fácil fazer com que ela pareça um apêndice com que o conselho tem
de lidar, como uma coisa que não pertence ali”, explica ao PÚBLICO a directora,
numa breve conversa telefónica.
Taveira parece
estar, no entanto, disposta a dar o benefício da dúvida ao novo conselho de
administração: “Quando o modelo que se usa é mau, são as pessoas que têm de
fazer a diferença.”
Ao modelo “sem
sentido” junta-se a instabilidade, se tivermos em conta, como lembra Luísa
Taveira, que desde Outubro de 2010 o Opart já conheceu oito composições
diferentes do seu conselho de administração, o que dá uma média superior a um
por ano.
O contrato e a
polémica
Os problemas na
gestão do Opart tornaram-se públicos após em Outubro do ano passado o PS ter
questionado o processo contratual de Paolo Pinamonti. Em Dezembro, o musicólogo
italiano demitiu-se alegando incompatibilidade entre o cargo de Lisboa e aquele
que ocupa em Madrid como director do Teatro de La Zarzuela.
Para a socialista
Gabriela Canavilhas, foi Barreto Xavier quem causou a instabilidade no São
Carlos. “Para todos os efeitos o que deu origem a este imbróglio foi a situação
de Pinamonti escolhido pelo secretário de Estado, que tornou público que esta
contratação decorria num quadro de articulação com o Governo de Espanha”, disse
ao PÚBLICO a deputada do PS, considerando que nos últimos meses se viveu no
Opart uma “situação constrangedora”.
Já no início
deste ano, na comissão parlamentar de balanço da política cultural com Barreto
Xavier, a deputada acusou o secretário de Estado de não saber gerir a situação
no teatro de ópera e de passar as responsabilidades do caso para o Opart,
acusando-o ainda de fazer força para que o conselho de administração se
demitisse.
Na altura, o
secretário de Estado prometeu que resolveria o problema em breve. “A situação
do Opart não é a melhor. As coisas não têm corrido bem, temos garantido bom
serviço de cultura, mas nem tudo corre pelo melhor. É assim na vida das
pessoas, é assim na vida do Estado. As coisas podiam estar bem melhor”,
admitiu.
O musicólogo Rui
Vieira Nery não quer comentar a nomeação do historiador de arte para a
administração do Opart. “Mais importante do que a questão da administração é
resolver a questão da direcção artística do Teatro São Carlos. Um teatro de
ópera não pode funcionar na base do conselheiro informal. A segunda questão é a
inadequação do modelo institucional do Opart em relação à natureza do Teatro de
São Carlos e da Companhia Nacional de Bailado. São duas instituições
completamente diferentes com interesses por vezes contraditórios.”
Falta um director
artístico
Quanto ao
orçamento de produção, que seria de 1,7 milhões de euros conforme anunciado em
Setembro, Nery, que foi secretário de
Estado da Cultura
num governo socialista, diz que é “manifestamente insuficiente”: “O
investimento global no São Carlos é demasiado elevado para não se dispor de
meios de produção adequados.”
José Monterroso
Teixeira, autor de vários livros, participou há bem pouco tempo num volume
dedicado precisamente ao Teatro Nacional de São Carlos ( São Carlos: Um Teatro
de Ópera para Lisboa), ao lado de outros especialistas. Entre 2002 e 2006,
Monterroso Teixeira foi director-geral de Cultura da Câmara Municipal de
Lisboa. Foi também comissário da representação oficial portuguesa na Bienal de
Veneza de 1995 e de exposições como Triomphe du Baroque, que integrou a
Europália 91 em Bruxelas, Almada — A Cena do Corpo, patente no Centro Cultural
de Belém em 1994, e Splendours of Portugal, Five Centuries of Portuguese Art,
que esteve em 1997 no Tokyo Fuji Museum of Art.
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