Cara Sra
Jornalista MARIA JOÃO GUIMARÃES (texto), pretendeu dizer ... (E) migração como única alternativa ?
OVOODOCORVO
Na Grécia as coisas não podem
ficar piores. Ou será que podem?
MARIA JOÃO
GUIMARÃES (texto) e MIGUEL MANSO (fotos, em Atenas) 23/01/2015 – PÚBLICO
Ordenados de 350 euros por mês, cursos de formação inúteis, a imigração
como única alternativa. Os jovens gregos não esperam grandes mudanças para
depois das eleições de domingo. Com ou sem Syriza.
Maria Vatista e
Georgia Theodoraki, 23 anos, tentam explicar com muito jeito a quem vem de fora
quais são as suas perspectivas de futuro na Grécia, onde estudam Arqueologia. “Temos
amigos portugueses, por exemplo, ou espanhóis; eles contam que é difícil
arranjar emprego”, comparam. “Aqui era difícil. Agora é impossível. Tens de ser
filha do Presidente!”
A solução para
ambas passará quase de certeza por ir para o estrangeiro. Quase pedem desculpa,
mas não estão muito optimistas que as próximas eleições resolvam alguma coisa –
ou que resolvam a tempo para elas. Primeiro, acham que o Syriza, o partido de
esquerda favorito nas sondagens, não vai conseguir ter maioria absoluta para
governar e prevêem que haja segundas eleições, como em 2012. Depois, mesmo
quando houver governo, as mudanças vão demorar. Georgia é um pouco mais
optimista: “Talvez haja algumas mudanças na Saúde e Educação, talvez depois de
alguns meses…”, diz. “Anos!”, atalha com certeza Maria.
A perspectiva de
conseguir um desses empregos impossíveis é a de ganhar uns 350 euros por mês. “Fala-se
da geração dos 350 euros”, a geração que já foi dos 480 euros, dos 750 euros e,
ainda antes (muito antes, elas não se lembram), dos “mil euristas”.
Ser jovem hoje na
Grécia é viver com esta certeza. Lá fora haverá mais oportunidades. Maria fez
Erasmus em Berlim e Georgia em Viena, paraísos sem crise. Até gostam da ideia
de ir para fora, só têm pena que sejam “obrigadas”. “Devíamos ir por querer.”
Ser estudante
significa ainda estar numa universidade que “não tem o básico”. “Na nossa
faculdade não há limpeza há mais de um ano”, conta Georgia. Espanta-se com a
reacção de estranheza. “Em Portugal não? Aqui deixaram de pagar às empregadas.
Elas ainda apareciam durante uns tempos, aí uma vez por mês, quase por
voluntariado, mas agora já não…”
Beneficiários e não trabalhadores
Eleni
Papaglorgiou, 23 anos, até tem sorte, diz com um encolher de ombros. Trabalha
num esquema público, financiado pela União Europeia, para minorar o problema do
desemprego jovem, um programa chamado "Vouchers". Vai ganhar 400
euros por mês, mas apenas receberá a quantia no final dos seis meses que dura o
programa.
Eleni explica
como funciona: o candidato inscreve-se num centro que faz a ligação entre quem
procura trabalho e quem procura empregados. O centro envia alguns candidatos
para os potenciais empregadores para entrevistas e estes escolhem o que acham
mais adequado. O beneficiário recebe uma formação no centro antes de ir trabalhar
para o empregador correspondente.
Só nesta frase há
três problemas. Um, o beneficiário. “Somos beneficiários, não trabalhadores”,
explica. Não há direitos como têm os trabalhadores em geral, como baixa por
doença, nem é pago seguro de saúde (na Grécia, normalmente é o empregador que
paga o seguro de saúde do empregado). Dois, a formação. “É inútil”, sublinha.
“No meu caso, sou professora, foi para isso que estudei, e fui colocada numa
escola. Não preciso de estar a ouvir formação de coisas que não têm nada a ver,
como gestão de crises.” Terceiro, onde se trabalha: “No meu caso, encontrei
trabalho na minha área. Mas conheço professores que estão a trabalhar em
farmácias ou como empregados de café.”
Eleni faz parte
de um grupo chamado “V for Voucherades”. Querem chamar a atenção para alguns
problemas deste programa. “O centro ganha mais pela formação que me dá, e da
qual eu não preciso, do que o que eu ganho com o trabalho que faço”, diz Eleni.
Se é preferível estar a trabalhar com o sistema de vouchers do que não
trabalhar, os activistas da V for Voucherades dizem que cada vez mais os
empregadores preferem beneficiários dos vouchers do que empregados, o que, a
longo prazo, ainda vai piorar mais as perspectivas de emprego dos jovens.
“[Por isso, a
emigração] é uma ideia na minha cabeça”, prossegue Eleni. Isto, apesar de
“ficar cá ser uma das [suas] prioridades”, sublinha. Eleni quer que haja uma
mudança na Grécia depois de domingo. “Desastre já é como estamos. Não tenho
muito medo do que vem aí.”
De mal a pior
Stathis Garras,
32 anos, e George Kyroglon, 33, estão num café-cooperativa como muitos que
surgiram na crise de grupos de pessoas que ficaram sem emprego. Passaram de ter
trabalhos maus para ter trabalhos piores, por ir para fora e voltar, e
continuam a tentar tudo o que podem.
Stathis trabalha
num organismo público e agradece este ser um trabalho temporário com prazo. “Ao
início era divertido esperar para ver que coisa surreal é que ia acontecer
nesse dia, qual seria a nova aventura. Mas ao fim de uns meses todo aquele
ambiente de funcionários públicos que não querem ser incomodados tornou-se
muito chato.”
George passou por
uma empresa de cruzeiros no Pireu, por Itália e pela Suécia. “Quando descobri
que a Suécia não era para mim, a minha namorada ganhou uma bolsa para
doutoramento lá.” Ironicamente, a sua esperança de voltar para Atenas é um
projecto que ajuda jovens a ter oportunidades no estrangeiro, explorando
programas comunitários e bilaterais. Ainda não se tornou rentável. “Mas tenho
de ser optimista”, diz George.
O optimismo
individual não se traduz em optimismo quanto à situação do país. Querem que
ganhe o Syriza, mas, mesmo que o partido seja capaz de formar governo, mostram
algum cepticismo. Por outro lado, é “o mal menor”. Os dois falam sobre isso num
pequeno grupo no café. Stathis tem uma máxima. “As coisas não podem ficar
piores.” Faz uma pausa, olha para os amigos. “Bom, já disse isto em 2009, em
2012… E ficaram sempre pior.” Toda a gente se ri. “Mas desta vez não me
engano”, garante. Fica tudo calado. “Bom, espero mesmo
não me enganar…”
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