Europa na dúvida sobre o que
representaria o regresso do dracma na Grécia
SÉRGIO ANÍBAL
11/01/2015 - PÚBLICO
Com as eleições gregas à porta, surge na Europa a mesma dúvida de 2012: uma
saída da Grécia do euro seria também o fim da moeda única?
Entre os que
acreditam que uma saída da Grécia não produziria um grande efeito no resto da
zona euro e os que alertam que seria o sinal de partida para uma ruptura
caótica na moeda única, a Europa volta a viver a incerteza de não saber
exactamente o que poderá acontecer se um dos membros do projecto do euro acabar
por abandonar o barco. Mas para Portugal há uma certeza, na eventualidade de
saída da Grécia do euro, seria sempre dos primeiros a sentir o impacto quaisquer
que fossem os efeitos colaterais que se viessem a produzir.
Para já, entre
todos os analistas, a primeira coisa que é dita é que um cenário de saída da
Grécia do euro – também conhecido como Grexit – continua a ser bastante
improvável. “Sairia bastante caro à Grécia e também aos países credores. Embora
seja difícil prever decisões políticas, a experiência sugere que, uma vez no
poder, os partidos políticos compreendem as consequências potenciais de uma
decisão tão radical”, afirma Guntram Wolff, o director do think tank europeu
Bruegel.
Esta é uma
previsão que bate certo com o facto de, mesmo antes de chegarem ao poder, os
dois partidos com hipóteses de ganhar as eleições na Grécia – o Syriza e a Nova
Democracia – garantirem publicamente que em caso algum irão fazer o país
abandonar o euro e regressar ao drachma. O partido liderado por Alexis Tsipras,
que está no centro das atenções por liderar as sondagens e por defender uma
estratégia de confronto com a troika, tem repetido quase até à exaustão que o objectivo
é negociar com os parceiros europeus, não forçar uma saída da zona euro, que é
algo que os inquéritos de opinião mostram que a maioria dos gregos não quer.
No entanto,
apesar destas garantias, continua a não ser possível eliminar a possibilidade
de, num cenário em que tanto o Syriza como os países da zona euro (em especial
a Alemanha) não cedem um milímetro às exigências da outra parte, as negociações
poderem chegar a um ponto tal que a Grécia fica sem possibilidades de pagar a
sua dívida e sente que já não tem muito a perder em sair do euro. Nessa altura,
abandonar o euro passa de bastante improvável a muito provável, bastando um
pequeno empurrão de mercados em pânico para consumar o cenário.
E aí, o que é que
aconteceria aos outros países da moeda única? E, em particular a Portugal? As
opiniões neste caso dividem-se.
De um lado estão
aqueles que consideram que a situação actual é completamente diferente da vivida
em 2012, quando a possibilidade de uma saída da Grécia também se colocou. Nessa
altura, o Governo liderado por Antonis Samaras também entrou em confronto com a
troika na negociação do segundo programa. O primeiro-ministro da Grécia queria
menos medidas de austeridade e o resto da Europa tinha dúvida se não estava a
emprestar mais dinheiro a um país cuja dívida já estava a um nível
insustentável.
No entanto, o
contágio para os outos países era, em 2012, bem mais do que uma ameaça. Era uma
realidade. Para além de Portugal e a Irlanda que já estavam sujeitos a um
programa da troika, Itália e Espanha viam as suas taxas de juro da dívida a
disparar para níveis em que uma intervenção também parecia precisa. Deixar a
Grécia cair significaria ter de encontrar imediatamente fundos para salvar duas
das maiores economias da zona euro. Por isso, colocados entre a espada e a
parede, os líderes europeus chegaram a acordo com a Grécia.
Agora, a
conjuntura é bem diferente. É verdade que as economias europeias continuam
quase a não crescer, mas desde que Mario Draghi prometeu que o BCE faria tudo
para salvar o euro, a pressão dos mercados reduziu-se e as taxas de juro da
dívida caíram. Neste momento, seja em Portugal ou na Irlanda, seja na Itália e
Espanha, os juros estão em mínimos históricos, não dando sinais de subida,
mesmo quando a conjuntura política na Grécia aumenta os riscos de intabilidade.
Além disso, dizem
os mais optimistas, a zona euro tem agora à sua disposição uma série de
instrumentos de segurança que em 2012 (e principalmente em 2010) não estavam
operacionais. O Mecanismo Europeu de Estabilidade existe de forma permanente,
com fundos permanentemente disponíveis para emprestar aos países que não o
consigam obter dinheiro nos mercados. Ao mesmo tempo, a disponibilidade
demonstrada pelo BCE para intervir, através da compra de dívida pública a
países em dificuldades, e a possibilidade de começar mesmo a comprar obrigações
de toda a zona euro para combater a deflação, dão ainda mais tranquilidade aos
mercados.
Tudo isto faz com
que haja quem acredite que o contágio de uma saída da Grécia do euro para os
outros países seria bastante pequeno e que o projecto da moeda única
continuaria apenas com a diferença de ter menos um elemento.
Criar um
precedente
Do outro lado
deste debate estão contudo os que temem que, mesmo com todos estes novos
instrumentos, os Estados europeus não teria força suficiente para controlar as
forças do mercado.
Na verdade, tanto
os mecanismos de estabilidade europeus como o BCE não foram ainda
verdadeiramente testados. Os primeiros emprestaram dinheiro a países de
dimensão relativamente pequena, como a Grécia, Irlanda, Portugal e Chipre, e o
BCE tem feito da promessa da acção a sua principal força, não se sabendo ainda
o que acontecerá se for mesmo forçado a agir. E o problema é que, na
eventualidade de saída da Grécia do euro, seriam vários problemas que teriam de
ser enfrentados.
Em primeiro
lugar, com uma saída do euro viria necessariamente o default da Grécia em
relação a grande parte da sua dívida. Isso teria um impacto financeiro imediato
nas contas públicas de todos os países da zona euro (incluindo Portugal), que
nos dois programas da troika avançaram de forma directa e indirecta com 194,8
mil milhões de euros de empréstimos à Grécia.
Haveria depois,
quase de imediato, um efeito na confiança dos mercados. A saída da Grécia
abriria um precedente. Afinal, era possível a um país abandonar o euro. Mais,
era possível que as grandes potências da Europa deixassem cair um dos seus. Estas
duas constatações conduziriam a que os investidores, independentemente das
garantias dadas pelos líderes europeus de que a Grécia era caso único, fossem
muito mais severos a avaliar a situação de cada um dos países. As agência de
rating poderiam também voltar a baixar as suas notas.
Depois haveria
ainda o problema da banca. Com o BCE a deixar de emprestar dinheiro ao sector
financeiro grego, uma corrida aos depósitos seria apenas uma questão de
minutos. As imagens de filas às portas do bancos de Atenas não deixariam de ter
impacto na forma como os aforradores dos outros países do euro se iriam
comportar.
Por causa de
todos estes efeitos, a quantidade de dinheiro que a Europa teria de mobilizar
para evitar um contágio seria muito maior do que em qualquer outro momento da
crise. Muitos duvidam que tal seja possível, principalmente logo após os
contribuintes das maiores potências europeias terem ficado a saber que não
teriam o dinheiro que emprestaram à Grécia de volta.
É por tudo isto
que, a maior parte dos analistas continua a considerar que os efeitos de
contágio de uma saída da Grécia seriam muito significativos e difíceis de
controlar, com os mais pessimistas a apostar que conduziriam necessariamente ao
fim da moeda única tal como a conhecemos.
Para Portugal, é
fácil de perceber que estaria na linha da frente destes contágios, grandes ou
pequenos. Visto ainda como um dos países frágeis da zona euro por causa da
dimensão da sua dívida pública e da incapacidade para crescer rapidamente, é
provável que voltasse a estar sob forte pressão nos mercados, tal como
aconteceu em 2012. “Uma saída da Grécia da zona euro colocaria a questão sobre
uma saída de Portugal no centro das discussões nos mercados e a recuperação de
Portugal seria travada devido à subida dos spreads da dívida”, afirma Guntram
Wolff.
Se a pressão
chegasse ao ponto de o acesso do Estado e dos bancos ao financiamento do
mercado voltasse a ficar cortado, a possibilidade de um pedido de apoio
financeiro à troika (ou só aos parceiros europeus) voltaria a ser colocada, com
a consequente negociação de mais medidas de austeridade.
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