“O plano de Lamas
é para ir fazendo, devagar, devagarinho, talvez parado em futuro próximo.”
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OPINIÃO
O Museu dos
Coches e a cascata de fogo preso em Belém
LUÍS RAPOSO
23/01/2015 - 04:41
O novo Museu dos
Coches, para além de não prioritário e mesmo inconveniente a uma política
museológica nacional com pés e cabeça, seria como que uma espécie de elefante
em loja de cristais.
Ouvido na AR, o
secretário de Estado da Cultura (SEC) teceu um conjunto de considerações sobre
os planos para o eixo Belém-Ajuda, todas vagas, e afirmou concretamente que o
novo Museu dos Coches abrirá em 22 de Maio próximo (ou 23, como corrigiu
depois). Vistas com cuidado e desencriptadas por quem acompanha de perto estes
temas, as ditas considerações só podem significar uma coisa: O Museu dos Coches
descolou do plano supostamente pedido a António Lamas para o parque museológico
e património do eixo Belém-Ajuda.
Encurralado em
vésperas de eleições (nas quais a oposição socialista, autora do projeto nos
tempos do desvario socratista e seus tentáculos, não deixaria de o confrontar,
ou mesmo achincalhar com a inépcia de ter mantido o museu fechado durante toda
uma legislatura), o Governo entendeu resolver já este problema, abandonando a
proposta que Lamas vinha sugerindo. Este último bem se pode cuidar para que afinal
não venha mesmo a ser uma espécie de “liquidatário” do CCB.
Admitiu o SEC que
“a sustentabilidade não é evidente”, mas disse estar a trabalhar no assunto.
Ora, o busílis da questão está aqui. Desde sempre tenho referido, tal como a
generalidade dos museólogos, que o novo Museu dos Coches, para além de não
prioritário e mesmo inconveniente a uma política museológica nacional com pés e
cabeça, seria como que uma espécie de elefante em loja de cristais. É agora
altura de aprofundar a metáfora e para tanto apenas me ocorrem os manuais de
prestidigitador e pirotécnico dos finais do século XIX, onde nos eram ensinadas
as artes da dissimulação e do fogo preso.
Dissimulação,
disse: passará o novo modelo de sustentabilidade do Museu dos Coches pela sua
entrega (mais ou menos encapotada) à “exploração” de privados, parasitando
tesouros nacionais e promovendo carros antigos, assim convertendo o todo mais
em stand automobilístico do que em verdadeira unidade museológica? É que só
através deste tipo de malabarismos será cogitável admitir recolher as receitas
necessárias aos custos de 3 a
4 milhões de euros anuais que se diz serem os de manter o museu aberto.
O separar de
águas entre Museu dos Coches e tudo o resto é reforçado quando o SEC diz – e
muito bem – “não vamos transferir o modelo da Parques Sintra-Monte da Lua,
estamos a falar de coisas diferentes”. Ou que em Belém “há um cuidado
necessário que envolve diversas tutelas, inclusivamente órgãos de soberania
diferentes, poder local e administração central, essa articulação é um trabalho
que está a ser feito”. Ou seja e lido por pessoas chãs: o plano de Lamas é para
ir fazendo, devagar, devagarinho, talvez parado em futuro próximo.
Ora, o que
pretendia este plano? Precisamente usar o incómodo político da não abertura do
novo Museu dos Coches, cavalgando-o, oferecendo-lhe solução numa visão de
gestão integrada do património de toda a zona. O próprio Lamas já tinha,
segundo se diz, percebido quão quimérico era o seu objetivo inicial. Tinha
vindo a reconfigurar o arco da sua possível intervenção, limitando-o ao
essencial: o Centro Cultural de Belém (o verdadeiro grande problema cultural da
zona, dada a situação financeiramente insuportável em que se encontra, com
consequências devastadoras na sua autonomia administrativa), o novo Museu dos
Coches (usado para satisfação do “aperto” do Governo) e… claro, o Mosteiro dos
Jerónimos e Torre de Belém, verdadeiras “galinhas dos ovos de ouro” de todo o
sistema.
Importa
reconhecer que, de todos, o plano de António Lamas era e provavelmente é o de
maior visão estratégica para a zona, o que mais poderá “construir cidade”,
mesmo se os seus outrora sonhados projetos de conclusão do CCB, com a
construção do que falta, de enterramento da linha férrea e de completamento do
Palácio da Ajuda, não pudessem concretizar-se a curto ou médio prazo. É também
o único que poderia mobilizar o capital de que urgentemente necessita o CCB
para readquirir o músculo financeiro que lhe permita recomeçar e, quem sabe,
produzir receita (coisa que Lamas nos ensinou bem como se faz em Sintra). O
problema, se problema existe, são os princípios: para que serve o património e
quais os incentivos à sua apropriação pelos cidadãos nacionais. Mas quanto a
princípios, sabemos bem como eles mudam e, além do mais, como dizia Groucho
Marx, “estes são os meus princípios, mas se não gostar deles… bem tenho
outros”.
Acresce que a
cascata de fogo preso indicada, mesmo na sua versão mais ligeira, colocava
grandes problemas à Direção-Geral do Património Cultural. De tal modo que
quando se começasse a querer montá-la depressa se concluiria que apenas seria
viável se fosse alargada a todo o País. A perda da fonte de receita dos
Jerónimos teria forçosamente de ser compensada pelo regresso à casa-mãe de
alguns dos outros blockbusters dos monumentos, como o Paço Ducal de Guimarães.
Por extensão e para maior economia de gastos, poderia admitir-se extinguir as
direções regionais de cultura, aproveitando também para transferir a tutela de
vários museus para as autarquias. Mas, chegados aqui, alguém necessariamente
terá perguntado se seria sensato proceder a tudo isto em vésperas de eleições.
E não é difícil
antecipar a resposta. Aliás, ela foi agora dada pelo SEC, segundo parece.
Arqueólogo
O autor escreve
segundo o Acordo Ortográfico.
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