Proença tem de se explicar
JOÃO MIGUEL
TAVARES 20/01/2015 – PÚBLICO
José Sócrates processou 14 jornalistas (repito: 14) do Correio da Manhã,
tendo como advogado o mesmo Proença de Carvalho que actualmente manda no DN, no
JN e na TSF.
Se eu ainda sei
ler português, diria que o director do Jornal de Notícias, Afonso Camões,
admitiu ontem em editorial que em Maio de 2014 avisou José Sócrates de que
estava a ser investigado pela justiça. As palavras de Camões são estas: “Dizem
que o avisei que ia ser detido. E que terá sido em Maio, quando eu integrava a
comitiva do presidente da República à China e a Macau. Ora, se o avisei, e se
foi em Maio, eu era administrador e presidente da Agência Lusa. Logo, não
estava jornalista, muito menos director do nosso Jornal de Notícias. E, pelos
vistos, nem sequer havia processo. É verdade: disse-me um jornalista do grupo
empresarial da Coisa [o Correio da Manhã] que a prisão de Sócrates estava
iminente.”
Se eu ainda sei
ler português, o resultado de Afonso Camões afirmar que soube em Maio da
investigação, de não desmentir que avisou Sócrates, e de denunciar que foi alvo
de escutas, só pode ser este: Afonso Camões está a admitir que alertou José
Sócrates e a supor que isso ficou registado na investigação. E esta admissão,
quer ele queira, quer não, é muito mais relevante do que as suas queixas
(justas, sem dúvida) a propósito de uma nova violação do segredo de justiça.
Mais: esta admissão, quer ele queira, quer não, acaba por credibilizar a
história que o seu odiado Correio da Manhã publicou na sexta-feira e no sábado,
e que o jornal i entretanto já garantiu ter confirmado junto das suas próprias
fontes. Uma história tão grave que convinha não ser alegremente ignorada pelo
resto da comunicação social, como foi durante tanto tempo ignorada a história
de Paris e da Octapharma. Uma história que, mais uma vez, tem Daniel Proença de
Carvalho como protagonista.
Porque o problema
vai muito além de Afonso Camões, que no citado editorial afirmou ter “mais de
40 anos” de amizade com José Sócrates. Eu diria que tão longa amizade o deveria
ter desaconselhado de aceitar, em Março de 2009, o cargo de presidente do
Conselho de Administração da Agência Lusa – mas isso se calhar sou eu que sou
muito puritano. Só que entre o meu excesso de puritanismo e a absoluta mixórdia
de interesses há-de existir um ponto de equilíbrio. E é nesse exacto ponto que
Proença de Carvalho começa a perder o pé, e que começa a dever-nos uma boa
explicação.
O Correio da
Manhã afirma que Sócrates incentivou – havendo escutas que o confirmam –
Proença de Carvalho a negociar a compra da Controlinveste, da qual o advogado
acabaria por se tornar presidente do conselho de administração. Além disso, via
Proença, Sócrates teria tido algum papel na escolha de Afonso Camões para
dirigir o JN e na tentativa de pressionar a ERC, via Carlos Magno, para
deliberar contra o Correio da Manhã devido às notícias de Paris e da
Octapharma, como efectivamente veio a acontecer em Fevereiro de 2014.
Proença declarou
ao i que, “por dever deontológico”, não pode falar das “entidades” que
patrocina ou patrocinou “enquanto advogado”. Só que o problema já não está nos
patrocinados, mas no patrocinador. Na sequência das referidas notícias, José
Sócrates processou 14 jornalistas (repito: 14) do Correio da Manhã, tendo como
advogado o mesmo Proença de Carvalho que actualmente manda no DN, no JN e na
TSF. O mesmo Proença de Carvalho que desta vez não aceitou representar
Sócrates, apesar de ter sido para o seu escritório que o motorista ligou ao ser
preso. O mundo de Sócrates está a desmoronar-se – e é demasiado tarde para
Proença simplesmente virar costas enquanto assobia para o lado.
Sem comentários:
Enviar um comentário