A estupidez à solta
VASCO PULIDO
VALENTE 30/01/2015 / PÚBLICO
Cláudia Carvalho,
Isabel Salema e Lucinda Canelas /
Dezenas de
analfabetos que gostam de se dar ares fizeram um escândalo com o aparente
excesso de erros de ortografia, pontuação e sintaxe dos 2490 professores que se
apresentaram à “Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades” (PACC). Deus
lhes dê juízo.
Para começar, não
há em Portugal uma ortografia estabelecida pelo uso ou pela autoridade. Antes
do acordo com o Brasil – um inqualificável gesto de servilismo e de ganância –,
já era tudo uma confusão. Hoje, mesmo nos jornais, muita gente se sente
obrigada a declarar que espécie de ortografia escolheu. Pior ainda, as regras
de pontuação e de sintaxe variam de tal maneira que se tornaram largamente
arbitrárias. Já para não falar na redundância e na impropriedade da língua
pública que por aí se usa, nas legendas da televisão, que transformaram o
português numa caricatura de si próprio; ou na importação sistemática de
anglicismos, derivados do “baixo” inglês da economia e de Bruxelas.
De qualquer
maneira, a pergunta da PACC em que os professores mais falharam acabou por ser
a seguinte: “O seleccionador nacional convocou 17 jogadores para o próximo jogo
de futebol (para que seria?). Destes 17 jogadores, 6 ficarão no banco como
suplentes. Supondo que o seleccionador pode escolher os seis suplentes sem
qualquer critério que restrinja a sua escolha, poderemos afirmar que o número
de grupos diferentes de jogadores suplentes (é inferior, superior ou igual) ao
número de grupos diferentes de jogadores efectivos.” Excepto se a palavra
“grupo” designar um conceito matemático universalmente conhecido, a pergunta
não faz sentido. Grupos de quê? De jogadores de ataque, de médios, de defesas? Grupos
dos que jogam no estrangeiro e dos que, por acaso, jogam aqui? Não se sabe e não
existe maneira de descobrir ou de responder. O dr. Crato perdeu a cabeça.
Na terceira
pergunta em que os professores mais falharam, o dr. Crato agarrou nas
considerações tristemente acéfalas de um cavalheiro americano sobre “impressão
e fabrico” de livros. Esse cavalheiro pensa que há “livros em que a beleza é um
desiderato” (ou seja, a beleza do objecto) e outros “em que o encanto não é
factor de importância material” (em inglês, “material” não significa o que o
autor da PACC manifestamente julga). E o homenzinho acrescenta pressurosamente:
“Quando tentamos uma classificação, a distinção parece assentar entre uma obra
útil e uma obra de arte literária”. A obra de arte pede beleza ao tipógrafo (ao
tipógrafo?), a obra útil só pede “legibilidade e comodidade de consulta”. Perante
este extraordinário cretinismo, a PACC exige que os professores digam se o
“excerto” “ilustra” os dois termos de uma comparação, o primeiro, o segundo ou
nenhum deles. Uma pessoa pasma como indivíduos com tão pouca educação e tão pouca
inteligência se atrevem a “avaliar” alguém.
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