E por que não tentarmos salvar os
sobreiros?
Se continuarmos como até aqui, o
risco é grande de ainda em vida não conseguir assistir ao triunfo da
investigação e da técnica sobre as doenças mortais que acentuam o declínio dos
montados
Armando Sevinate
Pinto Engenheiro agrónomo (ISA) / 18-1-2015 / PÚBLICO
O alargamento
contínuo das áreas com autênticos mortórios de sobreiros e com povoamentos com
crescentes sintomas de declínio interpela-nos a vários níveis, colocando-nos
questões sérias e exigindo respostas rápidas e eficazes.
Tendo em conta a
progressiva degradação da situação e a óbvia ausência de acções colectivas
eficazes para a contrariar, a questão que se coloca é a de saber quanto tempo
restará de vida aos sobreiros, a nossa árvore nacional.
Quanto às
respostas eficazes, que até agora não aconteceram, o que me faz mais impressão
é o imobilismo e a ausência de tentativas concretas de combate às doenças dos
sobreiros que estejam à altura das circunstâncias.
Incomodam-me
igualmente as reticências que me parecem existir na divulgação pública da
situação concreta dos nossos montados e da sua vitalidade.
Uma vez que já
tenho a certeza que pertenço à geração que irá ver desaparecer as palmeiras,
perdida que me parece estar a guerra contra o escaravelho vermelho que as
devora com uma rapidez impressionante, não gostaria mesmo nada de pertencer à
geração que verá desaparecer os sobreiros. Se isso vier a acontecer, as
consequências serão bem mais graves do que as resultantes do desaparecimento
das palmeiras.
A razão é
simples: os povoamentos de sobreiros e os ecossistemas que lhes estão
associados são, sem sombra de dúvida, um dos mais importantes activos naturais
que possuímos.
Importantes, pela
riqueza que geram: somos o maior produtor mundial de cortiça, uma das mais
polivalentes matériasprimas naturais conhecidas e exportamos anualmente mais de
800 milhões de euros de produtos transformados com valor acrescentado 100%
nacional.
Importantes,
pelos postos de trabalho directos que a sua conservação e exploração justificam
e que ascendem a muitas dezenas de milhares, quer junto à produção, quer em
cerca de 600 empresas de transformação.
Importantes,
porque os povoamentos de sobreiros são os elementos centrais de um dos mais
ricos, complexos, estáveis e multifuncionais ecossistemas das regiões
mediterrânicas pobres, que constituem uma grande parte do nosso território. Temos
mais de 700 mil hectares ocupados com sobreiros, que fixam carbono, protegem e
enriquecem os solos, modulam o clima e abrigam e alimentam ricos habitats de
flora (140 espécies aromáticas, medicinais e melíferas) e fauna silvestre (a
mais rica fauna da Europa, sobretudo de vertebrados de que se conhecem 55
espécies correntes), favorecendo a diversidade biológica.
Contudo, se
continuarmos como até aqui, abandonando programas de defesa da subericultura,
como aconteceu em 2005, e mais inclinados em consagrar recursos à preservação
de espécies com interesse relativo face à enorme importância dos sobreiros, o
risco é grande de ainda em vida não conseguir assistir ao triunfo da investigação
e da técnica sobre as doenças mortais mais importantes que, dia após dia,
acentuam o declínio dos montados.
Sei que há
relativamente pouco tempo, em Julho de 2014, foi subscrito por várias
instituições um protocolo que formaliza a constituição do Centro de
Competências do Sobreiro e da Cortiça, com 15 membros fundadores, entre os
quais várias associações, universidades, além do Ministério da Agricultura e da
Câmara Municipal de Coruche.
Não sei o que vai
dar este protocolo, cujas boas intenções reconheço.
Contudo, gostaria
bastante mais de ver ser posto em prática um programa concreto, com recursos
financeiros e humanos concretos e suficientes para desenvolver uma acção
nacional em larga escala que procedesse à análise sistemática dos solos e do
estado sanitário das árvores e que, sem limitações nem reticências
pseudocientíficas, fosse acompanhado de uma rede alargada de experimentação
sistemática de antídotos relativamente às principais causas de morte que fossem
detectadas (por exemplo, a utilização de fungos antagonistas do género
Trichoderma para combater a fhytophthora).
Incomoda-me
pensar que não existam antídotos para o que está a acontecer.
Incomoda-me
pensar que existem investigadores preparados e interessados, mas com
limitadíssimas condições materiais para desenvolverem acções em larga escala.
De tempos a
tempos, ouve-se falar de produtos e tratamentos que poderiam eventualmente
revelar-se eficazes contra as doenças principais dos sobreiros, mas que não
estão disponíveis para utilização, ou porque ninguém se interessa pela sua
homologação ou porque os interessados se deparam com obstáculos que os conduzem
à desistência.
Ouve-se falar de
práticas agrícolas que potenciam as doenças, mas nada se sabe sobre o seu
desencorajamento público. Se se cortar um sobreiro mesmo em estado de
morbilidade adiantada, corre-se um sério risco de se ser objecto de uma coima
de valor significativo.
Contudo, se não
se cortar nada e se se deixarem morrer centenas ou milhares à vista de todos,
nada acontece, mesmo que os seus esqueletos fiquem no terreno a contaminar os
sobreiros sãos na sua proximidade.
Alguma coisa terá
de ser feita para alterar este estado de coisas. Será impensável continuarmos
como até aqui a fechar os olhos à realidade, como se nada estivesse a
acontecer.
P.S. — Começaram
recentemente a aparecer as novas regras a que devem obedecer os projectos de
investimento agrícolas e agroindustriais que estarão em vigor até 2020 no
quadro do Programa de Desenvolvimento Rural (o novo Proder).
O que se vai
vendo, infelizmente, não é muito encorajador. Foi dada excessiva liberdade ao
funcionamento do complicómetro que habita em cada um de nós e, neste caso, aos
responsáveis pela concepção dessas regras.
Está-se a
regredir, sem explicação razoável, relativamente ao programa anterior e
torna-se vital que os responsáveis tomem disso consciência o mais rapidamente
possível e que se lembrem das consequências resultantes dos primeiros anos de
funcionamento do Proder e das suas regras absurdas que o prejudicaram seriamente.
Sem comentários:
Enviar um comentário