União Europeia quer guardar
registos de todos os passageiros por cinco anos
ALEXANDRE MARTINS
28/01/2015 - PÚBLICO
Plano faz parte do programa de combate ao terrorismo na Europa, mas deve
esbarrar novamente no Parlamento Europeu.
Os governos da
União Europeia (UE) querem receber e guardar durante cinco anos dezenas de
informações pessoais sobre todos os passageiros que viajem de avião, mesmo sem
haver suspeitas de intenção ou prática de atentados terroristas. A proposta
estava parada no Parlamento Europeu, mas foi recuperada com carácter de
urgência após os ataques contra o jornal satírico francês Charlie Hebdo no
início do mês.
Se a proposta for
aprovada, todas as companhias aéreas serão obrigadas a partilhar informações
pessoais dos seus passageiros com as forças policiais e agências de serviços
secretos dos países da UE, que depois poderão trocá-las entre si. A regra será
válida para todos os voos – de e para a UE e entre os países-membros.
Em causa está uma
lista com 42 categorias de informação por cada passageiro, que seria enviada
para um novo departamento a ser criado em cada país, coordenado por uma nova
agência europeia. Para além dos dados biográficos, como nome e data de nascimento,
a lista incluiria também as preferências pela comida a bordo dos aviões – por
exemplo, se o passageiro pediu comida halal (produzida de acordo com as regras
islâmicas).
As informações
sobre os passageiros ficariam guardadas durante cinco anos e sete dias – ao fim
de sete dias, o ficheiro relativo ao passageiro seria
"despersonalizado", ou seja, depositado numa base de dados com a
identidade mascarada, mas ainda assim acessível durante cinco anos, sempre que
as autoridades de um país demonstrem que é essencial para uma investigação.
Esta proposta faz
parte de um pacote mais alargado sobre medidas de combate ao terrorismo,
debatido nesta quarta-feira eentre os deputados europeus e o comissário
responsável pelos Assuntos Internos, o grego Dimitris Avramopoulos. Mas na
reunião informal dos ministros da Justiça e dos Assuntos Internos da UE,
marcada para quinta-feira, em Riga, capital da Letónia, não se esperam
decisões.
Votação em Março
Numa conversa
telefónica com o PÚBLICO, o eurodeputado alemão Jan Philipp Albrecht disse que
a Comissão Europeia ainda não apresentou uma proposta oficial à Comissão de
Liberdades Cívicas do Parlamento Europeu (PE), que é o primeiro passo para que
a proposta de directiva seja votada. O que se sabe, frisou Albrecht, é o que
foi publicado pelo jornal britânico The Guardian, que teve acesso ao documento
antes de ele ser enviado ao PE.
De acordo com o
porta-voz do grupo Verdes/Aliança Livre Europa e vice-presidente da Comissão de
Liberdades Cívicas, o documento oficial deverá chegar ao PE "no início de
Fevereiro", e não é esperada uma votação final antes de Março.
Este calendário
esbarra com a urgência manifestada publicamente por vários líderes europeus
desde os atentados em Paris, mas os maiores obstáculos são a oposição do PE –
que contesta o facto de a recolha de dados não se restringir a suspeitos e a
voos bem definidos – e a decisão do Tribunal Europeu de Justiça sobre retenção
de dados – que exige uma maior protecção dos dados pessoais.
Na prática, esta
nova proposta da Comissão Europeia é uma revisão do documento apresentado em
2011, que foi chumbado na Comissão de Liberdades Cívicas, em 2013, por cinco
votos – 30 contra 25.
Para os membros
da comissão que votaram contra, em causa estava "a proporcionalidade do
esquema proposto pela UE para a recolha, uso e retenção dos dados de
passageiros aéreos (independentemente de serem ou não suspeitos), e a sua
observância com direitos fundamentais, especialmente a protecção de
dados". Já os que votaram a favor "sublinharam o potencial valor
acrescentado para a política de contra-terrorismo da União Europeia, fazendo
notar que um quadro europeu seria melhor do que uma mistura de sistemas
nacionais", como se pode ler num comunicado publicado no site do PE.
Alterações
insuficientes?
A proposta para
uma directiva comunitária sobre registo, partilha e armazenamento dos dados
pessoais de todos os passageiros aéreos foi reformulada, mas ainda assim as
alterações não deverão ser suficientes para convencerem o Parlamento Europeu,
considera Jan Phillip Albrecht. "Se a Comissão apresentar uma proposta que
tenha em conta as preocupações do PE e do Tribunal Europeu de Justiça, então
poderá ser aprovada. Tal como está a ser anunciada, o mais provável é que seja
reprovada de novo", disse ao PÚBLICO.
Na proposta
anterior, os ficheiros relativos a cada passageiro ficariam acessíveis durante
um mês antes de serem "despersonalizados", em vez dos sete dias agora
propostos. Em ambos os casos, a informação ficaria guardada numa base de dados
por cinco anos.
A tensão entre os
governos e o PE é evidente. Um mês antes dos atentados em Paris, o
primeiro-ministro britânico, David Cameron, descreveu os eurodeputados que se
opõem à criação do Registo de Nomes de Passageiros como "francamente
ridículos", acusando-os de porem em perigo a vida de milhões de
passageiros.
Na semana
passada, numa entrevista à CNN, a responsável pela Política Externa da UE,
Federica Mongherini, disse acreditar que os Vinte e Oito vão mesmo adoptar um
sistema semelhante ao que existe nos Estados Unidos. "Embora respeitando a
privacidade, a partilha de informação é crucial, porque estamos numa fase
problemática em que temos de decidir se há confiança mútua, senão vamos ter
sempre deficiências na resposta às ameaças à nossa segurança interna",
disse Mogherini.
A UE já tem
acordos semelhantes com os EUA e com a Austrália, mas um outro acordo com o
Canadá foi remetido pelo PE para apreciação pelo Tribunal Europeu de Justiça.
Os acordos com os EUA e com a Austrália foram assinados em 2012 e 2011, antes
das revelações sobre os programas de espionagem em larga escala pela Agência de
Segurança Nacional norte-americana, em 2013, que acendeu o debate sobre
privacidade.
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