Compra de terreno em Alcântara
para instalar hospital da CUF concretizou-se
INÊS BOAVENTURA
22/01/2015 - PÚBLICO
Uma empresa ligada à José de Mello Saúde adquiriu à Câmara de Lisboa, por
um euro acima do valor base de licitação, o lote na Av. 24 de Julho.
O terreno em
Alcântara que a Câmara de Lisboa levou à praça esta quinta-feira foi arrematado
por uma sociedade por quotas que tem entre os seus gerentes Salvador José de
Mello, presidente do conselho de administração da José de Mello Saúde. Esta
última empresa tem em apreciação no município, desde meados de 2013, um Pedido
de Informação Prévia (PIP) para a construção de um hospital no lote agora
adquirido.
A LBO Land foi a
única concorrente à compra do terreno, que se localiza entre a Avenida 24 de
Julho, a Avenida da Índia e a Rua de Cascais e tem uma dimensão superior a 20
mil m2. O valor base de licitação era de 20,350 milhões de euros, tendo aquela
sociedade (que além de Salvador José de Mello tem entre os seus gerentes cinco
dos oito vogais do conselho de administração da empresa responsável pelos
hospitais CUF) oferecido um euro acima desse montante.
No final da
sessão de hasta pública, o director jurídico da José de Mello Saúde, Rui
Ramalhal, confirmou à Lusa que é intenção do grupo construir uma unidade de
saúde no terreno adquirido e defendeu que “todo o processo decorreu de forma
transparente” .
Não é essa a
opinião do PSD, que em comunicado assinado pelo líder da bancada do partido na
Assembleia Municipal de Lisboa classifica o negócio como "uma farsa"
que "deixa mais uma mancha na gestão da Câmara Municipal de Lisboa". "É
uma situação que nos deixa a todos envergonhados", afirma Sérgio Azevedo,
acrescentando que aquilo que aconteceu esta quinta-feira foi "uma
vergonha", "uma hasta pública encenada, uma venda directa de
património municipal sob a capa de uma hasta pública".
Para a última
reunião da câmara, que se realizou a 14 de Janeiro, chegou a estar agendada uma
proposta que visava “homologar favoravelmente condicionado o pedido de
informação prévia relativo à construção nova de edifício destinado a unidade
hospitalar, com a demolição das construções existentes, a realizar em parcela
propriedade privada do município”. A apreciação do documento, subscrito pelo
vereador Manuel Salgado, acabou por ser adiada.
Na semana
anterior tinha-se realizado, segundo documentação à qual o PÚBLICO teve acesso,
uma reunião “que contou com a presença das equipas do vereador Manuel Salgado,
da DMMT [Direcção Municipal de Mobilidade e Transportes] e dos proponentes”, na
qual “foram discutidos vários cenários por forma a identificar soluções que
possam criar condições para uma possível viabilização do projecto” apresentado
pela José de Mello Saúde. No fim desse encontro concluiu-se que o licenciamento
podia avançar tendo como condicionante a verificação de um conjunto de
“condições de segurança, adequação e funcionalidade da circulação viária”.
Essa reunião
ocorreu depois de o Departamento de Gestão de Mobilidade e Tráfego da câmara
ter defendido, em Julho de 2014, que “a diminuição da rede viária” prevista no
Plano de Urbanização de Alcântara (PUA) “não é compatível com a implementação
de equipamentos que exigem o reforço dessa mesma rede”, como é o caso de um
hospital.
Como o PÚBLICO já
noticiou, está em causa, de acordo com informação constante do estudo de
tráfego entregue à autarquia, a construção de “um equipamento hospitalar de
média dimensão”, com “capacidade prevista máxima de 220 camas, 75 gabinetes de
consultas e um serviço de urgência”. Este projecto, a cargo do arquitecto
Frederico Valsassina, desenvolve-se em quatro volumes, com seis pisos acima do
solo e três pisos subterrâneos, e inclui 650 lugares de estacionamento.
Também
arrematadas na hasta pública desta quinta-feira, por diferentes empresas, foram
nove fracções para estacionamento num parque subterrâneo no Largo da Boa Hora,
cuja venda rendeu ao município um total de 213.800 euros. Já os dois prédios na
freguesia de Santa Maria Maior que também foram levados à praça não tiveram
qualquer licitação.
PSD condena hasta pública
“encenada” para venda de terreno em Alcântara
INÊS BOAVENTURA
22/01/2015 - PÚBLICO
O chamado “triângulo dourado” vai à praça esta quinta-feira. O PCP quer
respostas sobre as 330 pessoas que lá trabalham.
A Câmara de
Lisboa vai tentar vender esta quinta-feira, por 20,350 milhões de euros, um
terreno em Alcântara para o qual existe um Pedido de Informação Prévia (PIP)
com vista à instalação de um hospital privado. O PSD acusa o município de estar
a promover uma hasta pública “encenada” e de ter prestado “informação
privilegiada” ao requerente durante mais de um ano.
Estas acusações
são feitas por Margarida Saavedra, a deputada da Assembleia Municipal de Lisboa
que, no passado mês de Dezembro, quando este órgão autárquico se pronunciou
sobre a hasta pública, confrontou o vereador do Urbanismo com a existência de
um PIP para o terreno conhecido como “triângulo dourado”. Depois de alguma
insistência, Manuel Salgado acabou por admitir que sim, mas desvalorizou o
procedimento, desencadeado em Maio de 2013, pela José de Mello Saúde.
“Qualquer pessoa
pode concorrer. Ninguém sabe se aparece um, dois ou quatro interessados”,
acrescentou na altura o vereador do PS, recusando a ideia de que estivesse em
curso “uma venda directa”, como a classificou o deputado social-democrata
Victor Gonçalves.
As respostas
dadas pelo executivo camarário não convencem Margarida Saavedra, que não hesita
em dizer que a hasta pública que se vai realizar esta quinta-feira é
“encenada”. “Ficaria muito surpreendida se, de modo directo ou indirecto, o
Grupo Mello não ficasse com o terreno”, afirmou a arquitecta em declarações ao
PÚBLICO, acrescentando que teria “imenso gosto em estar enganada”.
A autarca
social-democrata reconhece que esta “história no mínimo insólita” lhe “faz
lembrar uma outra”, a do terreno que foi vendido pela câmara à Espírito Santo
Saúde para ampliação do Hospital da Luz (terreno onde está o quartel dos
sapadores bombeiros, junto ao hospital). Mas, no caso de Alcântara, sublinha,
há “uma agravante”, que é o facto de o Departamento de Gestão de Mobilidade e
Tráfego da câmara ter concluído, como o PÚBLICO noticiou, que “a diminuição da
rede viária” prevista no Plano de Urbanização de Alcântara (PUA) “não é
compatível com a implementação de equipamentos que exigem o reforço dessa mesma
rede”.
Ora, se o
projecto do Grupo Mello é considerado incompatível com o instrumento de gestão
territorial eficaz para esta zona da cidade, Margarida Saavedra só vê duas
hipóteses: ou o PIP que prevê a construção de um hospital é chumbado ou o PUA é
alterado. A esse respeito, a deputada do PSD lembra que esse plano, que “teve
custos e levou dez anos a fazer”, foi aprovado pela assembleia municipal apenas
em Dezembro passado. E acrescenta que “devem ser os PIP que se adaptam aos
planos e não o contrário”.
Ao já extenso rol
de críticas à forma como este processo tem vindo a desenrolar-se, a arquitecta
acrescenta uma outra. Atendendo a que o processo (do PIP) entrado na câmara em
Maio de 2013 foi avançando e teve informações dos serviços “de acordo com um
plano [o PUA] que ainda não estava aprovado e que poderia ter sofrido
alterações”, Margarida Saavedra considera que o município deu à José de Mello
Saúde “informação privilegiada”.
“O Grupo Mello
tem vários meses de antecedência em relação a qualquer outro concorrente”,
constata a deputada municipal, admitindo que essa circunstância “provavelmente
afastará outros concorrentes” da hasta pública. O que, alerta, poderá
representar um prejuízo para o erário público, na medida em que a existência de
apenas um interessado na compra do terreno impedirá a sua valorização.
O PCP também
“regista” o “interesse” do Grupo Mello no chamado “triângulo dourado”, mas é no
futuro dos cerca de 330 trabalhadores do município que ali desempenham a sua
actividade que concentra a sua atenção. Na segunda-feira, o vereador João
Ferreira visitou o espaço, falou com funcionários de diferentes serviços e
concluiu que “há um conjunto de inquietações muito grandes”.
Uma delas,
explica o autarca ao PÚBLICO, é a indefinição sobre o local para onde serão
transferidos esses funcionários e sobre a data em que essa transferência terá
lugar. “Não se sabe nada”, lamenta João Ferreira, criticando que o município
presidido por António Costa não tenha “envolvido e auscultado” os trabalhadores
neste processo. Algo que, em seu entender, denota “uma falta de respeito” por
eles e “a ausência de uma visão sobre o futuro dos serviços municipais”.
A esse respeito,
o autarca explica que, na visita que realizou, foram várias as vozes de
preocupação com o futuro dos serviços municipais que hoje estão instalados em
Alcântara, como aos da iluminação pública e dos espaços verdes. Para tal
contribuem não só “as especificidades” de alguns desses serviços (para os quais
a “centralidade” que oferece Alcântara é importante na “rapidez e eficácia de
resposta”), mas também a recente descentralização de competências para as
freguesias (que fez diminuir o volume de trabalho de alguns serviços) e a
anunciada reestruturação interna da câmara.
Além do terreno
em Alcântara, na hasta pública que se realiza esta quinta-feira o município vai
tentar vender nove fracções para estacionamento no Largo da Boa Hora (cada uma
das quais com uma base de licitação de 23 mil euros), um prédio na Rua de São
Miguel (com uma base de licitação de 286,5 mil euros) e outro no Largo de
Rodrigo de Freitas (com uma base de licitação de 145 mil euros). Contas feitas,
a câmara espera amealhar quase 21 milhões de euros com estas alienações.
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