BCE discute compra de 50 mil
milhões de dívida por mês
SÉRGIO ANÍBAL
21/01/2015 - PÚBLICO
Proposta foi feita pelo conselho executivo do banco central aos
governadores e será discutida nesta quinta-feira.
O Banco Central
Europeu (BCE) está a ponderar uma compra de títulos de dívida pública maior do
que era até agora antecipada pelos mercados, numa tentativa ambiciosa de
contrariar os riscos de recessão e deflação que se vivem actualmente na zona
euro.
De acordo com o
The Wall Street Journal e com a Bloomberg, o conselho executivo do BCE (do qual
fazem parte seis dos 25 membros do conselho de governadores, incluindo o
presidente e o vice-presidente) está a propor aos restantes governadores que o
banco central comece a partir do próximo mês de Março a comprar dívida pública
ao ritmo de 50 mil milhões de euros por mês. A informação, diz a Bloomberg, foi
fornecida por dois membros de bancos centrais da zona euro que não são
identificados.
As compras
decorreriam pelo mínimo de um ano e possivelmente até ao final de 2016. No
total, a injecção de dinheiro na economia poderia ascender aos 1,2 biliões de
euros.
Este número fica
acima das expectativas gerais dos analistas, que têm vindo a apontar para uma
intervenção do BCE situada entre 500 e 750 mil milhões de euros.
A proposta será
agora discutida entre os 25 membros do conselho de governadores e a decisão
será divulgada nesta quinta-feira ao início da tarde, através de uma
conferência de imprensa do presidente do BCE, Mario Draghi.
Não foram dadas
para já informações adicionais sobre qual é a proposta do conselho executivo
para o tipo de títulos de dívida que irão ser comprados, nem sobre se será o
BCE ou os bancos centrais nacionais que irão proceder à compra. Nas últimas
semanas, foi noticiado que em cima da mesa das negociações estava um programa
de compra de títulos em que o risco era assumido pelos bancos centrais
nacionais, o que, a confirmar-se, constitui uma cedência face às preocupações
reveladas pelos representantes alemães no BCE.
Terá sido ainda
colocada a hipótese de as compras serem apenas de títulos com rating AAA, o que
deixaria de fora os títulos dos países periféricos como Portugal.
O presidente do
BCE, Jens Weidmann tem defendido que o risco fique nos bancos centrais
nacionais
Afinal quem é que fica com o
risco?
SÉRGIO ANÍBAL
22/01/2015 - PÚBLICO
Cedência face aos alemães pode retirar eficácia à acção do BCE, avisam
economistas.
É uma das dúvidas
que subsistem em relação ao que o BCE irá anunciar nesta quinta-feira depois da
reunião do conselho de governadores: quem é que irá comprar a dívida pública, o
próprio BCE ou os 19 bancos centrais nacionais?
A grande diferença
entre as duas opções é que, se for o BCE a comprar, o risco da compra de dívida
é repartido por todos os Estados-membros de acordo com a sua quota no
eurosistema (Portugal, por exemplo, tem 1,7434%). Se forem os bancos centrais
nacionais a fazerem as compras, cada um assume o risco associado às compras dos
títulos de dívida pública que efectuou, previsivelmente do seu próprio país.
Assim, na
eventualidade futura de o Estado português entrar em incumprimento, a diferença
entre os dois cenários é que, no primeiro, todos os países do euro acabariam
por partilhar a factura e, no segundo, seria o Banco de Portugal a ter de
assumir as perdas, que depois poderiam forçar o próprio Estado a ter de
recapitalizar a instituição.
De acordo com as
informações avançadas por diversos jornais, o mais provável é o BCE optar por
uma solução mista, em que parte do risco é assumido pelo BCE e a outra parte
pelos bancos centrais nacionais.
O que não há
dúvida é que tem sido um dos grandes temas em debate dentro do BCE na definição
do programa de compra de dívida. Um dos lados da discussão é claramente
liderado pelos representantes alemães no banco central. A Alemanha tem
defendido que não se pode dar um sinal aos países com dificuldades orçamentais
que podem deixar de se preocupar em resolvê-las e tem o receio de que venha a
ser chamada a pagar uma factura elevada no caso de um default num país da
periferia europeia.
Mario Draghi, que
consegue ter uma maioria dentro do conselho de governadores, pode aproveitar
esta questão para ir ao encontro das preocupações alemãs e conseguir o apoio da
maior economia da zona euro ao seu programa de compra de dívida pública. O
presidente do BCE gostaria, desta vez, de poder anunciar que a medida tinha
sido adoptada por unanimidade.
O problema é que,
principalmente nos países periféricos, esta cedência à Alemanha é vista como
uma quebra dos princípios da política monetária na zona euro, em que é suposto
os riscos serem partilhados.
O ex-governador
do Banco Central de Chipre deu esta semana uma voz a esse descontentamento..
Athanasios Orphanides, que é também um economista conceituado, disse mesmo que
esta forma de actuar, a confirmar-se, pode ser até ilegal.
“É como se fosse
aceite que o modus operandi na zona euro é o de clarificar as coisas com a
Alemanha, com o BCE a limitar as suas acções ao que é melhor para a Alemanha.
Esta não é a melhor política para a zona euro e não iria promover uma política
monetária única”, afirmou em declarações ao Financial Times.
Vários analistas
defendem que a entrega – total ou parcial - do risco aos bancos centrais
nacionais pode retirar eficácia à política do BCE e tornar mais difícil a
concretização dos objectivos de subida da inflação. Guntram Wolff, o presidente
do think tank europeu Bruegel, defendeu recentemente que uma opção deste tipo
por parte do BCE é “impossível e perigosa”.
O economista
alemão diz que, na prática, ao transferir o risco para os bancos centrais
nacionais, o BCE acaba por fazer dos investidores credores juniores junto dos Governos.
Um Estado não vai querer entrar em incumprimento junto do seu banco central
porque sabe que terá de acabar por assumir as perdas, sobrecarregando por isso
os outros investidores.
Perante este
cenário, os investidores podem responder exigindo taxas de juro mais altas aos
Estados, especialmente aos periféricos, o que significaria que a compra de
títulos de dívida do BCE seria bastante menos eficaz do que se fosse feita pelo
eurosistema, através de uma repartição do risco assumido por todos os países.
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