“Somos tod@s gregos” – Take II
São José Almeida
31/01/2015 - PÚBLICO
Se se atiram as pessoas
para fora do sistema, é normal que elas respondam votando contra o sistema.
“Sem essas regras a
Europa desintegra-se. Não é possível que um país, por exemplo, não queira
assumir os seus compromissos, não pagar as suas dívidas, querer aumentar os
salários, baixar os impostos e ainda ter a obrigação de nos seus parceiros
garantir o financiamento sem contrapartidas. Isto não existe. Ora, isto é um
conto de crianças. Isto não existe.” Passos Coelho 26.01.2015
De todas as declarações
mais ou menos infelizes que Pedro Passos Coelho fez como primeiro-ministro, a
reacção que teve à vitória do Syriza é profundamente lamentável. E não é
lamentável apenas porque mostra que o primeiro-ministro português é capaz de
manipular o que são as linhas programáticas de governação de um partido que
acaba de ser eleito democraticamente, procurando ridiculariza-las ao nível de
caricatura. É sobretudo lamentável porque as declarações de Passos Coelho
mostram o quanto o primeiro-ministro finge que não percebeu o que se está a
passar com a União Europeia ou pior ainda, não percebeu mesmo os riscos que
realmente correm a própria União Europeia e as pessoas que moram nos países que
a constituem.
Como resposta à
insensibilidade política e ao cinismo que demonstra a declaração de Passos
Coelho só é possível reafirmar que “Somos tod@s gregos”, frase que foi bastante
usada em Portugal em 2011, quando o país começou a ser intervencionado pela
troika de credores e que usei então como título de uma destas crónicas (PÚBLICO
16.07.2011). A reafirmação desta frase agora não é só uma declaração de
princípio e nada tem a ver com uma balofa prosápia retórica. É a realidade da
União Europeia hoje, tal como era antes. Qualquer solução, qualquer saída que
venha a ser encontrada para a Grécia irá reflectir-se em toda a União Europeia.
A escolha eleitoral dos
gregos e a decisão de optarem democraticamente por um partido tido como
antisistema - e que é assumidamente contra as políticas de orientação
neoliberal - é legítima, tal como seria legítima a vitória de qualquer outro
partido na Grécia, como é legítimo o Governo de Passos Coelho em Portugal ou o
Governo alemão de Angela Merkel. As orientações programáticas de governação do
Syriza são tão legais e legítimas como as de qualquer outro Governo saído de
eleições. E as prioridades e apostas do primeiro-ministro, Alexis Tsipras, têm
o respaldo de uma maioria quase absoluta, bem como a sustentação de uma
coligação pós eleitoral, tão legítima como aquela que governa Portugal há mais
de três anos.
Daí que, em vez de estar
a tentar ridicularizar as propostas do novo Governo grego, Passos Coelho
deveria ter a preocupação de tomar posições públicas menos agressivas para com
um Governo eleito de um Estado-membro. Ou aproveitar os microfones da
comunicação social para alertar as pessoas para os riscos que se correm neste
momento a nível da União Europeia no seu conjunto caso não haja uma saída digna
para o problema da Grécia. Qualquer criança percebe – e nem sequer é preciso
contar-lhe um conto – que se chegou ao limite do que tem sido a estigmatização
e a humilhação dos gregos dentro da União Europeia.
E que o problema não se
resolve aconselhando os gregos a vender ilhas ou monumentos. Nem aplicando
programas de austeridade, como foi feito desde 2010, que obrigaram a contração
da economia em 25%, ao crescimento do desemprego até 26%, 60% entre a
juventude, e ao aumento da dívida pública até 177%, mesmo depois de duas
reestruturações. Assim como não é digno, numa União Europeia que se diz
democrática e respeitadora de direitos humanos, que os desempregados sejam
empurrados para níveis de pobreza e de qualidade de vida próprios de Estados
quase pré-modernos, sem sequer terem direito a assistência hospitalar. Repito:
há limites para a humilhação das pessoas. Até porque se se atiram as pessoas
para fora do sistema, é normal que elas respondam votando contra o sistema.
Passos Coelho deveria ter
em atenção os reais riscos que a União Europeia corre. E esses riscos são
fáceis de perceber até por uma criança. A saber: Se o braço-de-ferro do diktat
de Angela Merkel e dos seus seguidores se mantiver e não for encontrada uma
forma de negociar as dividas públicas e de racionalizar as receitas de
austeridade, o risco não é só o das possíveis consequências da saída da Grécia
do euro ou da própria União Europeia. O risco é o do fim da própria União
Europeia e até da democracia tal como a conhecemos hoje. Quem irá ganhar as
eleições na Grécia se o Syriza fracassar? E em Espanha? E em França? E o que
fará a Grã-Bertanha? Que Europa se deita fora no facilitismo jocoso de humilhar
a Grécia?
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