Alex Tsipras escolhe Governo para
enfrentar troika
JOÃO MANUEL ROCHA
27/01/2015 - PÚBLICO
Parte dos governantes fez juramento religioso, a outra, juramento civil.
Merkel já deu os parabéns a Tsipras.
Com pastas-chave
nas mãos de economistas, mais pequeno do que o anterior, com alguns
superministérios resultantes de fusões, o novo Governo grego tomou esta
terça-feira posse. É um executivo que reúne elementos considerados da ala mais
radical do Syriza com outros tidos como moderados e pragmáticos. Uma das
medidas que já anunciou foi a suspensão da venda de 67% do histórico porto do
Pireu.
O
processo-relâmpago de formação do Governo foi fechado em menos de 48 horas após
o encerramento das urnas. A posse foi marcada por uma originalidade: uma parte
dos membros fez juramento religioso; a outra, juramento civil, tal como o chefe
do Governo, na véspera.
A equipa de Alex
Tsipras tem 40 membros, soma de 13 ministros – contra 20 no executivo anterior
– vice-ministros e secretários de Estado. Mulheres são sete. Fazem parte do
Governo economistas, universitários, advogados, professores e alguns
ex-jornalistas.
Nas Finanças
confirmou-se um nome que já circulava: Yanis Varoufakis, professor de Economia,
crítico da “dívida odiosa” e partidário do “fim das medidas de austeridade”.
Será o responsável pelas negociações com as instituições europeias, num
processo coordenado pelo número dois do Governo, o vice-primeiro-ministro,
Yiannis Dragasakis.
Economista,
quadro do partido, Dragasakis é visto como moderado. Adepto da reestruturação da
dívida, defende a reforma do Estado. “As nossas prioridades são a luta contra a
exclusão social e a crise humanitária”, disse. Outro peso pesado é o também
economista Georges Stathakis, professor na Universidade de Creta, que fica com
o super-ministério da Economia, Infraestruturas, Marinha Mercante e Turismo.
Os Negócios
Estrangeiros estão a cargo de Nikos Kotzias, professor de Teoria Política na
Universidade do Pireu, antigo conselheiro do ex-primeiro ministro George
Papandreou – tal como o novo ministro das Finanças. Kotzias será o primeiro dos
novos governantes a encontrar-se com os parceiros europeus: viaja esta
quinta-feira para Bruxelas para uma reunião de ministros.
Panos Kammenos,
líder dos Gregos Independentes, partido conservador e nacionalista, parceiro
governamental do Syriza, que chegou a usar nos corredores do Parlamento uma
T-shirt em que se podia ler “A Grécia não está à venda”, é o ministro da
Defesa. Kammenos é o único que é ministro mas o partido, uma dissidência da
Nova Democracia, tem outros quatro lugares no Governo.
Críticas da
oposição
A Nova
Democracia, que liderava o anterior executivo, criticou a equipa de Tsipras e
manifestou-se preocupada com a nomeação para postos chave de quem “expressou
perigosos pontos de vista sobre assuntos como crescimento, privatizações,
investimentos, restauração de legislação de asilo e abertura de fronteiras”. O
Rio (To Potami), que era dado como o previsível parceiro do Syriza, considera
que a aliança “sem princípios” entre os dois partidos agora no Governo levou à
formação de um “mau gabinete”, com “algumas excepções”, e acusa Tsipras de ter
feito uma partilha de lugares com base na “velha receita partidária”, dando
cargos a antigos governantes da Nova Democracia e a “empregados partidários
incompetentes”.
Considerada uma
aliança “contra-natura” por analistas, o novo executivo reúne dois partidos
muito distantes noutras matérias mas com posições comuns anti-troika, o que dá
força à imagem de um Governo combativo nas difíceis negociações com os
dirigentes europeus – a União Europeia e o FMI emprestaram à Grécia 240 mil
milhões de euros desde 2010, exigindo em contrapartida reformas estruturais e
rigor orçamental.
O “cimento” da
coligação é a prioridade comum atribuída à reestruturação da dívida. O jornal
Ekathimerini escreveu que os Gregos Independentes concordaram apoiar as
políticas económicas do Syriza desde que este deixasse na gaveta questões
importantes para os nacionalistas, como um eventual acordo com a Macedónia no
diferendo entre os dois países sobre o nome da antiga república jugoslava e a
intenção de separar Estado e Igreja Ortodoxa.
O programa
económico do Syriza prevê a aplicação de 1200 milhões de euros em medidas de luta
contra a exclusão social, que atenuem o impacto de seis anos de austeridade no
dia-a-dia dos gregos: 30% da população sem segurança social, 25% no desemprego.
Entre essas
medidas estão a reposição em 751 euros do salário mínimo, que em 2012 baixou
para 580, por imposição da troika. Essa deverá ser, além da suspensão da venda
da maioria do capital do porto do Pireu - anunciada esta terça-feira à Reuters
pelo vice-ministro Thodoris Dritsas –
uma das primeiras medidas do Governo, segundo o Ekathimerini. O novo
ministro das Finanças anunciou também ao jornal Ta Nea leis anti-corrupção.
Merkel deseja
“força e sucesso”
As intenções do
novo Governo com implicações financeiras preocupam os defensores do rigor
orçamental, sobretudo na Alemanha. A chanceler Angela Merkel ainda não se
pronunciou directamente sobre o quadro criado pela vitória do Syriza. Ao
felicitar Tsipras, esta terça-feira, desejou-lhe “muita força e sucesso”.
“Felicito-o pela sua nomeação como primeiro-ministro da República Helénica.
Assume funções num período difícil, durante o qual vai ser confrontado com uma
grande responsabilidade”, escreveu, num telegrama cujo conteúdo foi divulgado
pela chancelaria.
“Espero que a
colaboração consigo possa reforçar e aprofundar a amizade entre os nossos
povos, tradicionalmente boa e profunda”, diz também Merkel, antes de concluir
com os votos de “força e sucesso”.
Ao contrário de
outros líderes europeus, caso do francês François Hollande, que deu os parabéns
a Tsipras na noite de domingo, e o convidou a ir “rapidamente” a Paris, Merkel
prolongou o silêncio e “como é habitual”, segundo o seu porta-voz, Steffen
Seibert, esperou pela nomeação como primeiro-ministro para lhe enviar o
tradicional telegrama de felicitações.
A estratégia do
Governo Syriza passará por encontrar apoios entre os parceiros europeus. Em
mente terá precisamente a França – que aspira a um maior protagonismo na cena
europeia – e a Itália. Embora não lhes sejam conhecidas declarações de apoio a
um perdão de dívida, dirigentes destes países vêm defendendo um aligeiramento
das regras do Pacto de Estabilidade e políticas de crescimento, dentro das
regras europeias.
Na quinta-feira
desloca-se a Atenas o presidente do Parlamento Europeu, o socialista alemão
Martin Schulz, que já destacou a importância de “respeitar os acordos”
assumidos pela Grécia. Para o dia seguinte está agendada a visita do presidente
Eurogrupo, Jeron Dijsselbloem, que deverá encontrar-se com Tsipras e com o
ministro das Finanças para se “conhecerem”, disse à AFP um porta-voz do
Eurogrupo. O responsável político pela zona euro falou na segunda-feira ao
telefone com o anunciado ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, e, embora não
tenha alterado o guião e insistisse na necessidade de “respeitar os acordos”
declarou que as negociações com Atenas terão como ponto de partida a “ambição
comum” de a Grécia continuar na moeda única.
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