Gozar é que não, por favor
por PEDRO MARQUES
LOPES / DN online / 25-1-2015
1. Na próxima
segunda-feira, Angela Merkel vai homenagear o seu fiel escudeiro: Durão
Barroso. Ninguém levantaria o sobrolho se daqui a uns tempos Passos Coelho
fosse alvo de um agradecimento público alemão similar. Temos assim que um dos
países mais prejudicados pela solução alemã para a crise tem dois dos seus mais
proeminentes cidadãos como maiores defensores dessa mesma solução.
Não duvido das
boas intenções de Passos Coelho ou de Durão Barroso (deste senhor com algum
custo, porém), mas que foram delegados de interesses que vieram a revelar-se
profundamente nefastos para o seu país não restam dúvidas.
E não foi por
qualquer tipo de convicção político-ideológica que estes dois cavalheiros
embarcaram na nau alemã. O caminho que até agora foi prosseguido não teve
origem em qualquer tipo de pensamento de centro-direita ou, sequer, aparentado
- basta ver que a coligação que governa a Alemanha junta o centro-esquerda e o
centro-direita -, era, e ainda é, uma política que servia os interesses da
Alemanha, baseada em receios alemães - a célebre hiperinflação pré-guerra -,
originada em argumentos morais, como a suposta preguiça das comunidades do Sul.
Rigorosamente nada que ver com opções de direita ou esquerda.
O plano Draghi
está longe de garantir o fim da crise no espaço europeu, vem com muito atraso e
ainda falta saber se veio a tempo de evitar a deflação e garantir um ainda
maior agravamento do estado da economia, mas é uma inversão no caminho até
agora seguido. É preciso que o dinheiro chegue à economia, que o investimento -
privado e público - recupere, que o consumo aumente e que termine, por exemplo,
a asfixia fiscal. E é bom que ninguém esqueça: se não houver, no caso
português, e outros, uma renegociação séria da dívida, o plano terá um alcance
muito limitado.
A anterior
receita falhou e, mesmo a nova resultando, as consequências do que tivemos nos
últimos anos perdurarão por muito tempo. A destruição foi brutal. Faliram-se
setores inteiros da economia, atingiu-se um nível de desemprego chocante, os
empregos criados são pagos miseravelmente, emigrou quase 8% da nossa população
ativa, os serviços públicos estão em risco iminente de colapso, o investimento
desapareceu, passámos a suportar a segunda maior carga fiscal da Europa - o
maior crescimento de impostos de sempre -, diminuiu-se dramaticamente os
padrões de vida da classe média ou, talvez melhor, quase se acabou com esse
estrato socioeconómico que é a base de qualquer democracia.
Para quê? O que
mudou para melhor na nossa comunidade? É verdade, as exportações melhoraram, o
turismo cresceu. E essas evidentes melhorias foram consequência de alguma
reforma estrutural, de alguma mudança de paradigma, de algo associado à
política prosseguida? Claro que não. E mesmo que tivessem sido, o balanço era
dramaticamente negativo e isso nem carece de explicação.
É aflitivo ouvir
falar da necessidade de não parar as constantemente cantadas reformas
estruturais. Mas quais? A produtividade aumentou? As empresas estão mais
capitalizadas, têm menos barreiras burocráticas? O nosso nível de habilitações
está a crescer? As instituições estão mais fortes? A desigualdade diminuiu? A
nossa Justiça está melhor? A nacionalização de parte da economia pelo Estado
chinês é algo de benéfico?
Não, não é
possível perdoar toda a destruição. Não é possível encarar quem impôs esta
política e , sobretudo quem a apoiou, a aplaudiu de pé e até quis ir além dela.
Não é possível aceitar que, pronto, "desculpem lá," houve um engano. Mas
o que não é mesmo suportável, o que ofende, é dizer que se acha muito bem este
novo caminho na política europeia. O primeiro-ministro não pode dizer com toda
a calma que a "decisão é bem-vinda", que nunca disse o contrário. É
mentira, é uma redonda e vergonhosa mentira. Então não foram este tipo de
medidas que levaram à guerra? Que "se o BCE tivesse por função resolver o
problema, imprimindo mais euros, seria um péssimo sinal que nós daríamos a toda
a gente"? Que o BCE não podia tomar estas medidas?
Um bocadinho de
vergonha, por favor. Tratou-nos mal, senhor primeiro-ministro, enganou-se e fez
muito mal ao país, mas, ao menos, não nos goze.
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