Há seis meses ninguém acreditaria
TERESA DE SOUSA
25/01/2015 - PÚBLICO
Provavelmente, o pior que poderia acontecer ao Syriza era ganhar com
maioria absoluta. Precisa de um aliado que justifique algumas cedências que vai
ter de fazer em Bruxelas.
Pela primeira vez
na história da União Europeia, uma força política de protesto passa
directamente e em meia dúzia de meses do extremo radical em que se situava para
a chefia do governo. A partir daqui, tudo é possível. Para Grécia e para a
Europa e os seus líderes.
É verdade que há
um rol infindo de razões para a vitória do Syriza. Raramente se viu nos tempos
actuais um país (que é uma democracia europeia) sofrer uma contracção do PIB da
ordem dos 25% em quatro anos. Isso explica que haja um desemprego de 25% (quase
60% nos jovens), que as redes sociais tenham aberto gigantescos buracos através
dos quais as pessoas ficam sem qualquer apoio social, e uma dívida colossal que
muitos economistas admitem não ser pagável tal como está. A instabilidade
política também não ajudou. As reformas foram incipientes e havia muitas a
fazer. Ainda hoje o sistema tributário grego tem as portas escancaradas para
quem quer fugir ao fisco. Os governos que geriram a crise recorreram aos cortes
cegos no Estado e na segurança social para cumprir as metas do défice impostas
por dois resgates no valor de 240 mil milhões de euros concedidos pela União
Europeia e o FMI.
É nesta paisagem
política e social destroçada que a vitória do Syriza se explica. Quem votou
nele não foram apenas os radicais que constituíam o núcleo duro desta coligação
de comunistas, trotskistas, maoístas, antiglobalização. Foram pessoas sem
grandes ilusões sobre o futuro que acharam que já não tinham nada a perder. O
provável primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, tratou de capitalizar
este descontentamento generalizado moderando o seu discurso e as suas promessas
políticas. Fez profissão de fé no euro e na permanência da Grécia na Europa. Afirmou-se
disposto a negociar com Bruxelas uma revisão do programa de ajustamento. Antes
prometia rasgá-lo. Mas não deixou de dizer que a austeridade vai acabar, sem
especificar exactamente como, e que a dívida é para negociar com os credores.
A sua margem de
vitória é impressionante. Mas, provavelmente o pior que lhe poderia acontecer
era ganhar por maioria absoluta. Precisa de um aliado que justifique algumas
cedências que vai ter de fazer em Bruxelas. Um dos mais prováveis parceiros de
governo, o novo partido O Rio, de centro-esquerda, já disse que apenas fará uma
coligação caso o Syriza lhe dê as garantias suficientes de que não fará nada
que ponha em causa a permanência da Grécia no euro.
A segunda lição
que é preciso tirar das eleições gregas é que em Berlim ou em Bruxelas ninguém
se deu ao trabalho de pensar cinco minutos nas consequências políticas da
austeridade punitiva imposta a qualquer custo, que a Alemanha decidiu adoptar
para resolver a crise do euro à sua maneira. Nas eleições europeias de Maio,
bastava prestar alguma atenção aos resultados para perceber que essas
consequências acabariam por chegar. A Grécia é o primeiro país onde a paisagem
política sofre uma mudança radical. Pode acontecer noutros países. O Podemos
aqui ao lado, em Espanha, ganha uma nova alma.
A culpa não é só
da Alemanha, bem entendido. É de uma classe política grega descredibilizada
pela corrupção e pelo clientelismo que, nos bons anos, dividiu o Estado entre
si. Mas é em Berlim que vai estar a decisão final sobre o destino da Grécia. Merkel
mandou dizer por vias travessas que a zona euro estava hoje melhor preparada
para gerir a saída da Grécia do euro. Depois recuou, mas não nas condições da
sua permanência. O ministro das Finanças francês, Michel Sapin, já disse que
vai ser preciso encontrar uma forma de ajudar os gregos quanto à dívida e à
austeridade. Mas a França não pode ceder demasiado, sob pena de alimentar a sua
própria esquerda radical. Mais interessante ainda, o primeiro-ministro
finlandês falou no mesmo sentido.
Há vários cenários
possíveis em cima da mesa. Que a saída será uma catástrofe para a Grécia e para
a Europa; que a saída seria gerivel pelas duas partes. Há contas feitas para as
duas possibilidades. Na verdade, ninguém sabe ao certo o que aconteceria. Nem
ninguém pode apostar na reacção dos mercados. Os próximos dias serão cruciais. Mas
há uma quase certeza: sem o apoio do BCE na compra de títulos e nos empréstimos
aos bancos, sem a última tranche do empréstimo da troika, com uma taxa de juro
ainda muito elevada em comparação com as que pagam hoje quase todos os
parceiros europeus, a Grécia tem de medir muito bem aquilo que vai fazer.
Merkel, se ceder
alguma coisa, será no último momento e pelo melhor preço. São legítimas as
dúvidas sobre o que farão os parlamentos nacionais, se lhes for pedido mais
dinheiro para a Grécia e menos reembolsos dos empréstimos. O futuro é ainda uma
carta fechada. Porque na Europa as democracias são livres de escolherem o que
querem para si, mas não podem esquecer-se que aceitaram partilhar a sua
soberania, o que exige compromissos e responsabilidade.
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