Valls anuncia "medidas
excepcionais" contra o jihadismo e radicalismo
RITA SIZA
13/01/2015 - PÚBLICO
Primeiro-ministro diz que não se trata do regime de excepção reclamado pela
bancada da UMP no parlamento.
O
primeiro-ministro francês, Manuel Valls, apresentou à Assembleia Nacional as
medidas para combater “o jihadismo e o radicalismo” e responder às ameaças dos
“grupos terroristas que se organizam” para atacar a república. São “medidas
excepcionais”, reconheceu, mas não de excepção, distinguiu o primeiro-ministro,
um dia depois de recusar a aprovação de um Patriot Act à francesa. “Não
adoptaremos, jamais, medidas que estejam em desacordo com os princípios da lei
e com os valores da nossa democracia ou que ponham em causa o Estado de
Direito”, frisou.
As iniciativas
propostas pelo Governo vão no sentido de impedir que actos terroristas como o
ataque ao jornal satírico Charlie Hebdo – que lança esta quarta-feira uma edição
especial, com uma tiragem histórica de três milhões de exemplares –, o assalto
mortal a uma agente da polícia na rua ou o sequestro à mercearia de produtos
kosher Hyper Cacher possam voltar a acontecer. Para tal, o executivo propõe o
reforço da vigilância de indivíduos suspeitos, acusados e detidos por crimes de
terrorismo, e outros que as autoridades considerem um “risco” para a segurança
nacional.
Assim, aqueles
que estejam no sistema prisional e sejam classificados como “radicalizados”
terão um novo regime de isolamento em alas especiais dentro das cadeias, que
para o coordenador europeu da luta contra o terrorismo, Gilles de Kerchove, têm
funcionado como “incubadoras de jihadistas”. A medida, que está a ser
experimentada desde Novembro numa prisão da região de Paris, será alargada a
toda a França.
Em relação aos
indivíduos em liberdade, Manuel Valls fez referência à criação de um “arquivo”
de recenseamento de pessoas que tenham integrado grupos de combate ou sido
condenadas por terrorismo, e que serão obrigadas a declarar o domicílio e a
submeter-se ao controlo das autoridades. As “condições jurídicas” para o
estabelecimento deste novo arquivo serão definidas pela ministra da Justiça,
Christine Taubira, e pelo ministro do Interior, Bernard Cazeneuve – que ficou
ainda incumbido de apresentar, “dentro de oito dias”, o rascunho de um novo
decreto para agilizar a recolha de informação e vigilância electrónica de
suspeitos de terrorismo, com “propostas particulares para a utilização da
Internet e das redes sociais”.
Mais polémica é a
intenção de avançar com um programa de vigilância de passageiros aéreos,
rejeitado pelo comité de Liberdades do Parlamento Europeu. Manuel Valls
defendeu o funcionamento deste dispositivo à escala europeia, mas recusou
esperar pela luz verde de Bruxelas: segundo garantiu, o chamado sistema PNR
(acrónimo de Passenger Name Record) francês estará operacional no terceiro
trimestre de 2015. O programa prevê que os dados pessoais dos passageiros,
coligidos pelas companhias aéreas, sejam cruzados com os arquivos da polícia e
dos serviços secretos, que poderão sinalizar comportamentos inabituais (por
exemplo, a compra de viagens só de ida para destinos sensíveis ou percursos com
múltiplas escalas para baralhar pistas).
De resto, o primeiro-ministro
anunciou ainda o “reforço muito significativo” de competências, quadros e meios
materiais dos serviços de informação e antiterrorismo, que reconheceu estão
“sobrecarregados” – só a investigação do “ramo” sírio e iraquiano em França
requere actualmente 1250 profissionais, exemplificou.
A intervenção de
Valls foi pontuada por apelos à razão, à moderação, tolerância e respeito “pela
liberdade e a democracia”. O primeiro-ministro fez questão de dizer que “a
França está em guerra contra o terrorismo mas não está em guerra contra uma
religião”, e lembrou que “o Estado protege tanto aqueles que crêem, como os que
não crêem”. O discurso, de cerca de 20 minutos, foi longamente aplaudido por
todos os deputados.
Antes disso, já
se tinham visto outros sinais de unidade no hemiciclo: os parlamentares
cumpriram um minuto de silêncio em memória das vítimas dos atentados em Paris
e, de improviso, entoaram o hino nacional (“acontecimento raro”, assinalava a
imprensa francesa). Também prestaram tributo, com uma ovação de pé, às forças
de segurança, que esta semana iniciaram uma operação sem precedentes no país: o
Exército disponibilizou dez mil soldados para patrulhar a capital e outros
pontos sensíveis do território, enquanto cinco mil polícias estão destacados
para a segurança dos locais de reunião de judeus e muçulmanos.
Porém, a
unanimidade acabou por ser quebrada nas intervenções políticas posteriores. O
líder da bancada da UMP, Christian Jacob, defendeu a votação de um regime
verdadeiramente excepcional, que “restringisse as liberdades de alguns” ou
autorizasse a “censura da Internet e da televisão”, num discurso que o
Libération (diário de esquerda) descreveu como “ultra-securitário” e vários
críticos nas redes sociais denunciaram como “ultra-reaccionário”. “E com estas
palavras Jacob põe um fim à unidade nacional”, vaticinou o deputado socialista
Pascal Cherki, que não deixou de lamentar a ausência de uma “dimensão social”
no discurso do primeiro-ministro, “que não vai ser capaz de resolver todos os
problemas com medidas da ordem”.
Os mais procurados
A polícia
acrescentou mais um nome à lista dos “mais procurados de França”: Mehdi Sabri
Belhouchine, o cidadão francês de 23 anos que viajou para a Turquia e
posteriormente para a Síria com Hayat Boumeddiene, companheira de um dos
terroristas mortos pela polícia no cerco ao supermercado judaico (a
investigação está a tentar apurar se o alvo inicial era uma escola judaica das
proximidades). Belhouchine foi interrogado em 2010 por suspeita de ter sido
recrutado para combater na fronteira do Paquistão e Afeganistão, mas nunca foi
acusado.
Um outro francês,
que foi detido no primeiro dia do ano na Bulgária ao abrigo de um mandado de
captura por suspeita de sequestro do filho, é suspeito de envolvimento no
ataque ao Charlie Hebdo. Fritz-Joly Joachim, de origem haitiana, foi detido a
bordo de um autocarro que se dirigia para a fronteira turca: a ex-mulher, que
apresentou queixa, alega que pretendia seguir com o filho de três anos para a
Síria e juntar-se aos jihadistas, uma acusação que o próprio desmentiu, negando
ser “radical ou terrorista”.
As autoridades
estabeleceram uma série de contactos entre Joachim e um dos dois irmãos
Kouachi, autores do atentado ao Charlie Hebdo que fez 12 mortos. As buscas
pelos cúmplices prosseguem, com a polícia a suspeitar que outras seis pessoas –
incluindo um homem que foi visto a conduzir o carro de Boumeddiene – possam ter
participado no ataque.
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