Mercado da
Ribeira ou Mercado da Time Out?
POR O CORVO
“Está assim
garantida a transformação de toda a Lisboa, não em cidade apropriada e vivida
pelos residentes locais com identidade própria, mas sim em produto de consumo
efémero e temporário, palco globalizado pronto a ser devorado pelo turismo de
massas.”
António Sérgio
Rosa de Carvalho in “O BEZERRO DE OURO” / PÚBLICO / 22/05/2014 / http://www.publico.pt/opiniao/jornal/o-bezerro-de-ouro-28320844
Mercado da
Ribeira ou Mercado da Time Out?
POR O CORVO • 13
JANEIRO, 2015 / http://ocorvo.pt/2015/01/13/mercado-da-ribeira-ou-mercado-da-time-out/
A Time Out está a
investir 5 milhões de euros em obras no Mercado da Ribeira, onde explora já uma
grande parte do espaço, com restaurantes. Agora, avançou para novas áreas e
abriu novas lojas, algumas com actividades não concessionadas. Comerciantes da
feira de artesanato Sábados da Ribeira questionaram a legalidade da operação. A
oposição quis conhecer o contrato, que nunca fora divulgado pela câmara. O PCP
pronunciou-se contra a forma de actuação da autarquia. Ontem, o vereador Sá
Fernandes reuniu-se com os artesãos e prometeu tentar arranjar-lhes um espaço
mais condigno.
Texto: Fernanda
Ribeiro
Suspensas nas
naves do velho Mercado da Ribeira, há faixas vermelhas dizendo “Mercado de
Lisboa – Time Out”. O nome Ribeira já não consta e há comerciantes e autarcas a
prever que o mercado possa, um dia, ficar todo nas mãos da Time Out. A Câmara
Municipal de Lisboa deu-lhe “direito de preferência” em novos espaços na área
da restauração. E esse direito já se estendeu à exploração de outro tipo de
lojas.
“O Mercado da
Ribeira vai ficar todo nas mãos da Time Out e não se percebem as prerrogativas
que lhe são dadas pela Câmara Municipal de Lisboa em termos de ocupação de
espaço”. A afirmação é do vereador do PCP, Carlos Moura, que questiona a forma
como a autarquia tem actuado, cedendo à Time Out uma área cada vez maior do
Mercado e permitindo que ela seja ocupada com actividades que não se enquadram
sequer na área da restauração e bebidas, a que fora concessionada.
Para o vereador comunista,
“esta situação é intolerável”. Porque, alega, sendo o Mercado da Ribeira um
património municipal, tem de haver “regras claras que têm de ser cumpridas”, o
que, em seu entender, não está a acontecer.
“Não vejo como
pode a Time Out ir ocupando todos os espaços nos quais vá havendo intervenção”,
sublinhou Carlos Moura, em declarações ao Corvo, depois de ter lido o contrato
estabelecido entre a autarquia e a empresa “Mercados da Capital” que, em nome
da Time Out, assinou o documento.
Quando, em 2011, a câmara assinou o
contrato de concessão, era cedida à Time Out, por um período de 20 anos, a
ocupação e exploração de todo o piso 1 do mercado. E isso incluía a cúpula, uma
área de esplanada no exterior e um quiosque na Praça D. Luis, e uma área
delimitada do rés-do-chão, da nave da ala oeste, com uma área de 900 metros
quadrados – na qual se instalaram inicialmente os restaurantes.
Mas, em finais do
ano passado, novos estabelecimentos de restauração e novas lojas foram-se
instalando na nave Oeste, passando a estar ocupados mais 600 metros quadrados,
que não constavam na área concessionada. Ali surgiram lojas como A Vida
Portuguesa, ou ainda uma loja de venda de posters.
A questão da
legalidade da operação foi levantada numa reunião de câmara, realizada em Novembro
do ano passado, por alguns dos artesãos que participam nos Sábados da Ribeira,
uma Feira de Artesanato organizada pela autarquia.
Os artesãos dos
Sábados da Ribeira sentem-se traídos pela câmara, que sempre lhes disse que,
uma vez findas as obras, voltariam a poder ocupar os espaços onde antes
expunham os seus produtos.
Como então
explicaram, em 2012 foram convidados pela autarquia a animar o espaço do
mercado, quando ele estava menos activo. Com a chegada da Time Out e a
dinamização por esta trazida, foram desalojados dos espaços que antes ocupavam
e passaram a estar “encostados à parede” no sentido literal do termo, já que
esse é o único espaço que actualmente lhes é permitido ocupar.
“Viemos para o
mercado da Ribeira a convite e, nessa altura, quase não havia público. Agora
que começou a haver público é que nos desalojam. Onze pessoas já desistiram e
foram-se embora. O que eu peço é que não nos cortem as pernas”, disse ao Corvo
Etelberta Oliveira, artesã que trabalha com um tear manual, com o qual tece as
peças de vestuário que vende na Ribeira.
“Chegámos a ser
perto de 50 pessoas na Feira de Artesanato e isto para nós não é um hóbi, é
trabalho. Os lugares deixados vagos pelos que saíram já não são preenchidos,
porque não deixam que se inscrevam novos vendedores de artesanato. Para mim, o
que estão a tentar fazer é implodir a Feira. Como não há condições condignas,
as pessoas vão abandonando e quando já só formas 10, aí é fácil acabar
connosco”, diz por seu turno José Salgueiro, que participa também nos Sábados
da Ribeira.
“Sempre nos foi
dito que voltaríamos para o espaço onde estávamos antes, na nave oeste. Mas,
subitamente, a responsável pela Feira, Leopoldina Duarte, veio avisar-nos que
afinal não, já não poderíamos voltar para lá. E deixaram-nos assim, encostados
à parede, parecemos uns pedintes”, acrescentou o mesmo vendedor.
Impressiona-o
também o negócio que ali é feito, através da concessão. “A Time Out paga à
câmara 11 mil euros mensais pelo espaço inicial que ocupou na nave Oeste. Ora,
só a esplanada paga-lhe a ela uma renda de 7 mil euros, já os espaços mais
pequenos, dois mil. Ou seja, com a renda de três ou quatro lojas, eles pagam a
concessão”, diz José Salgueiro.
Em seu entender,
o que está a acontecer com a ocupação de novos espaços configura “uma
ilegalidade”, porque, sublinha, “a Time Out já explora todo o espaço da nave
Oeste e até parte do corredor central, quando não era isso que estava
estabelecido”.
Já a alemã Gritt,
que vive em Portugal há 16 anos e ali vende os gorros e boinas que tricota em
lã, é mais sonhadora. Acha que “no Mercado da Ribeira devia ser o povo a fazer
negócio”. E acrescenta, “com jeito, o espaço chegava para todos”.
Ontem, alguns
artesãos foram convocados para uma reunião com o vereador José Sá Fernandes. Segundo
comunicaram depois ao Corvo, o vereador “mostrou-se disponível para tentar
realojar os participantes dos Sábados da Ribeira no corredor central, parte do
qual estava já a ser ocupado com bancos dos estabelecimentos de restauração da
Time Out”.
De acordo com
Maria Rolo, uma das artesãs que participou na reunião, a mudança de lugar dos Sábados
da Ribeira deverá ocorrer a partir de final de Fevereiro, prazo referido pelo
vereador.
Na sessão de
câmara, realizada em finais de Novembro de 2014, os artesãos questionaram o
vereador José Sá Fernandes relativamente ao avanço da Time Out sobre as novas
áreas que foram sendo disponibilizadas à medida que as obras avançavam.
“Não tendo havido
qualquer concurso público para a ocupação desses espaços, como era possível à
Time Out cedê-los a outros comerciantes, a quem aluga as lojas?”, interrogaram
os artesãos dos Sábados da Ribeira.
Na altura, José
Sá Fernandes destacou o elevado valor das obras que estão a ser feitas no
mercado, a expensas da Time Out, orçadas em 5 milhões de euros. E afirmou que a
ocupação de novas áreas era possível e nada tinha de ilegal, mesmo não tendo
havido concurso público. Isso porque, disse o vereador, o contrato assinado
entre a câmara e a Time Out o permitia.
Só que, à data,
ninguém conhecia o contrato. Apesar de insistentemente pedido quer pelos
comerciantes do Mercado da Ribeira, quer pelos artesãos e, também, pelo Corvo,
o documento – embora sendo público – não fora divulgado pela autarquia.
A pedido da
oposição na câmara, uma cópia do contrato acabou por ser entregue em finais de
Dezembro do ano passado ao vereador do PSD António Proa que, tal como o
vereador comunista Carlos Moura, o solicitara.
Pela leitura do
documento – a que O Corvo teve entretanto acesso -, verifica-se haver uma
cláusula segundo a qual “a Câmara obriga-se a dar direito de preferência à
concessionária na atribuição de novas lojas do Mercado da Ribeira que tenham
por finalidade o serviço de restauração e bebidas”, podendo a Time Out explorar
essas novas lojas, “mediante o pagamento da taxa de ocupação devida pela
aplicação do Regulamento Geral de Taxas”.
É essa cláusula
que dá cobertura legal à instalação de novos estabelecimentos de restauração,
na nave Oeste. Já a exploração de outros ramos de actividade não é contemplada
no contrato. Mas, para o vereador Sá Fernandes, não há nisso ilegalidade, como
afirmou publicamente.
O Corvo tentou
ouvir o director da Time Out sobre esta situação, mas João Cepeda não respondeu
às questões que lhe foram colocadas via email, nem esteve disponível para
responder aos contactos telefónicos feitos para a revista.
Além dos artesãos
– e como O Corvo noticiara em Outubro de 2014 -, também os comerciantes
tradicionais do Mercado das áreas das hortícolas e do peixe, se têm queixado da
atitude da Câmara, considerando que esta tem privilegiado a Time Out em
detrimento dos vendedores que ali estão há décadas.
Quando o projecto
da Time Out foi anunciado e ainda antes de se concretizar, João Cepeda,
director da revista, sublinhou que ele se faria com todos os agentes envolvidos
no Mercado da Ribeira e que ninguém seria mandado embora, ao contrário do que
tem sucedido na reabilitação de mercados noutras capitais europeias. “Nós vamos
estar lá com as peixeiras”, disse João Cepeda, numa conferência de Reabilitação
Urbana em que falou do projecto.
Mas agora são as
próprias peixeiras a prever que, daqui a uns anos, todo o Mercado esteja nas
mãos da Time Out – como uma delas afirmou ao Corvo. Até porque a câmara lhe deu
o direito de preferência nos espaços que fiquem vagos, ao mesmo tempo que
retirou aos comerciantes tradicionais a possibilidade de passarem de pais para
filhos os lugares que actualmente ocupam.
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