sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Grécia faz check-out / PEDRO SOUSA CARVALHO


Grécia faz check-out
PEDRO SOUSA CARVALHO 30/01/2015 PÚBLICO

Yanis Varoufakis, o novo ministro das Finanças grego, deu uma entrevista à agência Bloomberg em Maio de 2012 em que defendeu que a Grécia nunca deveria ter entrado na zona euro; mas, já que entrou, seria um erro trágico abandonar a união monetária. Varoufakis explicou o que queria dizer recorrendo às duas últimas linhas da letra da música Hotel California: "You can check-out any time, but you can never leave.” Ao dar a vitória ao Syriza, os gregos sem dúvida que fizeram check-out do clube dos países do euro, e agora Alexis Tsipras e os seus ministros desengravatados estão no hall de entrada à espera que o gerente lhes venha dizer se fará um desconto ou um haircut na conta do hotel.

Alexis Tsipras nunca escondeu ao que vinha. Em Setembro, apresentou o plano de Salónica, um programa eleitoral expansionista típico de um país que acabou de descobrir que tem reservas infindáveis de petróleo. Claro que cada promessa eleitoral tem uma factura associada: i) Electricidade grátis e subsídios alimentares para 300 mil famílias que estão abaixo do limiar da pobreza; restituição do subsídio de Natal; medicamentos grátis para os desempregados. Factura = 1,8 mil milhões de euros. ii) Eliminação do imposto agregado sobre a propriedade; reestruturação de dívidas privadas aos bancos; subida do salário mínimo para 751 euros. Factura = 6,5 mil milhões de euros. iii) Programa de recuperação do emprego para criar 300 mil postos de trabalho; recuo das medidas de liberalização do mercado de trabalho. Factura = três mil milhões de euros.

A aplicação de todas estas medidas significaria aumentar de imediato o défice orçamental grego em nove pontos percentuais. Este programa expansionista é mais ou menos equivalente a hospedarmo-nos num hotel de cinco estrelas, com serviço de minibar, video on demand e todas das mordomias, e não fazermos a mínima ideia de como vamos pagar a conta.

Claro que, para pagar a conta do programa de Salónica, o Syriza está a contar que os parceiros europeus que emprestaram dinheiro à Grécia perdoem parte dessa dívida. Num artigo de opinião que assinou este mês no Huffington Post, Tsipras sugeria a anulação da maior parte do valor nominal da dívida grega, uma moratória sobre o remanescente e ainda uma cláusula que associe o serviço da dívida à taxa de crescimento.

Aqui não se trata apenas de uma questão de solidariedade, mas sim de reciprocidade, de justiça e de risco moral. Portugal, por exemplo, emprestou 2,676 mil milhões de euros à Grécia, o que significa que cada português, através dos seus impostos, emprestou 268 euros aos gregos. Faz sentido que abdiquemos de receber parte desse dinheiro de volta para que o salário mínimo de um grego suba de 586 para 751 euros, quando o nosso salário mínimo não passa dos 505 euros?

A Bloomberg recordava ontem que, mesmo depois da recessão devastadora da economia durante o período de ajustamento da troika, a Grécia continua com um PIB per capita de 22 mil dólares, enquanto, por exemplo, a vizinha Bulgária (que tal como a Grécia faz parte da União Europeia e também contribuiu para o fundo de resgate) não chega aos oito mil dólares. Faz sentido que alguém em Sófia abdique de parte dos seus impostos para ajudar alguém em Atenas que é muito mais rico?

E já agora é preciso lembrar que a Grécia já foi alvo do maior perdão de dívida da história da humanidade, e que em 2010, pela segunda vez, os chamados credores oficiais baixaram o valor dos juros cobrados ao país (que hoje na prática paga apenas aquilo que custa ao fundo de resgate financiar-se) e a maturidade foi esticada em 15 anos, para uma média de 30. Mas Alexis Tsipras acha que não chega; e faz questão de lembrar a ajuda e o perdão de dívida de que beneficiou a Alemanha no pós-guerra e o Acordo de Londres de 1953 que permitiu ao país reerguer-se das cinzas e transformar-se na grande potência europeia. Mas os tempos eram outros; e recordando o Hotel California, é caso para dizer que na Europa "we haven't had that spirit here since nineteen sixty nine".

Tal como o Syriza tem de prestar contas ao seu eleitorado, também a Alemanha e outros credores líquidos do projecto europeu têm um eleitorado perante o qual têm de justificar o dinheiro da ajuda à Grécia; quando Alexis Tsipras e companhia pedem solidariedade, não deveriam fazer tábua rasa dos fundos comunitários que receberam desde 1982 e dos 17 mil milhões que ainda vão receber até 2020. Não se trata aqui de ter uma retórica calvinista ou uma visão punitiva do mundo, trata-se, tão-só, de não achar normal que um país tenha, por exemplo, de 2000 a 2008 aumentado em 60% o valor dos salários na função pública.


Neste embate entre a Grécia e a União Europeia, um deles vai perder, e o outro vai perder bastante. É verdade que a Europa exagerou na velocidade e na dose de austeridade impostas a países como Portugal e Grécia; e isso os líderes europeus devem ter a humildade de reconhecer e corrigir. Mas para que o projecto europeu continue a fazer sentido, não basta que um país chegue, faça o check-in, peça a garrafa de vinho mais cara, brinde à solidariedade europeia e depois fique à espera que alguém pague a conta.

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