ENTREVISTA
“BES é muito revelador da forma
como se comporta a elite económica portuguesa”
CRISTINA FERREIRA
e PAULO PENA 19/01/2015 - PÚBLICO
Mariana Mortágua, 28 anos, fala de Ricardo Salgado e da qualidade da gestão
familiar do grupo. Mas adverte: “Não é só afastando a família Espírito Santo
que vamos ter um sistema financeiro mais estável”.
À custa de
“muitas horas de sono” e apenas com a ajuda de um assessor “em part-time”, a
mais jovem deputada da comissão que investiga a gestão do GES e do BES
embrenhou-se nesta história, que é mais do que “um banco com um problema”. Das
responsabilidades dos políticos, às dos reguladores (“Todos queriam que Salgado
saísse pelo seu pé, sem criar ondas”), passando pela ”irresponsabilidade”
daqueles que se empenharam no aumento de capital do banco – Presidente da República
incluído. Mas esta não é uma entrevista dogmática. A deputada do BE considera
que a resolução do BES é mais “tranquilizadora” do que a nacionalização do BPN.
E por falar em nacionalizações… “É óbvio que uma nacionalização pura e dura da
banca, neste momento, não resolve o problema financeiro e seria uma
irresponsabilidade. Ninguém com o mínimo de seriedade vai dizer que as coisas
são feitas assim.”
Qual foi, até
agora, a audição mais reveladora?
O que vai fazer
sentido, no fim disto tudo, é a junção das várias audições. Se estamos à espera
que alguém venha cá contar a história toda… Isso não existe. Ninguém virá. Uns
porque não têm a informação toda, outros porque terão sempre a sua versão dos
factos. Nesse sentido, é difícil não reconhecer que a audição de Francisco
Machado da Cruz [o contabilista da ESI] foi essencial. Foi o único que se
dispôs a falar, de facto.
Isso traz-nos
para uma questão polémica. A audição de Machado da Cruz foi à porta fechada. O
que foi dito ali não pode ser reproduzido, não pode ser citado. Não há uma
contradição nisso que diz: a audição mais reveladora tem de ficar em segredo?
Havia duas
alternativas: ou não se ouvia Machado da Cruz, ou se ouvia e se percebia a
história.
Eram só essas as
alternativas?
Ou só se ouvia
sobre matérias que não estão sob segredo de justiça…
E as matérias que
não estão abrangidas pela justiça, também estão sob sigilo?
Essa é uma
discussão que temos tido e não é de menor importância. Confesso que não sou
jurista, sei disto o que tive de aprender. É uma limitação, obviamente, mas que
não decorre da comissão de inquérito, decorre do segredo de justiça. Tudo
aquilo que Machado da Cruz disse não pode ser reproduzido, sob pena de se
violar o segredo de justiça. Mas ninguém nega que os deputados têm aquela
informação. Ela será usada todos os dias. Não posso dizer quem disse, mas posso
perguntar, sem violar o segredo. Há diversas formas de chegar às conclusões. A
alternativa era não termos acedido sequer à informação.
Estamos com dois
meses de trabalhos. Esta comissão é diferente da do BPN, que ia produzindo mais
revelações. Concorda?
Sim. Cada pequena
história que nós descobrimos no BES dava uma comissão de inquérito BPN. O BES
tem casos muito interessantes e muito graves, mas que são bocados separados do
puzzle.
Enquanto o BPN
era um caso de polícia?
É um caso
diferente. O BES não se explica por um caso. Não é um esquema Eurofin, não é a
empresa que foi vendida por três euros, não é a emissão de obrigações.
É o retrato de
uma época, que permite perceber como funcionava o sistema financeiro?
Permite perceber
como funcionava o sistema financeiro. E compreender como é que uma elite
económica se formou. Dá-nos um conhecimento brutal sobre a burguesia
portuguesa.
Então vamos a
essa parte sociológica: o que mostram as audições aos membros da família? A
fragilidade dessa elite?
Lembro-me de
estar a conversar com o Miguel Portas sobre a economia portuguesa e os
problemas de Portugal. Ele disse-me que o problema específico de Portugal é a
pouca qualidade da sua burguesia, a pouca capacidade das suas elites
económicas. Eu não sei se ele estava certo, mas o BES surpreendeu muita gente
por isto. A família mais importante do país, quase aristocrática, habituada a
decidir os destinos do país, para quem toda a gente olhava com reverência, de
facto, não soube gerir, não tinha capacidades de gestão.
Mas isso não é
assim em todos os grupos familiares? Os Agnelli em Itália, a família
Bettencourt da L’Óreal… Estas famílias preparam os filhos para viver de
rendimentos e descuram a formação e o valor do trabalho?
Provavelmente
sim. Aliás, os Agnelli eram muito amigos dos Espírito Santo. Concordo com essa
análise. Hoje isso tornou-se evidente para muita gente, que tinha por boa a
ideia do self-made man, do empreendedor que através do trabalho enriquece. Esta
comissão de inquérito é muito reveladora da forma como se comporta essa elite,
do português que fala. Mas é reveladora também da falta de qualidade de gestão.
Com a excepção, eventualmente, de Ricardo Salgado.
Alguns membros da
família Espírito Santo vieram aqui dizer que tiveram de contratar administradores
que não eram da família quando precisaram de “profissionalizar” a gestão do
grupo. É uma ideia estranha, a de que o grupo era gerido de forma amadora, por
primos….
Aquilo funcionava
como uma aristocracia. Cada um tinha lugar à frente do seu banco, porque era um
direito de família. Um direito de nascimento. Sem que nenhum tivesse alguma
capacidade específica. O que permitiu, parece-me, a Ricardo Salgado manter a
sua hegemonia. Discutiu-se isso, aqui: se a hegemonia de Salgado advinha do
facto de os outros serem incompetentes, e delegarem nele; ou se ele próprio
usou esse facto para tomar conta do grupo.
O GES funcionava
também com um rol de pessoas à volta que não se preocupavam com mais nada do
que com o dinheiro?
Não sei se era só
o dinheiro ou também uma forma de dominação que a figura de Salgado exerceu
durante muito tempo. E isso vai dos directores financeiros e do contabilista
até ao Banco de Portugal… Que não devia ter deixado chegar até onde isto
chegou.
Acha que o Banco
de Portugal acreditou em Salgado ou escolheu os remédios errados para resolver
o problema?
Uma coisa é saber
se os remédios eram adequados, outra, independente, é saber se Salgado devia
ter ficado à frente do banco para os implementar. Mesmo que fossem adequados,
os remédios, o facto de Salgado estar à frente do banco fez com que tudo viesse
por aí abaixo…
Carlos Costa
acreditou que era possível negociar com Ricardo Salgado? Mesmo a partir de
final de 2013 não era já evidente que isso era desaconselhável?
Em Janeiro de
2014 é conhecido o resultado de uma auditoria que mostra não só um passivo
escondido, mas também uma série de operações que servem para tapar o sol com a
peneira… Depois disso dá-se mais uma alteração no GES, que claramente serve o
propósito da ocultação. O Banco de Portugal sabia o papel que Salgado
desempenhava no grupo e no banco. Deixou Salgado ficar à frente do banco porque
quis. Porque achou que a sua saída podia levar a uma potencial desestabilização
dos mercados. E pela influência que, até ao fim, Salgado teve em Portugal. Foi
um risco que o Banco de Portugal correu, erradamente. Foi a pior decisão
possível. Se as medidas foram adequadas? É difícil dizer… Mas parece-me óbvio
que o BES devia ter sido intervencionado muito mais cedo.
Mas havia uma
orientação clara do Governo para não intervencionar…
Não sei se havia.
Mas sei que o Governo sabia o que se passava.
José Maria
Ricciardi disse, aqui, que manteve contactos com o primeiro-ministro desde
2013.
A troika estava
há três anos em Portugal a escrutinar tudo o que era banco. Com os melhores
técnicos, os mais experientes. Tinha uma atenção especial ao BES. Pedro Queiroz
Pereira avisou o Banco de Portugal que se reúne, oficialmente, com o ministério
das Finanças. Ricciardi é amigo pessoal do primeiro-ministro e diz em reuniões
do Conselho Superior – naquela célebre em que se chateia com Salgado… - que se
não respeitarem a sua opinião vai falar com o primeiro-ministro, tal como já
fez no passado! Durante todo o ano de 2014 há contactos entre Ricardo Salgado e
Carlos Moedas, Durão Barroso, reuniões oficiais com a ministra das Finanças. Não
estamos a falar da empresa do zé da esquina… É “só” o maior grupo privado
português. Eu não acredito que o Governo estivesse a ver isto acontecer à sua
frente e não visse que isto era claro…
Embora Passos
diga que nunca teve contactos com o GES…
A ministra das
Finanças também diz que quando Vítor Bento foi reunir-se com ela nos dias em
que o BES já se estava a dissolver, não lhe pediu financiamento… Hoje sabemos
que, obviamente, essa reunião foi para aferir da possibilidade de uma
recapitalização.
E Ricciardi
assumiu na comissão que teve contactos com Passos Coelho.
Claro. Isto é uma
tempestade perfeita: o Banco de Portugal não queria mexer na liderança do BES,
porque tinha medo de desestabilizar os mercados - esse é o poder da banca sobre
o regulador…-; o Governo sabia, mas não queria provocar um problema antes do
tempo, porque a troika queria sair de Portugal, e porque consolidou este seu
último ano de campanha baseado na ideia de que o Estado não se mete no privado.
Queriam que
Salgado saísse pelo seu pé?
Todos queriam que
Salgado saísse pelo seu pé, sem criar ondas. Esse era o plano. A verdade está
algures entre o que dizem Carlos Costa e Ricardo Salgado. O Banco de Portugal
terá pressionado Salgado, que terá resistido, e encontraram-se num acordo que
era sair depois de feito o aumento de capital. O Governo queria o aumento de
capital. Tanto queria que Cavaco Silva e a ministra das Finanças vieram fazer
uma coisa inacreditável que é dar apoio público, dar uma garantia, a um aumento
de capital de um banco que eles já sabiam que estava com problemas. Acho que
sabiam que mais cedo ou mais tarde teriam de intervencionar. Achar que o
aumento de capital poderia resolver o problema do BES foi uma
irresponsabilidade. Quando se aperceberam que era essencial uma intervenção,
preferiram fazê-la depois da troika e, já agora, com um quadro legal que lhes
fosse legitimado pela União Europeia. E a UE estava a concluir o novo quadro
legal de resolução bancária. Foram adiando o problema, empurrando com a
barriga, porque queriam, porque dava jeito a toda a gente. Essa, para mim, é a
tese mais plausível. O Governo não teria coragem de afrontar os accionistas do
BES sem esta legislação europeia.
Mas o
primeiro-ministro gosta de se ver no papel do responsável pela queda de Ricardo
Salgado. Isso não lhe é útil, politicamente?
O responsável
pela queda de Salgado é Salgado. O primeiro-ministro quer sair como o herói
anti-interesses-privados que sempre se recusou a intervir ou o que quer que
seja. Não é verdade… Mas também há quem queira, como o PS às vezes parece
acreditar, que foi a intervenção do Governo que tornou possível a falência
desnecessária do BES, porque uma recapitalização pública teria sido suficiente.
Não me parece que tenhamos todas as informações para perceber se isso é
verdade. Depende da qualidade da garantia de Angola, de várias coisas. Eu
compreendo que, seis meses depois de estarem a ser enganados por Ricardo
Salgado, a corda estica-se e parte. Mais tarde ou mais cedo isso seria
inevitável. E se não fosse inevitável, não ficaríamos com um grupo
particularmente saudável. Sabemos que o grupo vinha desde 2000 com problemas
financeiros. O pecado original é um fortíssimo endividamento, com maus negócios
que não geram as receitas necessárias.
Falhou o
escrutínio, dos media, dos deputados?
Há uma grande
complacência com o poder privado. Admiração, até. São ricos? E depois… Nunca se
questionou como é que essa gente enriqueceu. Há um problema sistémico. Tudo
isto é legal, a lei permite off-shores, RERT, o caso da Escom e dos submarinos.
Imaginemos, por um instante, que não há luvas, nem fuga ao fisco. Que há…
Imaginemos que uma empresa, a Escom, recebe 30 milhões por um serviço legitimo,
que prestou. Pegam nos 30 milhões e distribuem: cinco milhões, para os
accionistas, uns milhões para uns advogados, 16 milhões para os gestores. E a
empresa? Entrou quanto para a empresa? Não entrou nada. Entrou zero. Isto é uma
forma de descapitalização sobre a qual não há qualquer escrutínio. Feita por
gente que não se coíbe de dar palpites sobre a gestão do Estado. Ricardo
Salgado dizia há tempos que não percebia como havia tanta gente no subsídio de
desemprego…
O que se pode
fazer para resolver isso? Em 2008 achou-se que o aumento da regulação bastaria…
Se uma empresa
privada, por exemplo a Rioforte, vai à falência, a menos que tenha um número
significativo de trabalhadores, isso é um problema dela. Mas se um banco vai à
falência é um problema do país. É um problema para a economia. Os banqueiros
têm o poder de gerar crises. Para justificar as privatizações, criou-se a ideia
de que a regulação serve. Mas a regulação só corre atrás. Para que é que
existem off-shores? Para que os reguladores não cheguem lá. Se houvesse
interesse em regular a banca não haveria off-shores, a banca de investimentos
estaria separada da banca tradicional. A experiência demonstra que, apesar de
não estarem isentos de problemas, os bancos públicos são mais seguros. Há um
escrutínio maior e a possibilidade de gerar crises deixa de estar em mãos
privadas.
Na sua opinião, a
nacionalização da banca é uma solução?
É óbvio que uma
nacionalização pura e dura da banca, neste momento, não resolve o problema
financeiro e seria uma irresponsabilidade. Ninguém com o mínimo de seriedade
vai dizer que as coisas são feitas assim. Mas também é verdade que, nos últimos
nos, o Estado teve que pôr dinheiro em muitos bancos portugueses. E não é
concebível que esse dinheiro não se tenha transformado em posição accionista.
No Banif
transformou-se…
Mas só se
transforma quando há um problema grave e mais ninguém quer ficar com os bancos.
E, nesse caso,
recebeu os juros.
Mas não me
interessam os juros. Interessa-me o controlo da banca. Até podemos dizer que
esta resolução faz mais sentido que a anterior. Qualquer pessoa séria olha para
esta resolução, com todos os problemas que tem, e olha para a do BPN e esta é
bastante mais tranquilizadora. Por um motivo. Desta vez, os accionistas
perderam, e bem. Desse ponto de vista faz mais sentido. Mas não faz sentido
pegar no Novo Banco, limpinho, que custou dinheiro aos contribuintes limpar, e
entrega-lo a um grupo chinês que quer entrar na Europa, ou a um grupo português
que quer consolidar a sua posição de mercado e diluir a exposição que tem em
Angola. Isso é que não faz sentido.
Mudando um pouco
o tema: o BE só tem uma deputada na comissão. Como é que gere o ritmo dos
trabalhos? À custa de horas de sono?
Tem coisas boas e
más… É óbvio que é à custa de horas de sono e de sacrifício de tempo. O ritmo é
muito, muito, duro. A semana transformou-se num gigantesco BES. Na melhor das
hipóteses saio daqui às 8 da noite, na pior à meia-noite. Tudo complementado pelo outro trabalho que
continua a acontecer: plenário, comissões. Tenho um assessor que me ajuda em
part-time, mas cujas horas são muito produtivas. Mas quando se está sozinha,
concentra-se toda a informação, o que me permite fazer todas as ligações.
Uma das funções
de uma comissão de inquérito é a de dar indicações legislativas para o futuro,
também. Acha que esta vai servir para mudar alguma coisa?
Por isso é que o
Governo, e o primeiro-ministro, se têm empenhado em confinar esta comissão a um
homem: o problema é Ricardo Salgado. Porque se centrarmos tudo na família
Espírito Santo esquecemos que o problema é o sistema financeiro. Quanto mais
nos focamos na família mais nos esquecemo das questões sistémicas que são, no
fundo, o que fica para o futuro . Não é só afastando a família Espírito Santo
que vamos ter um sistema financeiro mais estável.
É economista e
lida com a aridez técnica da comissão. Como é que se consegue manter os
cidadãos atentos a estes problemas? Criou um blogue. Tem uma estratégia?
Tenho uma
estratégia mas vou ter de a melhorar… (Risos) Não é muito fácil. Uma coisa é
nós passarmos as grandes mensagens. E eu hoje tenho uma ideia completamente
diferente da que tinha à partida…
Qual é que tinha?
Passava muito
pela ideia de um banco que tinha um problema. Havia aquela ideia de que o
problema era o banco financiar a parte não-financeira. Agora compreendo que é a
tal tempestade perfeita… Não é fácil passar esta mensagem. As pessoas procuram
uma história simples. Isto é um conjunto de acções que é muito subtil. Há um
problema de endividamento, de liquidez, que vai passando pelo tempo. E vários
episódios em cima desta linha do tempo: num off-shore, em Angola, na PT, na
Escom, nos submarinos, na Akoya. Todos estes caos entram na linha cronológica, mas
isto é a história do nosso tempo vista daquele lado. Havia uma história a
desenrolar-se ali e nós, de fora, só víamos umas pontinhas…
Uma espécie de
Matrix?
Uma espécie de
Matrix. As pessoas têm o direito de conhecer esta história. Mas também compreendo
que nem toda a gente tenha interesse em conhecer os casos mais específicos. O
que acho que falta, mas ainda é cedo…, é que as pessoas possam conhecer esta
história. Aí a comunicação social tem ajudado, com a investigação que tem
feito.
O deputado Carlos
Abreu Amorim, do PSD, disse-nos que é abordado por pessoas com perguntas sobre
o BES no supermercado…
Sim, sim. Eu
também sou. E há pessoas que me telefonam porque estavam a acompanhar a emissão
no canal AR TV e a emissão passou para o plenário e não puderam continuar a
ver.
Isso demonstra o
impacto que este caso teve na sociedade?
As pessoas estão
curiosas. Salgado era temido e admirado. Dos trabalhadores do BES a políticos,
comunicação social e ao restante mundo económico. Passa por toda a gente. E tudo
dá uma volta quando Ricardo Salgado deixou de ser o “dono disto tudo” e passou
a ser um corrupto a quem toda a gente acusa…
Há um antes e um
depois?
Claro que há um
antes e um depois. Veja-se a naturalidade com que se diz “construímos uma rede
de off-shores para fugir ao fisco”. Fala-se com uma leveza… Como não é crime,
acaba por ser tratado com leveza pelos próprios deputados. Continua-se a
proteger mais o direito de um banqueiro repatriar dinheiro por escapar ao fisco
do que o direito da sociedade julgar a fuga ao fisco. A que ponto é que
chegamos como sociedade para tratar a fuga ao fisco como se não fosse nada de
mais? Não há luvas, não há corrupção, é só fuga ao fisco… Como é que isto por
si só não é motivo para demitir sumariamente um banqueiro? Isto assumiu um
carácter de naturalidade tal…
Por isso é que
perguntávamos se há um antes e um depois. Será mais difícil a qualquer Governo
aprovar um RERT, uma amnistia fiscal?
Não sei… Espero
que seja. Espero que durante muitos anos não haja um Governo com a falta de
vergonha para aprovar um RERT. Mas não posso pôr as mãos no fogo. Isto vicia os
comportamentos. Há um termo, em economia, para isto em inglês.
Moral hazard
[risco moral]?
Moral hazard. A
ideia de que posso fugir ao fisco porque de dois em dois anos há um RERT…
Não era habitual
os deputados do BE usarem termos em inglês. Essa terminologia financeira não
era muito usada…
O que tenho a
dizer em minha defesa é o seguinte: Tento, sempre que possível, não usar. Faço
um esforço activo para falar em português, mesmo que isso custe alguma
precisão. Eu tenho uma dificuldade acrescida. Sempre estudei economia em
inglês. A minha primeira língua, a nível académico, é o inglês. A crise, a
troika, tornou o discurso muito hermético e afastou as pessoas da compreensão
do que se passava. Há uma tendência para criar uma barreira à decisão
democrática que passa por dizer que há uma área que é da competência de
peritos. Para além de criar a ideia de que estes peritos são técnicos sem
ideologia, quando são assumidamente ideológicos e neo-liberais. Do ponto de
vista político, a forma como falamos pode ser muito simplificada. Tudo pode ser
dito de uma forma mais simples, e não devemos temer parecer ignorantes. O que
não quer dizer que este caso não seja mesmo complexo… Complexo a ponto de
tentarmos fazer sentido de uma teia que, muitas vezes, não tem sentido.
E já se conseguiu
habituar aos elogios dos banqueiros quando os interroga?
(Risos) Acho que
umas vezes serão sinceros, outras serão uma tentativa de amaciar. Faz parte.
Faz-se o mesmo trabalho, com a mesma eficácia, com cordialidade ou com
hostilidade. Até porque pode haver uma cordialidade
hostil.
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