Por Luís Osório
publicado em 26
Jan 2015 in
(Jornal) i online
A Grécia faz
fronteira com a Turquia, país que não se importaria (como a Rússia) de oferecer
uma “mãozinha”. Não me parece que a Europa se possa dar a esse luxo asiático
deixar os gregos numa barcaça à deriva e com o fantasma da sobrevivência à
solta
A vitória do
Syriza é um ajuste de contas dos gregos. Em relação à forma como foram tratados
nos últimos anos e no brutal e antidemocrático condicionamento do seu voto
durante a campanha eleitoral. Uma vergonha alicerçada no arrogante poder da
Alemanha que fez de tudo para que os distintos helénicos não pensassem que eram
descendentes de Atenas ou Esparta. Seria um lamentável erro histórico se
ganhassem essa ilusão porque a realidade, na visão germânica e de Merkel, era
outra: os gregos modernos tinham de perceber o que perdiam se dessem a vitória
a Alexis Tsipras; perdiam tudo e um par de botas.
Os vencedores da
primeira Grande Guerra, no rescaldo do tratado de Versalhes, assinado em 1919,
tentaram que a Alemanha não levantasse mais a cabeça. Humilharam a classe
média, esmagaram qualquer hipótese de crescimento económico e obrigaram os
alemães ao pagamento de uma avultada indemnização que criaria as condições para
a subida ao poder de Hitler. Não comparo o Syriza à ascensão dos nazis ou dos
fascistas italianos. Todavia, é justo afirmar que a Europa não aprendeu nada
com a História, nomeadamente os alemães que não se importam de fazer aos outros
o que antes os outros lhes fizeram. Peculiar. E se não aprenderam nada, criam
as condições para que movimentos (à esquerda mas também à direita, como se tem
visto um pouco por todo o lado) possam florescer e impor uma nova ordem.
Tsipras, o novo
senhor da Grécia, recuará em algumas das medidas que propôs, mas não abdicará
do que o fez ganhar. Tem carta-branca dos gregos para renegociar a dívida.
Renegociará a dívida. E se tiver de sair da União Europeia sairá. Os gregos
mostraram que estão por tudo e o Syriza vai mostrar ao que vai pois, no íntimo
das suas principais figuras, o melhor talvez seja ficarem por sua conta e
risco.
As próximas
semanas serão interessantes. Pode acontecer uma de duas coisas: a Europa aceita
renegociar com os gregos ou não aceita. Se sim, Portugal poderá beneficiar da
brutal vitória de Tsipras – abrir uma negociação com os gregos e não o fazer
com países em situações semelhantes, faz pouco ou nenhum sentido. Isto se
Passos Coelho não resolver colocar a sua cara de “gato das botas” e dizer que,
pela nossa parte, fazemos questão de pagar até ao último cêntimo e ao último
juro. Se não aceitarem, a Grécia terá de sair da União Europeia. A pior
situação possível. Porque o equilíbrio geoestratégico europeu ficará abalado e
a Grécia faz fronteira com a Turquia, país que não se importaria (como a
Rússia) de oferecer uma “mãozinha”. Não me parece que a Europa se possa dar ao
luxo de deixar os gregos numa barcaça à deriva e com o fantasma da
sobrevivência à solta. Dependerá do novo líder, da sua capacidade de ceder ou
não a pressões, veremos do que será capaz. E veremos o que fará o primeiro-ministro
de Portugal, como se comportará perante esta inesperada ajuda do destino. Ou
desvio.
Quanto ao Bloco
de Esquerda, que falou de Tsipras como se ele fosse o seu militante número um,
não tem emenda. É um partido que sem Louçã ou Miguel Portas é mais conservador
do que o PCP. Ver a líder do Bloco é como recuar a um livro de Gorki. Compará-la
a Tsipras é apelar a um excesso de benevolência.
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