quarta-feira, 4 de junho de 2014

Nos limites do teatro constitucional.Governo está a criar imagem de impasse político e assume guerra ao TC.


EDITORIAL
Nos limites do teatro constitucional
DIRECÇÃO EDITORIAL 05/06/2014 - PÚBLICO
O pedido de “clarificação política” do Governo aos juízes do Ratton é um acto escusado numa peça gasta.


A Constituição é conhecida, ou devia ser. As regras de funcionamento do Tribunal Constitucional (TC) são conhecidas, ou deviam ser. Os juízes do TC são conhecidos, embora menos, mas todos sabem que uns são indicados pelo PS (5), PSD (4) e CDS (1) e os restantes (3) são cooptados pelos seus pares. As votações dos juízes, nos chumbos recentes e nos anteriores, são também públicas e é curioso verificar que não coincidem, de todo, com aquilo que seria o entendimento prévio das respectivas votações (o PÚBLICO de 31 de Maio publicou um quadro deveras demonstrativo). Mesmo assim, sem que ache necessário mexer na Constituição ou propor a extinção do TC, o Governo continua a não saber distinguir um “sim” de um “não”. Quer “aclarações”, explicações adicionais. Pede até uma “clarificação política”, não se percebendo bem se o que na verdade quer é que os juízes do Palácio Ratton digam que nada têm contra o Governo e as suas políticas. Se o Governo quer, como diz querer nestas recentes e inflamadas declarações, um quadro de “previsibilidade, de estabilidade e de confiança”, tem bom remédio: é só criá-lo. Se, pelo contrário, insiste em tecer uma manta de retalhos em termos de cortes para com isso compor o débil cobertor do seu orçamento, acabará sempre por chocar com algum empecilho. Se, nesta última leva, foram chumbadas três normas (em quatro) do Orçamento de 2014, não é com declarações pungentes do TC, por mais sérias que possam parecer neste cenário de drama de duvidosa qualidade, que o Governo vai resolver o que resta e seguir em frente. Pelo contrário. Esta “guerra” é um acto escusado numa peça gasta, onde já nem os próprios protagonistas parecem levar a sério o seu papel. Com o FMI ainda por cá, à espera, e com um “fim de troika” que afinal não o foi, toda a perda de tempo é escusada. Enfrentem-se senhores, e enfrentem a realidade. As contas, já se sabe, pagamo-las nós.

Governo está a criar imagem de impasse político e assume guerra ao TC
SOFIA RODRIGUES 04/06/2014 -PÚBLICO
Na maioria, há quem espere uma intervenção do Presidente da República. Um cenário de eleições antecipadas é reconhecido como tentador por alguns sectores, dada a confusão instalada no PS.

O Governo e a maioria que o suporta estão a criar uma imagem de impasse político e a fazer um ataque directo ao Tribunal Constitucional. Na mira estão as decisões que os juízes ainda têm nas mãos e que, se resultarem em chumbos, podem ter impacto orçamental nos próximos anos. Há quem espere já uma intervenção do Presidente da República, mas para já o cenário de eleições antecipadas está afastado.

Com uma sintonia que não é frequente entre Passos Coelho e Paulo Portas, foi declarada guerra aberta ao Tribunal Constitucional. A batalha tem duas frentes. Uma mais administrativa, que é o pedido de esclarecimento sobre o acórdão da passada sexta-feira sobre os termos da devolução dos cortes de salários aos funcionários públicos. Esse pedido é discutido na tarde desta quarta-feira em conferência de líderes parlamentares.

A outra é bem mais relevante e tem um carácter político: é o condicionamento da governação. Mais: é mesmo a ideia de um impasse político que o executivo está a querer passar para a opinião pública. Essa mensagem foi deixada pelo vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, na segunda-feira, na reunião do conselho nacional do CDS, quando defendeu que podem estar em causa os compromissos assumidos pelo Governo perante Bruxelas no âmbito do Tratado Orçamental.

Também a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, tem mostrado preocupação pela “imprevisibilidade” da política fiscal e reconheceu que os “impostos já estão altos”, mas que isso não aconteceu por ser "a primeira escolha do Governo", remetendo essa responsabilidade para o TC sem o expressar.

Ao apontar as armas ao Tribunal Constitucional, a maioria sabe que já não vai conseguir obter qualquer alteração ao que foi decidido no acórdão de sexta-feira. Mas os juízes ainda têm de decidir a constitucionalidade de normas do orçamento rectificativo, nomeadamente a contribuição extraordinária de solidariedade (CES) e os aumentos dos descontos para a ADSE (sistema de saúde para os funcionários públicos).

A pressão sobre o Tribunal Constitucional nunca foi tão evidente. E tão assumida. Nuno Melo, eurodeputado e vice-presidente do CDS, disse esta manhã na Antena 1 que o Tribunal Constitucional está a funcionar como uma “espécie de Conselho da Revolução”. E, quanto à forma de divulgar o acórdão, Nuno Melo critica o cerimonial dos juízes perante as câmaras de televisão. “As decisões jurídicas devem ser discretas”, defendeu o dirigente centrista.

Na maioria há quem defenda que o Presidente da República tem de intervir, exercendo a sua magistratura de influência. O certo é que o discurso do PSD e do CDS assume que há uma invasão do território do poder executivo por parte do Tribunal Constitucional, ou seja, pelo poder judicial. Uma alegada interferência que se pode enquadrar no regular funcionamento das instituições democráticas, um dos fundamentos constitucionais que permitem ao Presidente da República dissolver o Parlamento.

Para já, a maioria põe esse cenário de parte, tendo em conta que o programa de resgate ainda não foi oficialmente concluído. Mas há quem reconheça que seria apetecível avançar para eleições antecipadas, dada a actual perturbação e indefinição no PS.

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