EDITORIAL
Nos limites do teatro
constitucional
DIRECÇÃO
EDITORIAL 05/06/2014 - PÚBLICO
O pedido de “clarificação política” do Governo aos juízes do Ratton é um
acto escusado numa peça gasta.
A Constituição é
conhecida, ou devia ser. As regras de funcionamento do Tribunal Constitucional
(TC) são conhecidas, ou deviam ser. Os juízes do TC são conhecidos, embora
menos, mas todos sabem que uns são indicados pelo PS (5), PSD (4) e CDS (1) e
os restantes (3) são cooptados pelos seus pares. As votações dos juízes, nos
chumbos recentes e nos anteriores, são também públicas e é curioso verificar
que não coincidem, de todo, com aquilo que seria o entendimento prévio das
respectivas votações (o PÚBLICO de 31 de Maio publicou um quadro deveras
demonstrativo). Mesmo assim, sem que ache necessário mexer na Constituição ou propor
a extinção do TC, o Governo continua a não saber distinguir um “sim” de um
“não”. Quer “aclarações”, explicações adicionais. Pede até uma “clarificação
política”, não se percebendo bem se o que na verdade quer é que os juízes do
Palácio Ratton digam que nada têm contra o Governo e as suas políticas. Se o
Governo quer, como diz querer nestas recentes e inflamadas declarações, um
quadro de “previsibilidade, de estabilidade e de confiança”, tem bom remédio: é
só criá-lo. Se, pelo contrário, insiste em tecer uma manta de retalhos em
termos de cortes para com isso compor o débil cobertor do seu orçamento,
acabará sempre por chocar com algum empecilho. Se, nesta última leva, foram
chumbadas três normas (em quatro) do Orçamento de 2014, não é com declarações pungentes
do TC, por mais sérias que possam parecer neste cenário de drama de duvidosa
qualidade, que o Governo vai resolver o que resta e seguir em frente. Pelo
contrário. Esta “guerra” é um acto escusado numa peça gasta, onde já nem os
próprios protagonistas parecem levar a sério o seu papel. Com o FMI ainda por
cá, à espera, e com um “fim de troika” que afinal não o foi, toda a perda de
tempo é escusada. Enfrentem-se senhores, e enfrentem a realidade. As contas, já
se sabe, pagamo-las nós.
Governo está a criar imagem de
impasse político e assume guerra ao TC
SOFIA RODRIGUES
04/06/2014 -PÚBLICO
Na maioria, há quem espere uma intervenção do Presidente da República. Um
cenário de eleições antecipadas é reconhecido como tentador por alguns
sectores, dada a confusão instalada no PS.
O Governo e a
maioria que o suporta estão a criar uma imagem de impasse político e a fazer um
ataque directo ao Tribunal Constitucional. Na mira estão as decisões que os
juízes ainda têm nas mãos e que, se resultarem em chumbos, podem ter impacto
orçamental nos próximos anos. Há quem espere já uma intervenção do Presidente
da República, mas para já o cenário de eleições antecipadas está afastado.
Com uma sintonia
que não é frequente entre Passos Coelho e Paulo Portas, foi declarada guerra
aberta ao Tribunal Constitucional. A batalha tem duas frentes. Uma mais
administrativa, que é o pedido de esclarecimento sobre o acórdão da passada
sexta-feira sobre os termos da devolução dos cortes de salários aos
funcionários públicos. Esse pedido é discutido na tarde desta quarta-feira em
conferência de líderes parlamentares.
A outra é bem
mais relevante e tem um carácter político: é o condicionamento da governação. Mais:
é mesmo a ideia de um impasse político que o executivo está a querer passar
para a opinião pública. Essa mensagem foi deixada pelo vice-primeiro-ministro,
Paulo Portas, na segunda-feira, na reunião do conselho nacional do CDS, quando
defendeu que podem estar em causa os compromissos assumidos pelo Governo
perante Bruxelas no âmbito do Tratado Orçamental.
Também a ministra
das Finanças, Maria Luís Albuquerque, tem mostrado preocupação pela
“imprevisibilidade” da política fiscal e reconheceu que os “impostos já estão
altos”, mas que isso não aconteceu por ser "a primeira escolha do
Governo", remetendo essa responsabilidade para o TC sem o expressar.
Ao apontar as
armas ao Tribunal Constitucional, a maioria sabe que já não vai conseguir obter
qualquer alteração ao que foi decidido no acórdão de sexta-feira. Mas os juízes
ainda têm de decidir a constitucionalidade de normas do orçamento
rectificativo, nomeadamente a contribuição extraordinária de solidariedade
(CES) e os aumentos dos descontos para a ADSE (sistema de saúde para os
funcionários públicos).
A pressão sobre o
Tribunal Constitucional nunca foi tão evidente. E tão assumida. Nuno Melo,
eurodeputado e vice-presidente do CDS, disse esta manhã na Antena 1 que o
Tribunal Constitucional está a funcionar como uma “espécie de Conselho da
Revolução”. E, quanto à forma de divulgar o acórdão, Nuno Melo critica o
cerimonial dos juízes perante as câmaras de televisão. “As decisões jurídicas
devem ser discretas”, defendeu o dirigente centrista.
Na maioria há
quem defenda que o Presidente da República tem de intervir, exercendo a sua
magistratura de influência. O certo é que o discurso do PSD e do CDS assume que
há uma invasão do território do poder executivo por parte do Tribunal
Constitucional, ou seja, pelo poder judicial. Uma alegada interferência que se
pode enquadrar no regular funcionamento das instituições democráticas, um dos
fundamentos constitucionais que permitem ao Presidente da República dissolver o
Parlamento.
Para já, a
maioria põe esse cenário de parte, tendo em conta que o programa de resgate
ainda não foi oficialmente concluído. Mas há quem reconheça que seria
apetecível avançar para eleições antecipadas, dada a actual perturbação e
indefinição no PS.
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