Com tinta, floreiras e bancos, a
câmara quer devolver o coração dos bairros aos lisboetas
INÊS BOAVENTURA
02/06/2014 - PÚBLICO
O programa Uma Praça em Cada Bairro contempla 30 intervenções
"prioritárias", que poderão tornar-se uma realidade já a partir do
próximo ano.
Com algumas latas
de tinta, floreiras, bancos e outro mobiliário urbano, a Câmara de Lisboa quer
intervir em 30 ruas e largos da cidade, para permitir que os cidadãos deles se
apropriem, tornando-os “espaços aglutinadores da vida local”. A ideia, explica
o vereador Manuel Salgado, é que, depois de testadas, essas soluções
“reversíveis” de baixo custo possam tornar-se definitivas.
Uma Praça em Cada
Bairro é o nome deste programa, que foi apresentado na última reunião
camarária. No documento distribuído na ocasião, o vereador do Urbanismo lembra
que “são os espaços públicos que dão identidade às cidades” e sublinha a
necessidade de estes voltarem a constituir “o ponto de encontro de todos” e não
apenas “um espaço sobrante, um resto, sem autonomia nem estrutura própria”.
Definir quais são
afinal os bairros de Lisboa foi, admite o chefe da Divisão de Projectos e
Estudos Urbanos, Pedro Dinis, um dos primeiros desafios que se colocaram à
equipa que desenvolveu este programa. Essa ideia é também vincada no texto de
enquadramento do mesmo, no qual se frisa que “o bairro não possui uma definição
precisa”, sendo “uma unidade teórica que na maioria dos casos não possui uma
expressão administrativa física”, pelo que a sua delimitação é “algo imprecisa
e discutível”.
Segundo as contas
do município, em Lisboa existem 230 bairros, nos quais haverá qualquer coisa
como 150 "centralidades", ruas e praças com características que lhes
permitirão ter “um papel de aglutinação social”, como explica o arquitecto
Pedro Dinis. Em conjunto com as juntas, foram escolhidas as 30 consideradas
“prioritárias”, que incluem pelo menos uma em cada uma das 24 freguesias da
cidade. Ajuda, Arroios, Avenidas Novas, Campo de Ourique, Estrela e Santo António
têm, cada uma, duas intervenções previstas.
A intenção, de
acordo com o chefe da divisão de projectos e estudos urbanos, é que para
alcançar um desses espaços os munícipes não tenham de andar mais do que dez ou
15 minutos a pé. O arquitecto diz que as ruas e largos em causa têm “escalas
muito distintas” (que variam, por exemplo, entre a do Largo do Rato e a da
Praça Norte, nos Olivais), mas acrescenta que “em muitos casos” a solução a
adoptar passa no essencial por promover a pedonalização de áreas hoje
consagradas aos automóveis. A Avenida Duque de Ávila é apresentada como um bom
exemplo daquilo que agora se pretende.
Na documentação
que distribuiu, o vereador Manuel Salgado reconhece que este “é um programa
ambicioso”, por estarem em causa “muitas intervenções que necessitam de
projectos mais ou menos complexos e exigem um investimento significativo na sua
concretização total”. Daí que, justifica, se tenha decidido, “para adequar o
programa à capacidade financeira e de realização do município e das freguesias,
mas também para testar algumas das soluções de reorganização viárias
propostas”, apostar numa primeira fase na “adopção de soluções reversíveis”.
Como? “Alterando
a organização do espaço público com recurso a pintura no pavimento, floreiras e
outros elementos de mobiliário urbano amovíveis”, explica o autarca com os
pelouros do Urbanismo e do Espaço Público. Questionado pelos jornalistas sobre
o horizonte temporal em que este programa será concretizado, Manuel Salgado
sustentou que “muitas das intervenções têm condições para ficar prontas neste
mandato”, até porque não necessitam de muito mais do que “umas latas de tinta,
uns bancos e umas floreiras”.
Da apresentação
entregue aos vereadores e jornalistas, consta um “faseamento” que parece mais
optimista: aí diz-se que as “intervenções low cost” serão realizadas ao longo
de 2015 e que no ano seguinte serão lançadas e concluídas as empreitadas que
irão permitir tornar definitiva a instalação de uma praça em cada bairro. Sobre
os custos que isso terá não se fala em lado nenhum.
Na reunião da
Câmara de Lisboa que se realizou na passada semana foram apresentadas, de forma
sucinta, as soluções que se prevê concretizar em Picoas, Saldanha, nos largos
do Calvário, do Rato e da Igreja de Benfica e na Praça Norte. No caso do Largo
do Calvário, por exemplo, está a ser equacionada, por sugestão da Junta de
Freguesia de Alcântara, a reposição de um fontanário antes existente, além da
criação de um novo pavimento e da plantação de árvores. Quanto ao Largo do
Rato, o arquitecto Pedro Dinis adiantou que está a ser pensada a instalação de
uma rotunda, que já ali existiu no passado, e o regresso do eléctrico.
“São as pessoas
que fazem a rua, a praça, o espaço público. O importante não é a obra, é a
forma como o espaço é adquirido. Preocupam-me muito pouco os desenhos
apresentados”, comentou o vereador dos Direitos Sociais. João Afonso considera
que nesta fase o mais importante é mesmo “alargar a discussão” sobre este
programa, para lá dos executivos da câmara e das juntas de freguesia.
O Plaza Program,
que desde 2008 se vem realizando anualmente em Nova Iorque, é um dos exemplos
de que a Câmara de Lisboa se socorreu para o desenvolvimento do programa Uma
Praça em Cada Bairro. No caso da cidade norte-americana, a iniciativa é do
departamento dos transportes, em articulação com entidades sem fins lucrativos,
e visa garantir que todos os habitantes têm acesso a um espaço público “de
qualidade” e “vibrante”, que fique a menos de dez minutos a pé dos locais em
que se encontram.
Em Lisboa, Manuel
Salgado explica que aquilo que no essencial se prevê fazer é "requalificar
cada uma destas microcentralidades aumentando as áreas de estar ao ar livre,
tornando-as mais confortáveis e seguras – alargar passeios, instalar
esplanadas, plantar árvores, criar sombras, reintroduzir a água como elemento
de paisagem urbana, atenuar o impacto do tráfego automóvel –, mas também
incentivar a instalação de comércio e equipamentos colectivos de
proximidade". Para, resume o autarca, citando o arquitecto e urbanista
brasileiro Jaime Lerner, se transformar a cidade "no ponto de encontro das
pessoas que alimenta a centelha criativa do génio urbano
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