Antigo comandante da Protecção
Civil gaba-se de ter podido gastar até 80 milhões sem prestar contas
ANA HENRIQUES
03/06/2014 - PÚBLICO
Juízes confrontam Gil Martins com facturas de restaurantes de centenas de
euros, várias delas datadas do mesmo dia mas passadas em localidades diferentes.
O antigo comandante da Protecção Civil, Gil Martins, gabou-se ontem, em
tribunal ,de ter podido gastar até 80 milhões de euros, quando estava em
funções, sem obrigação de prestar contas a ninguém.
A declaração
indignou uma das juízas do colectivo das varas criminais de Lisboa que está a
julgar Gil Martins pelos crimes de peculato e falsificação de documentos: “Mas
passa pela cabeça a alguém dizer isso?!”. O antigo comandante é acusado de ter
desviado cerca de 118 mil euros dos fundos do dispositivo de combate a
incêndios para pagar despesas suas, de familiares e de amigos, 70 mil dos quais
gastos em refeições, muitas delas em restaurantes de luxo.
Tudo se terá
passado entre 2007 e 2009, período em que foi reembolsado pela Protecção Civil
de inúmeras despesas alegadamente feitas ao serviço. Confrontado com o facto de
ter feito, segundo o Ministério Público, seis refeições no mesmo dia à custa do
erário público, em locais tão distintos como Coimbra, Espinho, Aveiro e
Cadaval, o arguido limitou-se a dizer não estar certo de todas as despesas serem,
efectivamente, suas – embora assuma algumas delas: “Se eram restaurantes caros?
Eram, se fossem comparados com a tasquinha da esquina”.
Numa marisqueira
de Espinho, só de uma assentada foram 348 euros. Doutra vez, num restaurante do
Guincho, foram mais 210 euros. “Mas era dinheiro dos contribuintes! Por que
razão serviu para pagar este tipo de refeições? Gastava o que quisesse, sem
limite nem preocupações?”. À pergunta da juíza, o antigo comandante respondeu
pouco depois: “O meu tecto de despesa eram 80 milhões de euros. Com um estalar
de dedos, sem ter de justificar nada a ninguém”.
Em causa está
ainda a compra de telemóveis, cada um deles no valor de centenas de euros. Entre
outras coisas, os juízes quiseram saber por que motivo foi necessário a
Protecção Civil pagar ao motorista de Gil Martins um aparelho de mais de 400
euros – o que causou alguma estranheza ao arguido, que encara esta e outras
despesas com naturalidade.
Nas buscas à casa
da ex-mulher de Gil Martins foi descoberta uma máquina fotográfica de 1400
euros, um televisor LCD, uma câmara digital e um leitor de DVD, entre outros
artigos. Tudo também pago pela Protecção Civil, e adquirido sem concurso
público. O antigo comandante alega que se tratava, na sua maioria, de
equipamento do qual precisava para trabalhar.
Num armazém que a
Protecção Civil tinha na Base Aérea de Sintra as autoridades encontraram mais
equipamentos – televisores e computadores. Diz a acusação que os mandou comprar
para proveito próprio. Gil Martins nega-o e explica que era ali que iria
funcionar, em caso de haver um sismo em Lisboa, um posto de comando de
rectaguarda da Protecção Civil, razão pela qual nenhum dos equipamentos tinha
sequer sido usado. “Foi tudo comprado baratinho”,
justificou.
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