OPINIÃO
O discurso, a realidade e os pobres
JOSÉ ANTÓNIO PINTO 06/03/2014 - 01:51/ PÚBLICO
A resposta humilhante deste governo para matar a fome a
muitos portugueses já tem lista de espera.
Eu pensava que quando um governante dizia que o país estava
melhor se estava a referir, naturalmente, à elevação dos padrões de qualidade
de vida dos seus habitantes. Um Portugal melhor significava, para mim,
progresso, mais bem-estar, reforço do estado social, mais justiça na repartição
da riqueza criada, menos pobreza, menos desigualdade social, mais investimento
público, menos dependência do exterior.
Este desfasamento existente entre alguns indicadores
económicos e a realidade concreta do quotidiano da esmagadora maioria dos
portugueses demonstra o desprezo que esta política tem pelos mais frágeis, por
aqueles que considero com menos recursos económicos escolares, culturais,
sociais, ou seja, os socialmente mais vulneráveis e desfavorecidos.
Pensionistas com baixas reformas, idosos doentes, desempregados, beneficiários
de rendimento social de inserção.
Não se pode falar em sinais de recuperação económica quando
essa recuperação não se traduz em recuperação social. Mais importante que o
regresso de Portugal aos mercados é o regresso dos Portugueses a níveis de
sobrevivência com dignidade. As estatísticas e os números são importantes mas
por detrás de cada percentagem está um rosto, uma história de vida, uma
família, uma angústia, um desespero, um sofrimento silencioso.
Desde que o programa eleitoral do PSD se transformou no
programa político da troika as medidas de austeridade impostas pela actual
governação estão a destruir a vida de milhares de portugueses.
Os pobres que já eram pobres sofrem agora com Pedro Passos
Coelho os efeitos de uma pobreza cada vez mais severa. Os que estavam no risco
de cair na pobreza, afundaram-se no precipício da precariedade. Os que estavam
a tentar sair da sua situação de exclusão, viram agravada a sua dependência dos
serviços de assistência e são agora confrontados com a necessidade de se
desenrascarem sem a ajuda do Estado pois a Segurança Social está sem dinheiro.
Os novos pobres, muitos deles licenciados, já constam na lista dos que dormem
nas ruas de Lisboa e do Porto.
A perseguição ideológica aos beneficiários de rendimento
social de inserção continua. Com a regulamentação da nova legislação e com a
colaboração de todos os expedientes administrativos e burocráticos da Segurança
Social e dos centros de emprego são todos os dias excluídos milhares de pobres
deste apoio económico de miséria. Os beneficiários renovam o seu pedido de
esmola ao Estado mas, mesmo assim, porque não são convocados atempadamente pelo
técnico gestor para assinarem o chamado contrato de inserção, ficam
automaticamente com este apoio cessado sem um único tostão para sobreviverem. A
responsabilidade não é do requerente, mas sim dos serviços e do sistema da
Segurança Social. Muitos beneficiários reclamam, mas mesmo assim esperam quatro
e cinco meses para os serviços corrigirem este erro de funcionamento tão
penalizador. A lei ainda não foi alterada pois tem como propósito firme deixar
sem apoio e sem protecção social os que já estão a chegar ao fim da linha de
sobrevivência com o mínimo de direitos garantidos.
Pacheco Pereira considera que a social democracia deve ter
como princípio o Estado assumir a função essencial de garantir justiça social,
mas sobretudo dar garantias de que os frutos da riqueza de um país devem ser
distribuídos em primeiro lugar pelos que mais precisam.
Pedro Passos Coelho, que no recente congresso do PSD
realizado no coliseu dos Recreios de Lisboa falou tanto na raiz ideológica do
seu partido e no orgulho da matriz programática fiel à social-democracia,
prefere destruir o estado social e canalizar os recursos financeiros do Estado,
não para proteger as pessoas na velhice, na doença, na pobreza e no desemprego,
mas sim para recapitalizar os bancos, tapar o buraco do BPN, pagar os prejuízos
das parcerias público-privadas, os prejuízos dos Swaps, da fuga de impostos dos
grandes grupos económicos para o estrangeiro, pagar estudos e pareceres aos
escritórios de advogados amigos do seu partido, conceder regalias e privilégios
a assessores e adjuntos.
A dívida privada tornou-se dívida pública, as medidas
temporárias de austeridade tornaram-se definitivas, as ordens do exterior são
em Portugal modos de obediência. Nenhum pobre votou nos senhores do FMI mas são
eles que decidem a sua vida. O tribunal constitucional começa a ser intimidado
e pressionado, o interesse individual sobrepõem-se ao interesse colectivo, a
promiscuidade entre os homens dos negócios e os detentores de cargos políticos
é cada vez maior, as funções sociais do Estado estão diluídas no interesse do
lucro privado. O exemplo da degradação da escola pública para beneficiar o
financiamento de colégios privados é flagrante, a privatização de serviços de
saúde lucrativos não pára de crescer, a gestão do fundo de pensões da Segurança
Social para as mãos das grandes seguradoras privadas é uma evidência, a
investigação científica sem financiamento nas mãos das grandes empresas é uma
triste constatação.
No decorrer deste processo de recomposição social os pobres
já não têm vaga ou lugar nas chamadas cantinas sociais. A resposta humilhante
deste governo para matar a fome a muitos portugueses já tem lista de espera.
Mesmo assim, Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD,
refere com orgulho que este esforço de contenção orçamental para equilibrar as
contas do Estado tem sido feito com enorme sensibilidade social. Mais grave do
que afirmar isto é dizer que o pior já passou, é tentar iludir e hipnotizar os
portugueses com a ideia de que Portugal vai sair deste programa de auxílio
económico externo de forma limpa.
Que limpeza poderá existir para os doentes com cancro que
vivem longe do seu local de tratamento e perderam o subsídio de transporte? Que
limpeza poderá existir na vida de mais de 692 mil desempregados inscritos nos
centros de emprego em Novembro de 2013? Que limpeza poderá existir no coração e
na saudade dos 250 mil portugueses que emigraram no ano de 2013? Que limpeza
poderá existir no dia-a-dia dos idosos que não têm dinheiro para ir à farmácia
adquirir medicamentos? Que limpeza poderá existir nas mãos dos doentes com sida
a quem tem sido negada a disponibilização de medicamentos inovadores por serem
mais dispendiosos para orçamento do Serviço Nacional de Saúde?
Segurança Social. Estado abandona 12 mil pessoas por
mês
Por Filipe Paiva Cardoso
publicado em 6 Mar 2014 in (jornal) i online
Governo cobra cada vez mais e distribui cada vez menos: IRS
subiu 35,5%, custo de vida 20% mas os apoios caem 7%
Passos Coelho, primeiro-ministro, garantiu que é falsa a
ideia de que o governo "esteja sempre a carregar nos mesmos", algo
que é possível confirmar: o executivo tem variado as suas políticas entre
cortes nos salários, cortes aos desempregados e cortes aos reformados. Já os
cortes nas rendas excessivas pagas a empresas, conforme criticou o FMI, ou os
cortes nos juros pagos, nada feito.
Ontem saíram novos dados da Segurança Social que deixaram
evidente o caminho que o governo continuou a percorrer o ano passado: entre
Janeiro de 2013 e Janeiro de 2014,
a rede de segurança do Estado foi alvo de mais cortes
ajudando cada vez menos gente, isto apesar de os impostos sobre os cidadãos que
financiam este rede de segurança serem cada vez mais elevados - só a receita de
IRS aumentou 35,5% no ano passado.
INSEGURANÇA Em relação a Janeiro de 2013, a rede de protecção
da economia começou o novo ano em queda: os 416 mil desempregados que recebiam
um apoio do Estado - subsídio, subsídio social ou prolongamento do subsídio
social - passaram a ser 388,3 mil, uma redução de 6,68%, ainda assim inferior à
queda do desemprego no ano. Mas mais do que a existência de 438,3 mil
desempregados sem apoio do Estado, é de apontar o nível de apoio dado aos 47%
de desempregados que ainda têm direito a uma prestação: se no início de 2013 o
valor médio mensal do subsídio era de 510,2 euros, no início de 2014 já falamos
em menos 40 euros mensais - a prestação média é hoje de 470 euros, o que no
fundo significa o corte de um mês no valor recebido num ano. Assim, os gastos
mensais com desempregados terão passado de 203 milhões mensais para 182
milhões, valor que compara, por exemplo, com a média de 541 milhões pagos em
juros pelo governo a cada mês.
Os cortes maiores verificaram-se noutras rubricas: ao nível
do rendimento social de inserção, o total de beneficiários caiu 18,7% nos 12
meses terminados em Janeiro deste ano, havendo agora 228 mil pessoas a receber
um RSI médio de 88 euros. Também o total de titulares de abono de família
seguiu o mesmo caminho: num ano houve uma redução de 50 mil famílias com
direito direito a abono, menos 4,3% que em Janeiro de 2013. O mesmo nos
beneficiários do complemento solidário para idosos (CSI), que registou uma
redução de 7,9% no total de beneficiários, ou menos 18 mil.
MENOS 12 MIL POR MÊS Considerando o total dos cortes nas
prestações, nota-se que, de Janeiro de 2013 a Janeiro deste ano, 144,2 mil residentes
em Portugal perderam pelo menos um apoio do Estado, uma redução de 6,5% - ou
menos 12 mil por mês. Num ano, Portugal passou de 2,23 milhões de beneficiários
de apoio ao desemprego, abono de família, doença, parentalidade, RSI ou CSI,
para 2,09 milhões.
Retrato do país que o governo acha que está melhor
440 mil desempregados sem qualquer apoio do Estado
No início de 2013, o Estado ainda apoiava 416 mil
desempregados. Contudo,
em apenas um ano, aquele valor caiu até 388,3 mil
desempregados com direito a qualquer tipo de prestação de apoio ao desemprego.
Feitas as contas, 2014 começou com 440 mil desempregados esquecidos pelo
governo.
RSI. Estado apoia menos 52 mil pessoas que em 2013
Mais um conjunto de pessoas que devem ter ficado felizes com
o facto de “Portugal estar melhor mas as pessoas não”. Desde Janeiro de 2013, e
até Janeiro de 2014, as 280,9
mil pessoas que recebiam rendimento social deinserção
passaram a ser menos de 229 mil, uma quebra de 19% em 12 meses.
Subsídio de desemprego já nem vale um salário mínimo
Em apenas oito meses, o governo conseguiu baixar o valor
médio do subsídio de desemprego 8%. Se em Maio do ano passado os 399 mil
desempregados com direito a subsídio recebiam em média 510 euros mensais,
agora, em Janeiro de 2014, os 388 mil desempregados com apoio recebem 470
euros.
IRSexplode mesmo com menos empregos e salários
É uma lógica estranha, mas em Portugal é mesmo assim:o
governo conseguiu aumentar as receitas de IRS 35,5% num só ano, isto apesar de
o desemprego estar a níveis recorde. Além disso,
o aumento da receita de IRSsurge mesmo apesar do
empobrecimento das famílias em Portugal (caixa seguinte).
Em 2010, 48% ganhavam até 10 mil euros. Agora são 66%
É outra curiosidade, especialmente no cenário de um aumento
de 35,5%das receitas de IRS:se em 2010 existiam 2,3 milhões de famílias a
ganhar menos de 10 mil euros anuais, ou 48% do total das famílias, em 2012
contavam-se já 3,04 milhões de famílias nessa situação:66% do total.
Custo de vida também “melhorou”:subiu 20%
Neste“Portugal melhor menos para os portugueses” é ainda de
destacar a evolução do custo de vida nos últimos anos. Se salários e pensões
foram cortados, o custo de vida explodiu:o preço da electricidade subiu 23%, o
uso de hospitais ficou 19,3% mais caro e até o ensino superior ficou 5,1% mais
caro.
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