A cilada da RTP a Sócrates
Daniel Oliveira
8:00 Terça feira, 25 de março de 2014 / EXPRESSO online
Não tenho
qualquer problema com espaços de comentário televisivo de pessoas que tenham
tido responsabilidades governativas. Tenho dúvidas da sua utilidade
informativa, mas parece indiscutível que têm saída. Entre os comentadores
políticos temos quatro ex-líderes do PSD, um ex-líder do PS, um ex-líder do BE,
dois ex-primeiros-ministros e muitos ex-ministros. Por uma qualquer razão que
me escapa, apenas um levantou grande celeuma, com petições e protestos. Mas
adiante.
O modelo usado na
maioria dos espaços ocupados por estes comentadores é o mesmo: um jornalista
lança os temas, eles comentam. Não é uma entrevista, que seria absurdo, já que
teria de se repetir todas as semanas e a coisa acabaria por se esgotar. Também
não é um modelo de confronto. Marcelo comentou anos na RTP, tendo até, durante
algum tempo, uma excelente jornalista (Flor Pedroso) a chamar-lhe a atenção
para alguma contradição no seu comentário, sem que nunca se tivesse chegado ao
ponto dum enfrentamento ou duma entrevista. O que é natural: ou bem que se tem
um comentador que comenta e o registo é amistoso, ou bem que se tem um
entrevistado que se entrevista e o registo é um pouco mais distanciado, ou bem
que se tem um opositor com que se debate, para o qual se chama um debatente
qualificado, e o registo é mais crispado. Até se pode arriscar, mudar as coisas
e ter comentadores que são tratados com agressividade. Em todos os casos,
mandam as regras que quem ali vai saiba o que o espera. Se não se montam
armadilhas a entrevistados, por maioria de razão não se faz tal coisa a um
comentador da estação. E os telespetadores também é suposto saberem o que é
aquilo a que estão a assistir.
No último domingo
assistimos a um dos momentos mais bizarros do jornalismo nacional. A jornalista
que costuma acompanhar o espaço de comentário de José Sócrates foi substituída
por José Rodrigues dos Santos (e, alternado, João Adelino Faria). Pelo menos de
quinzenalmente, um espaço de comentário passou a ser um espaço de entrevista
agressiva. Mudança para qual o entrevistado evidentemente não tinha sido
prevenido. As coisas não foram tomando esse caminho. Foram planeadas. Era
evidente que o "entrevistador" se tinha preparado, estando munido de
material do "seu arquivo", disse este autor de tantos trabalhos
jornalísticos sobre a política nacional (ironia), que não lhe caiu na mesa à
última da hora. E que não deu ao comentador transformado em entrevistado a
mesma possibilidade de preparação. É que (sei o que digo) a preparação para
fazer um comentário é diferente da preparação para uma entrevista.
Nunca, em anos e
anos de comentário político de Marcelo Rebelo de Sousa ou qualquer outro
ex-dirigente partidário transformado em comentador, tal aconteceu. Muito mais
grave: nunca o atual primeiro-ministro foi entrevistado com tanta agressividade
na RTP. Muito menos foi confrontado, de forma tão sistemática, com as inúmeras
contradições entre o que disse no passado e o que diz agora. Mais estranho
ainda: nunca o anterior primeiro-ministro, o mesmíssimo José Sócrates, foi
entrevistado com esta agressividade na RTP quando exercia funções. O que só
pode querer dizer que a RTP tem mais respeito pelos primeiros-ministros em
funções do que pelas pessoas que convida para ter espaços de comentário na
estação. Mesmo quando a pessoa é a mesma.
Não me custa nada
ver um jornalista a confrontar José Sócrates com as suas incoerências. Com o
que disse no passado e diz no presente, que muitas vezes é diferente. Pelo
contrário, acho muitíssimo justo que isso seja feito. Se lamento alguma coisa,
é não ver o mesmo exercício experimentado com outros ex-políticos comentadores.
E preferia que fosse feito por jornalistas com mais preparação política do que
o cidadão comum, para não passarem pelo desnecessário enxovalho que passou
Rodrigues dos Santos. Até porque algumas dúvidas eram pertinentes. Só faltava o
jornalista conseguir perceber o que estava a perguntar. Sócrates quis regressar
para se bater pelo seu legado político, não vejo mal nenhum que seja
confrontado com ele. O que me parece um pouco estranho é que a RTP o convide para
fazer comentário político - quando era necessário ensombrar Seguro com a
anterior liderança - e, sem aviso nem razão aparente, esse espaço passe a ser,
quando essa função deixa de ser útil ao governo, de julgamento político do
comentador.
Sabendo alguma
coisa de jornais e televisões, não tenho qualquer dúvida que José Rodrigues dos
Santos não agiu espontaneamente nem sequer por decisão individual. Tratou-se,
vamos chamar as coisas pelos nomes, de uma encomenda. Basta ver Rodrigues dos
Santos com Morais Sarmento para saber que não se trata de um
"estilo". Mas ainda que se tratasse, esse estilo tem um problema: o
debate agressivo exige muita preparação política. E, quando de um dos lados
está um jornalista, exige uma enorme habilidade para que este não passe a ser
visto pelos telespetadores como uma das partes. No fim, depois de várias
semanas a que Sócrates, com bastante experiência de debate, resistirá
facilmente, será Rodrigues dos Santos que ficará a perder na sua própria imagem
de insenção. Foi ele que subiu a parada. Parece-me que não percebeu bem em que
jogo perigoso se meteu.
Estou-me nas
tintas para a facilidade ou dificuldade que aquele momento teve para Sócrates. Estou-me
ainda mais nas tintas para os amores e ódios que o homem provoca em tanta gente.
Confesso que esta relação passional com os políticos me deixa sempre
indiferente. Interessam-me, isso sim, os jogos políticos que se fazem na
televisão pública nacional. Tenho as minhas teorias. O objetivo do convite
feito a Sócrates para ter um espaço de comentário era fragilizar Seguro o
suficiente para que a sua liderança nunca se impusesse no PS. Era garantir,
através da sombra do ex-primeiro-ministro, um líder fraco na oposição. Não era
dar a Sócrates a oportunidade de ser o ator político com mais influência na
base eleitoral socialista, capaz de dificultar futuros entendimentos do PS com
o PSD.
O papel de
Sócrates está cumprido. Depois de lhe facilitar a vida, agora trata-se de a
dificultar. Há que o empurrar para fora da RTP. Apenas se esquecem de uma
coisa: se há político que não é fácil empurrar é este. Esse é, aliás, um dos
segredos da sua popularidade e da sua impopularidade. E não me parece que
Rodrigues dos Santos chegue para tal empreitada. Mesmo quando o tenta através
de uma inaceitável cilada, oferecendo-se a si próprio a vantagem de não ter
previamente dado ao entrevistado a relevante informação de que iria estar numa
entrevista.
Comentário RTP. José Rodrigues
dos Santos diz que avisou Sócrates das mudanças
Por Jornal i
publicado em 24
Mar 2014 / in (jornal) i online
O jornalista diz
ainda que na RTP a "linha editorial é de isenção"
Afinal José Sócrates
tinha sido avisado que o seu espaço habitual de comentários ao domingo na RTP
iria mudar. Ao contrário dos programas anteriores, o ex-primeiro-ministro foi
confrontado por José Rodrigues dos Santos com afirmações antigas feitas em 2010
e 2011.
Irritado,
Sócrates respondeu "não vinha preparado para isto (…) no próximo
comentário, virei preparado com os meus arquivos".
No entanto, José
Rodrigues dos Santos emitiu, esta segunda-feira, um comunicado em que diz que é
" falso que José Sócrates desconhecesse esta minha linha de
pensamento", disse. "Almoçámos e expliquei-lhe o meu raciocínio.
Avisei-o de que, se encontrasse contradições ou aparentes contradições entre o
que diz agora e o que disse e fez no passado, as colocaria frente a frente e
olhos nos olhos, sem tergiversações nem subterfúgios, como mandam as regras da
minha profissão. Far-me-ão a justiça de reconhecer que fiz o que disse que ia
fazer. "
O jornalista diz
ainda que na RTP a " linha editorial é de isenção". "Isto
acontece porque se trata de um meio público, pago por todos os contribuintes,
pelo que deve reflectir as diferentes correntes de opinião. Os jornalistas
esforçam-se por escrever as notícias com neutralidade e, nos debates, os
moderadores esforçam-se por permanecer neutrais", acrecenta.
RTP defende "estilo" de
Rodrigues dos Santos no comentário de Sócrates
Rotatividade de pivôs no Telejornal altera jornalistas que acompanham José
Sócrates no seu espaço de comentário. Primeira emissão com Rodrigues dos
Santos, ontem à noite, teve um tom mais inflamado do que o habitual.
Adriano Nobre
12:43 Segunda
feira, 24 de março de 2014 / EXPRESSO online
O diretor de
informação da RTP, José Manuel Portugal, considera "natural" o
registo em que ontem decorreu a rubrica de comentário político de José
Sócrates. "Aquele espaço não é só de comentário, portanto o jornalista que
lá está não deve ter uma presença apenas simbólica", diz ao Expresso.
As palavras do
diretor de informação da RTP surgem depois de - na emissão de ontem da rubrica
habitualmente emitida no Telejornal de domingo à noite - o jornalista José
Rodrigues dos Santos e o ex-primeiro-ministro terem debatido de forma acesa durante
25 minutos, e mais em registo de entrevista do que de comentário, várias
decisões e declarações públicas de Sócrates durante a sua passagem pelo
Governo.
"Eu não
vinha preparado para isto", chegou a desabafar José Sócrates durante o
programa, enquanto respondia às sucessivas perguntas lançadas por Rodrigues dos
Santos, com base em recortes de imprensa - "os meus arquivos", disse
- que o jornalista ia consultando.
"É uma
questão de estilo do jornalista. Quando o José Rodrigues dos Santos fizer o programa
de comentário de Morais Sarmento, acredito que será igual. Embora também
saibamos que é diferente falar com um ex-primeiro-ministro como José Sócrates
ou com alguém que foi ministro, como Morais Sarmento. Os graus de
responsabilidade são diferentes", resume José Manuel Portugal, garantindo
que não houve qualquer decisão relativamente a alterações no formato deste
espaço de comentário, onde Sócrates tinha habitualmente a companhia da
jornalista Cristina Esteves.
"A única
mudança que existiu é que desde o início de março a rotação de pivôs no
Telejornal passou a ser feita entre o João Adelino Faria e o José Rodrigues dos
Santos. De resto, nada se altera", explica o diretor de informação da RTP.
Apesar do tom
mais 'áspero' do programa, no final José Sócrates considerou que tinha sido
"uma boa discussão" e deixou uma indireta a Rodrigues dos Santos.
"Vamos ter oportunidade [de continuar] daqui a 15 dias. Eu vou-me preparar
e espero que o José Rodrigues dos Santos encontre nos seus arquivos outras
coisas, que não apenas aquilo que me é desfavorável."
Audiência
estabiliza nos 500 mil
A média de
audiências do espaço de comentário de Sócrates na RTP estabilizou em fevereiro
e março deste ano entre os 520 mil e os 540 mil telespetadores por emissão. Um
valor que representa uma quebra face aos mais de 700 mil telespetadores que
acompanharam as primeiras emissões deste formato, que arrancou em abril do ano
passado num espaço autónomo e que depois acabou por ser integrado no
Telejornal.
Ainda assim, a
média atual de audiência do espaço de comentário de Sócrates traduz um ligeiro
crescimento face aos valores registados no final do ano passado e em janeiro
deste ano, onde a média de audiência chegou a baixar a fasquia dos 500 mil
telespetadores.
Recorde-se que o
'campeão' de audiências em espaços de comentário políticos continua a ser
Marcelo Rebelo de Sousa, que também ao domingo, na TVI, gerou entre janeiro e
março deste ano uma audiência média de mais de 1,6 milhões de telespetadores
por emissão.
Na SIC, o espaço
de comentário de Marques Mendes, emitido ao sábado à noite, foi acompanhado nos
primeiros meses deste ano por uma média de um milhão de telespetadores por
emissão.
Suspensão
temporária ainda em estudo
Noutro plano, a
direção de informação da RTP está ainda a estudar a possibilidade de suspender
os espaços de comentário político de José Sócrates e de Morais Sarmento durante
o período oficial de campanha para as eleições europeias.
Como o Expresso
avançou na semana passada, a "eventual" adoção da medida está
relacionada com "questões de equidade" na representação
político-partidária em espaços de comentário na grelha do canal público durante
a campanha.
A decisão final
deve ser tomada nos próximos dias, não estando em causa, segundo os
responsáveis da RTP, o regresso destes formatos de comentário político após as
eleições.
Sem comentários:
Enviar um comentário