França proíbe cultivo de milho transgénico da Monsanto
LUSA 15/03/2014 - 15:43
Milho Mon 810 tem autorização
da União Europeia, mas a França defende que há muitas incertezas em relação à
sua utilização.
O Governo francês decidiu proibir o cultivo do milho
transgénico da multinacional Monsanto, autorizado pela União Europeia, a
algumas semanas da cimeira de líderes e quando é esperada a apresentação de um
projecto de lei, em Abril.
Num decreto-lei publicado este sábado, o Governo justifica a
decisão de proibir a variedade de milho Mon 810 dizendo que o seu cultivo,
"sem medidas de gestão adequadas, representaria riscos graves para o
ambiente, assim como perigo de propagação de organismos danosos". O
documento refere várias vezes o "princípio de precaução" e as
"incertezas" sobre as consequências da presença deste milho
geneticamente modificado.
O executivo francês recorda que este tipo de milho foi
autorizado pela UE em 1998 com base numa directiva europeia de 1990 que
considera ter um nível de exigência "muito mais débil" na avaliação
de riscos do que a lei que a substituiu em 2001. De qualquer modo, o Governo
acrescenta que a Comissão Europeia está a preparar uma alteração àquela
directiva, uma matéria em debate com os Estados-membros.
A decisão governamental surge depois de a Associação Geral
dos Produtores de Milho francesa ter anunciado a intenção de alguns
agricultores de recorrer este ano ao milho transgénico autorizado pela UE. A
França já tem defendido a necessidade de alterar os procedimentos europeus de
autorização dos organismos geneticamente modificados (OGM) para torná-los mais
exigentes e permitir que, em última instância, seja cada país a decidir.
A cimeira de líderes europeus está marcada para 20 e 21 de
Março.
Regras europeias impõem cortes drásticos no uso de
pesticidas
MANUEL CARVALHO 15/03/2014 - PÚBLICO
Práticas da protecção
integrada são obrigatórias desde Janeiro na agricultura, o que limita o uso de
pesticidas e herbicidas a situações extremas. Boas notícias para o ambiente e
para a saúde humana
O tempo das grandes pulverizações de pesticidas com recurso
a aviões entrou definitivamente no capítulo da memória. Em Portugal pelo menos.
Por força de legislação europeia que remonta a 2009, os agricultores nacionais
foram obrigados a adoptar práticas de protecção integrada nas suas explorações
a partir do dia 1 de Janeiro de 2014. Ou seja, só poderão aplicar pesticidas
químicos quando estiver em causa um comprovado “prejuízo económico” resultante
do ataque de insectos, fungos ou ácaros.
Depois de duas décadas de evolução nas práticas agrícolas em
favor de uma maior sustentabilidade, esta nova etapa é uma boa notícia para o
ambiente e para os consumidores. Os agricultores têm pela frente novos
desafios, mas nada que preocupe as autoridades. “Temos cada vez mais respostas
tecnológicas capazes de superar as restrições no uso de fitofármacos”, diz
Francisco Gomes da Silva, secretário de Estado das Florestas e do
Desenvolvimento Rural.
Há dois anos que a Direcção Geral de Alimentação e
Veterinária, DGAV, preparava as mudanças estreadas no princípio do ano. Um
grupo de trabalho tratou de definir um programa de acção, com medidas de
formação e de acompanhamento, com iniciativas de prevenção, com a qualificação
de profissionais capazes de saber quando e como aplicar pesticidas ou herbicidas,
com a criação de uma rede de vendedores autorizados destes produtos. Pelo meio,
centenas de marcas de fitofármacos mais perigosos foram retirados do mercado.
“Fizemos acções um pouco por todo o país e a mensagem tem passado”, diz Maria
Teresa Villa de Brito, directora-geral da Alimentação e Veterinária. Com mais
dificuldades junto da população agrícola e com menos índice de formação
profissional (22% não têm qualquer nível de instrução), mas com sucesso
garantido junto da nova vaga de jovens que chegaram à agricultura.
À partida, Portugal não apresentava um índice de utilização
de pesticidas acima dos valores médios da União Europeia. “Nós não tínhamos
propriamente um problema antes da aplicação desta vaga de legislação europeia”,
confirma Maria Teresa Villa de Brito. Mas, não havendo notícia de fortes
índices de contaminação química de solos ou de cursos de água, há alguns
sistemas de agricultura nos quais o uso de químicos é elevado. Na viticultura,
por exemplo. Ou nas áreas de milho de regadio, nas quais a combinação entre o
calor e a humidade faz aumentar o perigo de fungos e de bactérias e a
necessidade do combate químico. Ou ainda na ausência de invernos rigorosos, que
permitem a desinfecção dos solos. “Mas não é verdade que tenhamos problemas sanitários
superiores aos europeus”, garante Francisco Gomes da Silva. Das 865 amostras de
produtos vegetais fiscalizadas em 2011 para verificação do nível de resíduos de
fitofármacos, apenas 2.3% apresentavam valores acima dos prescritos na lei.
Transição lenta e natural
Essa condição permitiu que a transição do uso livre de
pesticidas para o sistema condicionado da protecção integrada se fizesse sem
dramas. Pelo menos ao nível da agricultura profissional, ou da grande
agricultura, das zonas agrárias mais desenvolvidas. Junto dos pequenos
agricultores das zonas mais remotas, o conceito de protecção integrada continua
a ser uma realidade distante. Aí, o hábito de décadas que consiste em combater
os problemas nas culturas com recurso aos químicos limita a adopção da
protecção integrada. “São conceitos vagos para muitos agricultores, por vezes
eles não têm consciência”, admite Cláudia Gonçalves, técnica da Confederação
dos Agricultores de Portugal (CAP) responsável pelo acompanhamento da área do
Ambiente, que inclui a promoção de Modos de Produção Sustentável. Em culturas
como a da vinha, o uso de enxofre (o fungicida de longe mais utilizado na
agricultura portuguesas) repete-se de geração em geração, e não é de um momento
para outro que a noção de prevenção ou a definição de um limiar de perdas
“economicamente inaceitáveis” entra nesta equação.
Na maior parte dos casos, porém, a transição fez-se de forma
lenta e natural. A reforma da Política Agrícola Comum europeia de 1992 começou
a equacionar as primeiras fórmulas de estímulo da protecção e produção
integrada, criando as “medidas agro-ambientais” baseadas em práticas amigas da
extensificação das culturas e na redução de uso de produtos químicos. Aos
poucos, os valores de uma prática agrícola mais amiga do ambiente foram
ganhando raízes. “Após as medidas agro-ambientais os agricultores começaram a
adoptar voluntariamente a protecção integrada”, diz Cláudia Gonçalves. Nos
últimos anos, as autoridades registaram um recuo nítido no consumo de
fitofármacos em Portugal, que passaram de um total de 17 mil toneladas em 2007
para cerca de 14 mil toneladas em 2011. Esse valor deverá reduzir-se já este
ano.
Uma empresa agrícola como a Sogrape, que produz vinho no
Douro, no Alentejo, na região do Vinho Verde e no Dão é um exemplo dessa
mudança. Nos seus extensos vinhedos não só se adoptaram as práticas da
protecção integrada como da produção integrada, “o que implica um cuidado
especial em todas as operações de produção, desde o uso do solo, da água,
etc.”, diz António Graça, responsável pela área de Investigação e
Desenvolvimento da Sogrape e director da Advid, uma associação profissional que
há décadas promove a protecção integrada no vale do Douro. Esta opção, para lá
da sua valia ambiental, justifica-se também por uma razão de natureza
económica. “O custo dos fitofármacos é elevado e o seu uso deve ser feito
apenas em momentos especiais”, quando a severidade dos ataques põe em causa a
viabilidade económica de uma colheita, diz António Graça.
Lógica de prevenção
Deixando os pesticidas para operações de último recurso, os
produtores ficam mais dependentes de operações de monitorização da evolução da
população de agentes danosos e do seu controlo. O Plano de Acção da DGAV prevê
várias destas acções para evitar a necessidade do último recurso – o ataque
fitofármaco. “É fundamental desenvolvermos uma lógica de controlo, de
prevenção”, diz Maria Teresa Villa de Brito. No Douro, a ADVID tem por exemplo
uma rede de captura de insectos que causam danos nas videiras que lhe permite estabelecer
a dimensão da sua população. Cláudia Gonçalves dá conta de outras operações já
usadas pelos agricultores em Portugal: largada de auxiliares (insectos criados
em biofábricas que são inimigos naturais dos infestantes), lançamento de
hormonas que provocam confusão sexual e, no caso das ervas daninhas, a
solarização, que consiste na cobertura do solo com um plástico preto para
destruir fundos e nemátodos. “Todos os anos aprendemos coisas novas”, diz a
propósito António Graça.
Apesar de todas estas técnicas, há momentos do ano em que a
coincidência de períodos de calor com altos índices de humidade torna o recurso
aos fitofármacos inevitável. E a redução do número de produtos disponíveis no
mercado (dos 907 existentes em 2012, resistiam no ano passado apenas 220) pode
trazer problemas para Portugal. “Na Europa há condições climáticas distintas,
os problemas fitossanitários entre nós são muitas vezes específicos. Isso pode
significar que as mudanças de regras na Europa possam ter impacte real nos agricultores
portugueses”, diz Francisco Gomes da Silva. Alguns dos produtos banidos podem
ser irrelevantes na Holanda, por exemplo, mas importantes para atacar pragas em
Portugal.
“Somos muito pequenos, e a nossa dimensão de mercado não
instiga as grandes empresas a desenvolver substâncias activas específicas para
os nossos problemas”, diz Francisco Gomes da Silva. O secretário de Estado, que
tem uma profunda ligação à produção, recorda o caso de uma larva que atacava a
pele da batata para a qual não havia antídoto em Portugal. “Lá conseguimos uma
resposta, mas a dúvida é se pode haver uma situação em que as respostas cheguem
tarde de mais”, acrescenta. A directora geral da Alimentação e Veterinária
lembra que, se houver necessidade comprovada, é possível pedir a inclusão de um
determinado fitofármaco na lista oficial aprovada, após consulta e autorização
da Comissão Europeia.
Internacionalmente há mais de meio século que se discutem os
danos dos pesticidas no solo, nos lençóis freáticos, no ar ou na contaminação
de tecidos de espécies vegetais e animais. Em 1962 a obra da bióloga
Rachel Carson, “Primavera Silenciosa”, alertava já para os danos do DDT no
meio-ambiente. Mas só depois dos anos 1990 é que se começou a perceber toda a
extensão dos perigos dos fitofármacos. A sua resistência ao tempo (entre 22 e
30 anos no caso do DDT), a sua capacidade de viajar para zonas muito distantes
do lugar de aplicação (foram descobertos vestígios de pesticidas na fauna
marinha do Pólo Norte), o seu poder de destruição dos ecossistemas, como
aconteceu nas ilhas de Guadalupe e de Martinica após décadas de aplicação
intensiva de químicos na cultura da banana levaram os governos dos Estados
Unidos e da União Europeia (e de outros países desenvolvidos) a adoptar medidas
restritivas ao seu uso. A obrigatoriedade de recurso à protecção integrada é
mais um passo nesse caminho.
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