Governo já atribuiu 772 vistos
gold, dos quais 612 a
chineses
MARGARIDA GOMES
23/03/2014 - 22:08
Criados em Outubro de 2012, para atrair investimento estrangeiro, vistos gold
já traduziram um investimento de 464 milhões de euros. BE acusa Portas de ter
aberto as portas à "lavagem de dinheiro".
O Estado
português concedeu um total de 612 autorizações de residência para actividade
de investimento a cidadãos chineses desde que o programa foi criado, em Outubro
de 2012, pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas.
Em avaliação nos
Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) está uma lista com cerca de mais
400 cidadãos chineses à espera de obter o chamado visto gold que lhes permite
passar a residir em Portugal, beneficiando ao mesmo tempo da possibilidade de
circular no espaço Schegen, sem necessidade de visto por curtos períodos de
tempo.
Segundo
informação oficial avançada ao PÚBLICO pelo Ministério dos Negócios
Estrangeiros (MNE) Portugal atribuiu, até ao dia 19 de Março, 772 autorizações
de residência, o que representa um investimento de 464 milhões de euros. Destes
772, a
grande maioria – 612 – são chineses, não fazendo parte nem os cidadãos de Hong
Kong nem de Macau.
A procura dos
vistos gold em Portugal por parte da comunidade chinesa levou o director do Serviço
de Estrangeiros e Fronteiras, Manuel Palos, a propor ao Governo, já este ano, a
colocação de um inspector do SEF naquele país asiático. Segundo o Diário de
Notícias avançava ontem, a designação do inspector do SEF “será feita em breve”
e a proposta conta com o acordo do secretário de Estado da Administração
Interna, João Almeida
Este oficial será
também responsável pela imigração de cidadãos de Macau e Xangai, o que permite
ao SEF ficar com o controlo local na avaliação dos candidatos. O PÚBLICO questionou
ontem os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras sobre a designação do inspector
do SEF, mas na informação que nos foi fornecida, via email, não constava
qualquer resposta sobre esta questão.
O SEF também não
fez nenhuma referência relativamente ao cidadão chinês detido na quinta-feira e
alvo de um mandado de captura internacional emitido pela Interpol, a pedido das
autoridades chineses. O cidadão em causa fez o pedido de autorização de
residência para actividade de investimento em Julho do ano passado e o visto
gold chegou em Janeiro deste ano, ou seja, um mês antes da emissão do mandado
de captura pela Interpol.
Sucede que entre
a concessão do visto e o mandado de captura da Interpol colocado no sistema, há
quem questione a razão pela qual a China não informou Portugal, durante o
processo de averiguações prévio, sobre as suspeitas que pendiam relativamente
ao cidadão agora detido, na zona de Cascais, onde comprou uma casa de luxo,
alegadamente com dinheiro ilícito resultante de crimes cometidos no seu país.
Desde que o
programa foi criado, os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras recusaram o visto
gold a 11 cidadãos estrangeiros. Uma das razões apontadas para o indeferimento
dos pedidos terá a ver com “incumprimentos de requisitos”. Mas sobre isto, o
SEF não faz nenhum comentário. A única coisa que revela é que das 11
candidaturas indeferidas “cinco são relativas a investidores e seis a
familiares”. Uma das recusas, segundo
recordava ontem o Diário de Notícias, estava relacionada com o pedido apresentado
por um operacional das "tríades" chinesas, o qual procuraria por via
deste visto circular no espaço europeu. O indivíduo, que se propunha comprar
uma casa, fazia parte do crime organizado chinês desde 1990 e estava
referenciado internacionalmente.
Ao PÚBLICO o
actual vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, sustentou que a detenção deste
cidadão chinês, cuja transferência de capital foi feita através do banco BES, e
com recurso a uma sociedade de advogados, vem provar que o "crivo de
segurança funcionou duplamente".
Das 772 das
autorizações de residência atribuídas, apenas duas assentavam no requisito que
obriga à criação de pelo menos 10 postos de trabalho. A criação de emprego por
esta via, recorde-se, foi o argumento que o então ministro dos Negócios
Estrangeiros Paulo Portas esgrimiu para defender os vistos dourados. O
investimento realizado centra-se na aquisição de bens imóveis de valor igual ou
superior a meio milhão de euros, seguido da transferência de capitais num
montante igual ou superior a um milhão de euros.
Em apenas dois
meses, Janeiro e Fevereiro, a procura de imóveis para compra registou, segundo
a Rádio Renascença, um aumento de 30% face a igual período do ano passado. Os
vistos gold e o regime fiscal para residentes não habituais são os grandes
impulsionadores deste aumento.
Os chineses têm
sido um dos principais beneficiários, bem como os brasileiros e os russos,
segundo dados da Associação Portuguesa de Mediadores Imobiliários, que
considera 2014 um ano de mudança no
sector.
O coordenador do
Bloco de Esquerda, João Semedo, reagiu de forma veemente à detenção do cidadão
chinês procurado pela Interpol, declarando que os vistos gold transformam o
país “num paraíso para burlões internacionais”.
“É preciso dizer
que este aliciamento não se está a traduzir em nenhum investimento na economia,
como anunciou Paulo Portas”, disse ao PÚBLICO João Semedo, que contesta a
entrada de capitais no país “cuja origem está por esclarecer”, o que traduz “um
risco para a segurança do país”.
“Este esquema de
atracção de capitais propícia que Portugal seja um país para lavar dinheiro e
ninguém de bom senso pode aceitar isso”, disse ainda o coordenador do BE,
responsabilizando o vice-primeiro, Paulo Portas, por ter criado estes vistos.
Sem comentários:
Enviar um comentário