EDITORIAL
Cavaco tenta sanar o que é
insanável
O Presidente da República lançou as europeias e voltou a pedir
entendimentos políticos
DIRECÇÃO
EDITORIAL 19/03/2014 / PÚBLICO
Cavaco Silva
marcou as europeias para 25 de Maio e aproveitou a comunicação ao país para
fazer os habituais apelos à participação numas eleições em que os portugueses
normalmente se mostram pouco interessados e em que o nível de abstenção supera
a fasquia dos 60%. Mas pelo meio não deixou de dar alguns recados aos partidos
políticos. O primeiro foi para aqueles que se candidatam a representar o país
no Parlamento Europeu. Cavaco Silva, num país que sofre da fadiga de
austeridade, diz que os 21 eleitos devem ter como “prioridade” da sua actuação
política o “crescimento económico, criação de emprego e coesão social”.
O segundo recado,
já bastante repetido, é o apelo a um consenso entre os partidos que assinaram o
memorando da troika. Numa mensagem política clara ao PSD e PS, Cavaco Silva
veio dizer que “o agravamento de crispações partidárias poderá prejudicar
entendimentos que se venham a revelar indispensáveis no futuro”. O Presidente
da República sabe que durante a précampanha e a campanha eleitoral para as
europeias as posições vão ficar mais extremadas e, como tal, pede “para que
exista um debate de ideias, em vez de uma troca de ataques”.
A intenção de
Cavaco Silva é boa, mas não terá pernas para andar. Se durante a crise política
do Verão de 2013 — em que o Presidente tentou a solução de um governo de
salvação nacional, propondo ao PS a antecipação das eleições — Belém não
conseguiu sentar Passos e Seguro à mesma mesa, não será agora, às portas das
europeias que vai ter êxito. As duas palavras de António José Seguro esta
semana, no final do encontro que teve com o primeiro-ministro — “divergências
insanáveis” —, dizem tudo. E vão marcar o tom da campanha. E não é a dois meses
das eleições que Cavaco vai conseguir sanar o que parece ser mesmo insanável.
OPINIÃO
Como sanar o insanável
JOÃO MIGUEL
TAVARES 20/03/2014 - PÚBLICO
Como explicar que Angela Merkel diga exactamente o mesmo com o intervalo de
três anos?
A bem da fraterna
reconciliação entre socialistas e sociais-democratas, permitam-me começar este
texto com uma citação e uma pergunta. A citação é de uma notícia do PÚBLICO:
“Em conferência de imprensa a seguir ao encontro com o primeiro-ministro
português, a chefe de Governo alemã sublinhou que Portugal tem dado passos na
direcção certa, apelidou as medidas de austeridade de corajosas e disse que
‘Portugal está num muito bom caminho’.” Eis a pergunta: quando é que foi
escrita esta notícia do PÚBLICO? Terá sido há dois dias, aquando do encontro de
Angela Merkel com Pedro Passos Coelho?
Não, não foi. A
notícia citada é de 2 de Março de 2011, era então José Sócrates
primeiro-ministro de Portugal. Reparem como o coração de Angela Merkel é
generoso: a chanceler alemã gostava tanto de Sócrates em 2011 como gosta de
Pedro Passos Coelho em 2014. Um amor pelo político lusitano que depois se
estende à própria pátria. Em 2011, Portugal estava no “muito bom caminho”.
Actualmente, “Portugal está no caminho certo” – frase que, segundo a imprensa,
foi salientada “várias vezes” ao longo da conferência. E também em relação aos
elogios da política da austeridade encontramos um padrão coerente: “Mérito de
quem aplicou as medidas austeras”, disse a Merkel 2014; palmas para quem
aplicou “medidas de austeridade corajosas”, afirmou a Merkel 2011.
Por estes
exemplos se vê como a fotoviagem de Passos Coelho a Berlim em vésperas do final
do programa de ajustamento é em tudo idêntica à de José Sócrates na véspera da
apresentação do PEC IV. Isto levanta um desafio: como explicar tamanha
proliferação de encómios da chanceler alemã para com a nossa pátria e os nossos
governantes, sejam eles do PSD ou do PS? Como explicar que Angela Merkel diga
exactamente o mesmo com o intervalo de três anos? Por que raio é que o caminho do
país é sempre certo, muito bom, excelente e magnífico, independentemente de
quem está no governo?
A resposta a esta
pergunta só pode ser uma: pela simples razão de que o caminho seguido por
Portugal – o caminho da malvada e muito vilipendiada austeridade – é o caminho
que Angela Merkel (e a Europa, e os credores) requer e exige, independentemente
de quem esteja sentado em São Bento. Foi o caminho de Sócrates em 2011. É o
caminho de Passos Coelho em 2014. E tudo indica que irá ser o caminho de
António José Seguro em 2015 ou 2016. É, tristemente, o caminho da
inevitabilidade, que tanto o PS como o PSD seguiram, seguem e seguirão, porque,
por muito que falem, não têm outro remédio, não há alternativa melhor – e
Angela Merkel estará sempre disponível para o explicar em conferência de
imprensa.
Daí que, quando
questionada sobre os desentendimentos entre Pedro Passos Coelho e António José
Seguro, a chanceler alemã tenha respondido apenas: “A oposição também apoia as
medidas orçamentais.” Que é como quem diz: “O PS também subscreveu o Pacto
Orçamental.” O tal pacto, para quem não se recorda, que obriga a descer a
dívida de 129% para 60% do PIB a toque de caixa. Uma loucura, claro. Mas uma
loucura que tem por baixo a assinatura de António José Seguro. O tal Seguro das
“divergências insanáveis”. O tal Seguro que ainda veremos daqui a dois anos em
Berlim, elogiado por Angela Merkel em conferência de imprensa, devido às suas
políticas de austeridade e às medidas corajosas que foi obrigado a tomar. Tudo
para que Portugal permaneça “no bom caminho”, claro.
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