Durão Barroso inventou um caderno de encargos presidencial para os partidos
políticos
EDITORIAL / PÚBLICO / 30-3-2014
Um bloco central, uma maioria, um... O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, é um membro por inerência do clube exclusivo dos presidenciáveis, uma comunidade de candidatos virtuais inventada pelos media e pelo sistema político. É um clube no qual não se entra querendo; na verdade, a forma mais conhecida de pedir a senha de acesso é fingindo-se desinteressado. É-se presidenciável em função de um cálculo volátil de disponibilidade, passado político e oportunidade, entre outros factores. Sendo virtual, este clube é muito importante. Por força da natureza das coisas, o verdadeiro candidato passará sempre pelo clube dos presidenciáveis virtuais, onde é feito um primeiro tirocínio. Por isso, esta comunidade é também o clube dos presidenciáveis mortos. Um sítio perigoso.
Na extensa
entrevista que deu ao Expresso e à SIC, Durão Barroso volta a dizer que não
está interessado em Belém. Nada de extraordinário; a hora de avançar ainda não
chegou e, por agora, é apenas tempo de deixar as portas entreabertas, não de as
abrir ou fechar. Como o sabem os outros potenciais candidatos do
centro-direita, Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Santana Lopes ou um mais
improvável Rui Rio.
Mas Durão Barroso
foi mais longe do que a dança do ora põe, ora tira o pezinho da porta da
presidência. Lançou uma ideia nova: em 2016, o país devia eleger um presidente
apoiado pelos três partidos do chamado “arco da governação”: PSD, PS e CDS. Adivinhando-se
que nesta equação quem conta realmente são os dois maiores partidos do sistema.
Na entrevista, Durão Barroso sustenta a sua tese trazendo para o primeiro plano
uma evidência sobre a qual nem socialistas nem sociais-democratas gostam de que
se fale: em 2015, ninguém vai ter maiorias absolutas. Socialistas ou
sociais-democratas vão ter de governar em coligação. Muito provavelmente,
juntos.
Durão Barroso
decidiu não apenas acrescentar a sua nota à melodia do momento, o já
tradicional mas sempre adiado “consenso”, como reescreveu um verdadeiro
clássico, o de Sá Carneiro. O novo lema é: um bloco central, uma maioria, um
presidente.
Mesmo sem
maiorias absolutas no horizonte, é muito pouco provável que maioria e
socialistas abdiquem de apresentar os seus candidatos a Belém. O que Durão
Barroso fez foi introduzir uma nova linha de cálculo neste jogo virtual. Mesmo
que não esteja a inventar o seu próximo emprego, o presidente da Comissão
Europeia conseguiu uma coisa. Depois de Passos Coelho, na sua moção ao
congresso, ter definido o caderno de encargos para o candidato presidencial que
o PSD apoiará, Barroso (cujos apoiantes reforçaram posições nesse congresso)
inventou um caderno de encargos presidencial para os partidos. Pelo menos,
trouxe uma ideia para nos entreter. Não vá Marcelo Rebelo de Sousa ficar com o
exclusivo do entertainment presidencial.
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Barroso avisou Passos Coelho
sobre limites das medidas e criticou o manifesto 74
O presidente da
Comissão Europeia disse em entrevista à SIC/Expresso que avisou Passos Coelho
de que é preciso considerar os limites políticos e sociais das medidas tomadas
e criticou o manifesto que defende a restruturação da dívida.
"É preciso
ter cuidado com as mensagens que saem de Portugal. Eu acredito na boa-fé das
pessoas que subscreveram aquele manifesto, mas há um erro: é falar em
reestruturação", disse Durão Barroso na entrevista publicada hoje pelo
Expresso e transmitida na sexta-feira pela SIC, acrescentando que o documento
também serviu para "embaraçar o Governo".
"Eu acho que
houve, nitidamente, algumas personalidades com o objectivo de embaraçar o
Governo, num jogo político, mas eu não quero entrar na luta política",
afirmou.
Para o presidente
da Comissão Europeia, o manifesto sobre a restruturação não o surpreendeu
"totalmente", porque, afirmou, a crise está a ter um impacto
"enorme na chamada classe média, mas referiu-se aos nomes de Manuela
Ferreira Leite e Bagão Félix.
"A meu ver,
quer Manuela Ferreira Leite, quer Bagão Félix representam uma certa classe
média ou média-alta --- pessoas que até têm uma vida relativamente confortável
---, mas que foram atingidas por esta situação. Dito isto, acho que muitas
dessas pessoas estão de perfeita boa-fé, portanto não critico as pessoas que
tomaram essa iniciativa", disse Durão Barroso.
O presidente da
Comissão Europeia acrescentou que a Europa não ficou abalada pelo manifesto e
que os juros até baixaram graças à reacção muito clara das autoridades
portuguesas, que se afastaram completamente "da teoria", mas,
sublinhou Barroso, "houve algum nervosismo inicial dos mercados".
Sobre o impacto
da crise na sociedade portuguesa, Durão Barroso sublinhou que o desemprego
tocou as classes mais favorecidas e as mais desfavorecidas e que actualmente há
"licenciados e até pessoas com mestrados, ou mais" que não encontram
emprego.
"É isso que
dá à crise um cariz muito diferente de crises que já houveram no passado. Desta
vez foi uma crise com muitíssimo maior impacto e, obviamente, isso reflecte-se
na indignação da opinião pública. Esta é uma análise muito séria que faço,
porque explica, por exemplo, a manifestação contra a Taxa Social Única (TSU),
uma medida que, aliás, nós nunca propusemos. A TSU gerou em Portugal uma
revolta espontânea porque tocou ideias de equilíbrio e de justiça em toda a
sociedade e isso deve ser considerado. Eu próprio já disse várias vezes ao
primeiro-ministro que há limites para uma certa política, que temos de
considerar os limites políticos e sociais das medidas tomadas", declarou
Durão Barroso.
Mesmo assim, e quando
questionado sobre se esses limites não estão a ser permanentemente a ser
ultrapassados, Durão Barroso respondeu que foi "correcto não fazer um
ajustamento demasiado gradual".
"Eu já me
tenho posto essa questão. Claro que podemos sempre discutir se o ajustamento
foi feito ao ritmo adequado (...). Estou convencido de que, se não tivéssemos
feito o adiantamento das medidas de correcção orçamental e estrutural não
tínhamos recuperado a confiança. Foi mais doloroso a curto prazo, mas foi
correcto não fazer um ajustamento demasiadamente gradual. Não se esqueça de que
Portugal não tinha acesso aos mercados", afirmou o presidente da Comissão
Europeia.
Durão Barroso,
que termina o mandato à frente da Comissão Europeia em Outubro, disse na mesma
entrevista que não tem intenção em candidatar-se às eleições presidenciais e
que o futuro Governo de Portugal, após as legislativas de 2015, vai ter de
contar com um amplo consenso.
Lusa/SOL
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