Opinião
Cidades sem ar, pessoas sem tempo: não vamos mudar?
in JN online
As grandes
cidades estão cada vez mais cercadas. De fumo. Paris ofereceu há dias as
viagens nos transportes públicos e restringiu o uso automóvel para tentar
baixar o nível de poluição. Pequim é o segundo caso mais grave no Mundo - foi
considerada "imprópria para viver" pela Academia de Ciências Sociais
de Xangai. Pior, só Moscovo. No Museu de Arquitetura de Xangai há uma
frase-missão inscrita numa parede que é inesquecível: "O nosso objetivo é
voltar a ver o azul do céu em 2030". Parece surreal. Mas quem visitou
cidades onde o azul do céu está sempre escondido por uma cortina de fumo sabe o
caos que estamos a gerar todos os dias.
Para além da
redução da poluição industrial, temos urgentemente de olhar para a mobilidade. Os
transportes públicos são cada vez mais indispensáveis para o futuro das
sociedades. Infelizmente, em Portugal estão tecnicamente falidos e sem
capacidade de poderem aumentar os preços das viagens ou dos passes sociais. Pior
do que isso: não fazem parte das opções para aplicação de alguns fundos
comunitários entre 2014-2020 porque o foco está essencialmente nas mercadorias
ferroviárias.
Compreende-se
muito bem que a União Europeia queira diminuir os camiões nas estradas mas este
raciocínio bipolar dos burocratas do costume está profundamente errado. A
produtividade dos portugueses seria terceiro--mundista se não tivesse havido
bons investimentos nas infraestruturas de transporte - mais metros e
intermodalidade. A produtividade dos portugueses necessita de subir e não há
melhor forma de incrementar a qualidade do valor/hora do que fomentar o uso de
bons transportes públicos. É por isso que, sendo correta a aposta na ferrovia
de mercadorias, é um erro desprezar a modernização ferroviária de passageiros
para viagens de longo curso e, sobretudo, a dos troços regionais e dos metros
das grandes cidades.
Nem tudo
significa investir apenas em novos metros ou comboios. Pode também melhorar-se
o investimento em autocarros privados que circulem em ligação com a outra rede
de transportes - a essencial intermodalidade. É preciso também insistir-se no
reforço dos circuitos viários "bus". E é essencial uma nova relação
com os sindicatos destes setores para que as sistemáticas greves não destruam
uma nova confiança que é preciso construir. Só assim a classe média deixará o
carro próprio.
Outro ponto
importante: a oferta. As empresas públicas de transporte não dão prejuízos por
terem oferta a mais (aliás, ela é cada vez pior) mas essencialmente por terem
ocupação a menos. Com taxas abaixo dos 20% não há milagres. Bastaria que este
número subisse uns pontos e estas empresas teriam margem para um melhor serviço
- incluindo descontos fora das horas de ponta, além de "custos
sociais" para franjas, como a população sénior ou jovem - que não pode
passar sem ele. Barcelona, por exemplo, tem passes que não estão
personalizados. Qualquer pessoa (família, amigo, colega) que quer usar o metro,
usa-o. O que se poupa em poluição compensa a "borla". Além do mais,
há sempre lugares disponíveis...
Para isto
acontecer é preciso penalizar os automóveis. Portagens nas cidades (a par de
menos custos nas autoestradas do interior) são inevitáveis - até como forma de
contrabalançar um país desigual. Os cidadãos das áreas metropolitanas do
litoral têm transportes públicos que não usam e geram dívidas colossais. Entretanto,
há um outro país que não tem transportes dignos e ainda por cima tem de
contribuir através dos impostos para a STCP, Carris, Metros, etc... Não faz
sentido.
Os portugueses
necessitam de dar um salto em frente e pensar bem no que fazer aos novos fundos
estruturais. Investir em "capital humano" também é diminuir o tempo
das deslocações do quotidiano. "Ferrovia" não é apenas facilitar a
vida às empresas com as mercadorias. "Pessoas" é algo de muito mais
complexo do que "formação profissional" ou "reforço do
emprego" através da exportação de contentores. Melhores transportes também
é investir nas "pessoas". Sem equilíbrio entre a sociedade e a
economia andamos sempre aos ziguezagues.
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