quinta-feira, 20 de março de 2014

Cidades sem ar, pessoas sem tempo: não vamos mudar? ( Ver os dois "posts" seguintes em baixo )


Opinião
Cidades sem ar, pessoas sem tempo: não vamos mudar?
 in JN online
As grandes cidades estão cada vez mais cercadas. De fumo. Paris ofereceu há dias as viagens nos transportes públicos e restringiu o uso automóvel para tentar baixar o nível de poluição. Pequim é o segundo caso mais grave no Mundo - foi considerada "imprópria para viver" pela Academia de Ciências Sociais de Xangai. Pior, só Moscovo. No Museu de Arquitetura de Xangai há uma frase-missão inscrita numa parede que é inesquecível: "O nosso objetivo é voltar a ver o azul do céu em 2030". Parece surreal. Mas quem visitou cidades onde o azul do céu está sempre escondido por uma cortina de fumo sabe o caos que estamos a gerar todos os dias.

Para além da redução da poluição industrial, temos urgentemente de olhar para a mobilidade. Os transportes públicos são cada vez mais indispensáveis para o futuro das sociedades. Infelizmente, em Portugal estão tecnicamente falidos e sem capacidade de poderem aumentar os preços das viagens ou dos passes sociais. Pior do que isso: não fazem parte das opções para aplicação de alguns fundos comunitários entre 2014-2020 porque o foco está essencialmente nas mercadorias ferroviárias.

Compreende-se muito bem que a União Europeia queira diminuir os camiões nas estradas mas este raciocínio bipolar dos burocratas do costume está profundamente errado. A produtividade dos portugueses seria terceiro--mundista se não tivesse havido bons investimentos nas infraestruturas de transporte - mais metros e intermodalidade. A produtividade dos portugueses necessita de subir e não há melhor forma de incrementar a qualidade do valor/hora do que fomentar o uso de bons transportes públicos. É por isso que, sendo correta a aposta na ferrovia de mercadorias, é um erro desprezar a modernização ferroviária de passageiros para viagens de longo curso e, sobretudo, a dos troços regionais e dos metros das grandes cidades.

Nem tudo significa investir apenas em novos metros ou comboios. Pode também melhorar-se o investimento em autocarros privados que circulem em ligação com a outra rede de transportes - a essencial intermodalidade. É preciso também insistir-se no reforço dos circuitos viários "bus". E é essencial uma nova relação com os sindicatos destes setores para que as sistemáticas greves não destruam uma nova confiança que é preciso construir. Só assim a classe média deixará o carro próprio.

Outro ponto importante: a oferta. As empresas públicas de transporte não dão prejuízos por terem oferta a mais (aliás, ela é cada vez pior) mas essencialmente por terem ocupação a menos. Com taxas abaixo dos 20% não há milagres. Bastaria que este número subisse uns pontos e estas empresas teriam margem para um melhor serviço - incluindo descontos fora das horas de ponta, além de "custos sociais" para franjas, como a população sénior ou jovem - que não pode passar sem ele. Barcelona, por exemplo, tem passes que não estão personalizados. Qualquer pessoa (família, amigo, colega) que quer usar o metro, usa-o. O que se poupa em poluição compensa a "borla". Além do mais, há sempre lugares disponíveis...

Para isto acontecer é preciso penalizar os automóveis. Portagens nas cidades (a par de menos custos nas autoestradas do interior) são inevitáveis - até como forma de contrabalançar um país desigual. Os cidadãos das áreas metropolitanas do litoral têm transportes públicos que não usam e geram dívidas colossais. Entretanto, há um outro país que não tem transportes dignos e ainda por cima tem de contribuir através dos impostos para a STCP, Carris, Metros, etc... Não faz sentido.


Os portugueses necessitam de dar um salto em frente e pensar bem no que fazer aos novos fundos estruturais. Investir em "capital humano" também é diminuir o tempo das deslocações do quotidiano. "Ferrovia" não é apenas facilitar a vida às empresas com as mercadorias. "Pessoas" é algo de muito mais complexo do que "formação profissional" ou "reforço do emprego" através da exportação de contentores. Melhores transportes também é investir nas "pessoas". Sem equilíbrio entre a sociedade e a economia andamos sempre aos ziguezagues.

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