segunda-feira, 31 de março de 2014

DEBATE / OPINIÃO / Galamba / J.M. Tavares/ John Maynard Galamba. A joão-miguel-tavarização da opinião? Por JOÃO GALAMBA / PÚBLICO



OPINIÃO
John Maynard Galamba
JOÃO MIGUEL TAVARES 01/04/2014 - PÚBLICO

O keynogalambismo consiste em permanecer firmemente keynesiano mesmo sem ter dinheiro para investir.
No sábado, João Galamba assinou um texto no PÚBLICO intitulado A joão-miguel-tavarização da opinião?, em resposta a um artigo meu que apontava certas incoerências na forma como os deputados Galamba 2010 e Galamba 2014 encaravam o peso da dívida nas contas públicas. João Galamba, contudo, garantiu que os deputados são um só, que não existe qualquer incoerência e que eu o descontextualizei. Indignado, deixou uma mensagem no Twitter: “Fico à espera do pedido de desculpas do escriba do PÚBLICO.”

E aqui estou eu, em atitude de humilde penitente, prontíssimo para me arrepender, agora que João Galamba me introduziu a uma nova doutrina económica, que me atrevo a chamar “keynogalambismo”. Foi apenas por não estar sensibilizado para o potencial desta nova área do pensamento económico que acusei Galamba 2010 de achar que a dimensão da dívida não era um entrave para o crescimento enquanto via Galamba 2014 assinar manifestos a pedir a reestruturação da dívida para o país conseguir crescer. Mea culpa, mea maxima culpa.

Temendo que outros, tal como eu, desconheçam as virtudes do keynogalambismo, permitam-me então explicar esse notável pensamento. Todos nós sabemos aquilo que o keynesianismo é: uma teoria que aconselha a combater as crises com investimento público, adoptando políticas anticíclicas como forma de estimular a economia, e que teve inegável sucesso no debelar da Grande Depressão. Infelizmente, John Maynard Keynes faleceu em 1946, mais de meio século antes de ser introduzida na Europa a moeda única, que nos levou as máquinas de imprimir dinheiro e, com elas, esse instrumento tão apreciado pelos políticos chamado “inflação”. Ora, é aqui que entra o keynogalambismo.

O keynogalambismo consiste em permanecer firmemente keynesiano mesmo sem ter dinheiro para investir. Como? Utilizando um poderoso instrumento económico para combater a crise, que Keynes, por manifesta desatenção, se esqueceu de citar na Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda: gritar imenso com os outros por estarem a ser maus para nós. Através de numerosas queixas, esgares e manifestos, o keynogalambismo propõe continuar a investir à bruta, mesmo que em caixa só já restem 300 milhões de euros (números de Durão Barroso).

A lógica interna do keynogalambismo é esta: 1) pedimos dinheiro, porque precisamos de nos endividar; 2) não pagamos esse dinheiro, porque nos endividámos; 3) protestamos, por não nos deixarem endividar mais. Vale a pena dar a palavra ao autor, que explica isto admiravelmente: “O problema da nossa dívida não é o facto de ser elevada, mas sim o facto de que, no contexto do Tratado Orçamental, e quando pagamos cerca de 4,5% do PIB em juros, a única maneira de cumprir as nossas obrigações europeias sem voltar a cortar salários, pensões, Saúde, Educação e investimento público é reestruturar a dívida.” Ou seja, o problema da nossa dívida não é o facto de ser elevada, mas o facto de não a conseguirmos pagar. Brilhante.


Em resumo: Galamba 2010 acha que a dívida não é o cerne da questão; Galamba 2012 vota favoravelmente (embora contrariado) um Tratado Orçamental onde o pagamento da dívida é o cerne da questão; Galamba 2014 acha que não pagar a dívida é o cerne da questão. Confesso que isto, à primeira vista, me pareceu incoerente. Mas agora, que finalmente penetrei no keynogalambismo, vejo o quanto estava errado. As minhas desculpas aos três Galambas.

OPINIÃO
A joão-miguel-tavarização da opinião?
JOÃO GALAMBA 29/03/2014 - PÚBLICO
J.M.T. pode vasculhar os meus textos à vontade: não encontrará neles o tipo de contradição que pretende imputar-me.
No seu artigo da passada terça-feira, João Miguel Tavares criticou o manifesto que defende a reestruturação da dívida apontando alegadas contradições de um dos seus subscritores; no caso, eu.

J.M.T. não entende que quem defendeu o investimento público e quem criticou o estudo dos economistas Reinhart e Rogoff sobre o impacto da dívida no crescimento venha agora dizer que a dívida se tornou insustentável e, portanto, precisa de ser reestruturada. Mais uma vez, um crítico do manifesto opta por atacar um dos seus subscritores, alertando, neste caso, para o grave perigo da “galambização da pátria”.

Para que não restem dúvidas, reafirmo todas as minhas posições: o investimento público era e é absolutamente imprescindível para o desenvolvimento económico e social do país; o estudo de Reinhart e Rogoff não faz sentido; e a dívida tem de ser reestruturada porque, no contexto actual, os seus encargos impedem o crescimento. Contradição? Só mesmo na (baralhada) cabeça de J.M.T.

Reinhart e Rogoff publicaram um estudo que correlacionava o rácio da dívida pública em percentagem do PIB e o crescimento económico e concluíam que, a partir dos 90%, a dívida limita o potencial de crescimento. Esse estudo já foi totalmente desacreditado por vários economistas, exactamente na linha do que defendi em 2010. Se sustento agora que, a manter-se o actual contexto, a reestruturação da nossa dívida será inevitável, não é certamente pelas mesmas razões que levaram Reinhart e Rogoff a correlacionar o rácio da dívida e o crescimento económico.

O argumentário de J.M.T. parte de uma frase que escrevi em Outubro de 2010: “Tudo o que possa ser dito sobre a dívida – que é má, que é perigosa, que é boa – é absolutamente irrelevante para debates sobre crescimento económico.” Mas esta frase não pode ser descontextualizada do debate a que pertencia, que era o de saber se os argumentos de Reinhart e Rogoff eram relevantes para avaliar os méritos do investimento público. Nesse contexto, escrevi também: “Não estou a dizer que a dívida não é um problema; limito-me a constatar que, preocupados ou não [com a dívida], todas as decisões sobre o que devemos fazer dependem exclusivamente dos méritos de projectos particulares.” Como esta citação demonstra, reconheci explicitamente que a dívida podia ser um problema, mas que era irrelevante para saber se o projeto x ou y devia ser feito e se beneficiava ou não o crescimento económico. Espero que, no futuro, os dicionários da língua portuguesa definam este tipo de omissão grosseira de um contexto como uma joão-miguel-tavarização.

 O problema da nossa dívida não é o facto de ser elevada, mas sim o facto de que, no contexto do Tratado Orçamental, e quando pagamos cerca de 4,5% do PIB em juros, a única maneira de cumprir as nossas obrigações europeias sem voltar a cortar salários, pensões, Saúde, Educação e investimento público (tudo rubricas que têm um fortíssimo impacto) é reestruturar a dívida. Os EUA, o Reino Unido ou o Japão não têm este problema, apesar de terem níveis de endividamento elevadíssimos e até, no caso do Japão, superior ao nosso. E não têm porque nenhum desses países pertence a uma zona monetária que, errada e tragicamente, decidiu, em Maio de 2010, abandonar as políticas keynesianas de combate à crise, substituindo-as por uma obsessão com a austeridade, que veio a resultar na aprovação do Tratado Orçamental.


J.M.T. pode vasculhar os meus textos à vontade: não encontrará neles o tipo de contradição que pretende imputar-me. Defendi sempre, e continuo a defender, que as crises económicas se devem combater com políticas keynesianas. Defendi sempre que a austeridade teria as consequências que estão hoje à vista de todos: no emprego, na coesão social, no crescimento económico — e na insustentabilidade da dívida. A dívida é hoje um enorme problema porque, desde Maio de 2010, a zona euro deixou de adoptar as políticas keynesianas que sempre defendi, e continuo a defender. A solução ideal para o nosso país é reestruturarmos a dívida para cumprirmos o Tratado Orçamental? Não. Mas, se a alternativa à reestruturação é o absurdo percurso de mais 20 anos de austeridade traçado pelo Presidente da República no Prefácio do seu Roteiros VIII, então só posso concluir uma coisa: não há uma alternativa realista à reestruturação, como defende, e bem, o manifesto que me orgulho de ter subscrito.

Sem comentários: