Partido de Le Pen conquistou uma
câmara e ganha em sete municípios
CLARA BARATA
23/03/2014 - 20:36
Primeira volta das eleições autárquicas francesas corre de feição à Frente
Nacional. UMP recusa apoiar candidatos da esquerda na segunda volta.
Com uma abstenção
que terá chegado pelo menos a 38,5%, sete candidatos do partido de
extrema-direita de Marine Le Pen estão à frente nas contagens iniciais dos
votos da primeira volta das eleições municipais em França.
Em Hénin-Beaumont,
o município de 26 mil habitantes do Norte do país pelo qual a própria Le Pen se
candidatou como deputada nas últimas legislativas – sem sucesso, embora por
pouco – o candidato da Frente Nacional (FN), Steeve Briois, é dado como o
vencedor, com 50,26%. Nem sequer precisará de ir à segunda volta, marcada para
o próximo domingo, 30 de Março.
Noutras cidades
onde se candidatam figuras mais mediáticas da FN, os primeiros resultados estão
igualmente a ser-lhe favoráveis. As previsões apontam que em Forbach, Florian
Philippot, vice-presidente e estratega do partido, terá 35,75%, contra 33% do
presidente da câmara socialista que estava no poder. Em Perpignan, Louis Aliot,
vice-presidente e companheiro de Marine Le Pen, terá 34,4%, avança o Le Monde.
Está à frente do candidato da UMP, o grande partido do centro-direita, que tem
29,8%.
As grandes
tendências nacionais, aponta o canal de notícias BMTV, são para um total de 48%
para a UMP, 43% para a esquerda e 7% para a FN - um valor alto, dado que os
frentistas só apresentaram 597 listas para os 36 mil municípios franceses.
Najat-Vallaud
Belkacem, ministra porta-voz do Governo, deu indicação sobre o que fará o seu
partido : "A posição do PS é muito clara: Faremos tudo o que for possível
para impedir que um candidato da FN obtenha um município”.
David Assouline,
porta-voz do Partido Socialista, lamentou “a abstenção importante e a “subida
inquietante” da Frente Nacional, numa declaração à AFP. Apelou à “mobilização
dos abstencionistas de esquerda” para irem votar na segunda volta.
Na segunda volta,
em que podem ir a votos os três – ou, em casos mais raros, os quatro –
candidatos mais votados, para discutir quem ganhará a câmara, o candidato da
UMP poderá escolher apoiar o do PS, se este tiver mais hipóteses de ganhar,
face ao desafio de um candidato da Frente Nacional. E vice-versa. Isto é o que
se tem passado, historicamente – fazia parte da estratégia de contenção do
avanço deste partido de extrema-direita e xenófobo.
Só que nos
últimos anos esta estratégia de defesa dos valores da República francesa está a
fraquejar – as sereias do canto de Marine Le Pen enfeitiçam também o
centro-direita, e a UMP divide-se sobre o que fazer. Nas últimas eleições, o
que o líder da UMP defendeu foi a estratégia do “nem-nem”: ou seja, em caso de
triangulares, não apoiar nem um candidato da FN nem um candidato socialista. E
desta vez está a dar a mesma indicação.
Aos microfones da
televisão France 2, Copé confirmou que o seu partido não dará indicação a
“votar pelo PS, aliado da Frente de Esquerda” na segunda volta. Se por um lado
tenta evitar confundir-se com os socialistas – precavendo-se contra a acusação
de “amálgama” com o PS que Marine Le Pen faz à UMP –, deverá dividir mais o
eleitorado, facilitando o avanço da FN.
A noite eleitoral
está a correr de feição para Marine Le Pen, que até agora não tinha implantação
nenhuma no poder local. “A FN é uma grande força nacional. Ficar à frente num
tão grande número de municípios é a prova de que a FN se está a implantar de forma
durável.”
A Europa e o refascismo
Rui Tavares /
24-3-2014
Quando se pensa
no fascismo, os países que vêm normalmente à cabeça são a Itália, em certo
sentido a Alemanha, também Portugal e a Espanha. A certa altura dos anos 30 e
40, regimes aparentados ao fascismo dominavam no continente europeu, em
particular no Leste, onde estavam na Polónia e na Eslováquia, na Hungria e na
Roménia. Em 1936, apenas, a Frente Popular deteve a chegada do fascismo à
França e é talvez por isso que não pensamos muito na França quando pensamos no
fascismo.
E no entanto, foi
na França que durante o meio século anterior foram germinando as sementes de
ideias que depois ganhariam esse nome. O antissemitismo moderno, com a eclosão
do caso Dreyfus no fim do século XIX e a imprensa mais raivosamente antijudaica
da Europa no início do século XX; o antiparlamentarismo de Sorel, que depois de
passar da esquerda para a direita se tornou num precursor do
nacional-socialismo; o revanchismo dos monárquicos e defensores do
“organicismo” da nação; o pétainismo e o culto do salvador da pátria; e, muito,
em particular, o integralismo de Charles Maurass, tido por ser uma das principais
influências de Salazar. Tudo isso nasceu em França, muito disso ficou em estado
larvar.
Saltemos de
século. Desde 2001 que temos tido a infelicidade de ver todos os partidos
estabelecidos da V.ª República Francesa, da esquerda à direita, estenderem a passadeira
à Frente Nacional. Desde logo quando toda a esquerda se dividiu para deixar
passar JeanMarie Le Pen à segunda volta das presidenciais. Depois, quando a
direita de Sarkozy adotou todos os grandes temas da extrema direita. E agora,
com esse completo vazio de ideias — sobre a França, sobre a Europa ou sobre a
democracia — que se chama François Hollande.
O resultado viu-se
ontem, nas eleições municipais francesas. A Frente Nacional voltou a ganhar uma
cidade no Norte, que já foi bastião comunista e socialista. Em Avignon e Fréjus
vai para a segunda volta à frente. E em Marselha, o segundo município mais
populoso do país, está à frente da esquerda e disputando a cidade com a
direita.
Isto é uma
primeira volta; quando os franceses voltarem às urnas a história será um tanto
diferente. Mas isso importa pouco, porque a tendência é clara. Hoje, a filha do
pai, Marine Le Pen, é presença permanente em todos os media franceses. As suas
ideias tornaram-se plausíveis e pseudorrespeitáveis; concordam com ela entre um
quarto e um terço dos franceses. O voto popular passou da esquerda para a
Frente Nacional. Para todos os efeitos, há hoje em dia três polos: a esquerda,
a direita, e a Frente Nacional. Começa-se a desconfiar de que esta caminhada só
vai parar no Palácio do Eliseu. Com ela acabará a V.ª República Francesa, e não
só: acabará definitivamente uma certa ideia da Europa do pós- guerra.
Isto não se passa
só em França. Gente defendendo as mesmas ideias estão no governo da Áustria ou
da Letónia e apoiam os governos da Holanda ou da Suécia. Na Itália, a
antipolítica de Grillo sobe nas sondagens.
Chamem-se
fascistas ou não, o que esta gente tem de comum é uma insinceridade e
deslealdade de base em relação à democracia. A democracia só lhes interessa
para manipular até chegar ao poder. E uma democracia sem ideias abre-lhes o
caminho. Uma democracia que não acredite no futuro pode bem acabar por não o
ter.
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