Le Pen decretou
"o fim da bipolarização da vida política francesa
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Direita francesa recusa fazer
frente contra Marine Le Pen
MIGUEL GASPAR
24/03/2014 – PÚBLICO
UMP (direita moderada) quer explorar bom resultado na primeira volta das
municipais, enquanto os socialistas, duramente penalizados, apelam à formação
de uma "frente republicana" contra a extrema-direita
A primeira volta
das eleições municipais francesas ficou marcada pela subida sem precedente do
voto na Frente Nacional (FN), de Marine Le Pen, mas a UMP e o resto da direita
moderada parecem estar mais interessadas em explorar a vitória eleitoral de
domingo do que em juntar-se aos socialistas numa frente republicana para conter
a extrema-direita no próximo domingo.
Os números finais
espelham um triunfo sem contestação da oposição de direita (UMP, UDI, Modem,
46,5%) e uma derrota clara dos socialistas, no poder, e da esquerda
(Socialistas, Ecologistas, Comunistas, 37,74%), enquanto a extrema-direita
obteve 4,65%, um resultado apesar de tudo impressionante, uma vez que a FN foi
a votos em 600 comunas, num total de 36 mil.
Se o cartão
vermelho ao Presidente François Hollande e ao primeiro-ministro Jean-Marc
Ayrault é inequívoco, há leituras divergentes sobre o verdadeiro impacto da
subida do partido de Marine Le Pen no universo das municipais, no qual a FN tem
tradicionalmente uma expressão baixa.
Enquanto a esquerda
apela à mobilização contra a FN e já retirou candidatos nas cidades onde a
extrema-direita lidera, como Perpignan ou Saint Gilles, a direita quer
potenciar o seu resultado e minimizar a relevância dos votos em Marine Le Pen.
Esta, por seu turno, defende que o bipartidarismo acabou em França.
Esta triangulação
de pontos de vista irá a exame dentro de uma semana, na segunda volta das
eleições, quando se apurar quem sairá vencedor das triangulações entre as
listas mais votadas em cada município.
Nas municipais
francesas, só são eleitos à primeira volta os candidatos com mais de 50% dos
votos e a extrema-direita já conseguiu uma vitória, em Hénin-Beaumont (Norte),
um feudo tradicional da esquerda que desta vez deu o seu voto a Steeve Briois.
Nos outros casos, a segunda volta é disputada por todas as candidaturas com
mais de dez por cento dos votos expressos, na maioria dos casos três e em
situações excepcionais quatro ou mesmo cinco candidaturas.
Os resultados
ficam ainda marcados por uma abstenção recorde, cerca de 39%, interpretada como
um voto de protesto às políticas do governo e que beneficiou a Frente Nacional.
“É o fim da
bipolarização da vida política francesa, a Frente Nacional é agora uma grande
força autónoma, não apenas nacional, mas local”, disse Marine Le Pen na
televisão TF1, no rescaldo da noite eleitoral.
Para além da vitória em Hénin-Beaumont, uma antiga cidade industrial
onde as minas e as fábricas foram fechando progressivamente, a FN ficou à
frente em Tarascon, Brignoles, Fréjus, Saint Gilles, Béziers, Perpignan e
Avignon. O sul volta a ser a zona onde é maior a implantação do partido. Em
Avignon, Olivier Py, o director do festival de teatro, um dos mais importantes
da Europa, anunciou que se recusará a organizá-lo caso a extrema-direita ganhe,
isto é, se PS e UMP não se coligarem para derrotar a FN.
“Não me vejo a
trabalhar com um autarca da Frente Nacional. Isso parece-me inimaginável. Não
vejo como o festival podia viver, com as suas ideias de abertura e de
acolhimento do outro”, afirmou Py.
A ideia do fim da
bipolarização, nos termos em que esta existe desde a fundação da V República
(1958), é contestada por politólogos ouvidos pela AFP. “É um facto que existem
três forças, mas continua a haver bipolarização, embora com uma confusão de
fronteiras entre a direita moderada e a extrema-direita”, diz Nonna Mayer,
especialista na Frente Nacional do Centre National de la Recherche Scientifique
(CNRS).
Sylvain Cépon,
perito na FN da Universidade de Nanterre, diz que o partido “joga por um lado a
carta da radicalização para se diferenciar e a carta de desdiabolização, para
captar um eleitorado que não está orientado para as suas ideias”. O
especialista considera que a FN “conseguiu uma performance, mas não se pode
dizer que acabou com a bipolarização”.
À esquerda, os
sinais de alarme dispararam. “Medo nas cidades”, titulava a edição de ontem do
diário Libération. Socialistas, ecologistas e comunistas reuniram na noite de
domingo para avançarem no sentido de fazerem listas conjuntas. O caso mais
evidente foi Paris, onde a favorita, Anne Hidalgo, foi batida à primeira volta
pela candidata da UMP, Nathalie Kosciusco-Morizet. O acordo entre socialistas e
ecologistas recoloca-a em posição para ganhar e o PS deverá conseguir preservar
Paris. O problema é que, ao mesmo tempo, perdeu o país.
Os socialistas
apelaram à UMP para se reunirem numa frente republicana contra a
extrema-direita, semelhante à que apoiou Jacques Chirac contra o pai de Marine
Le Pen, Jean-Marie Le Pen, nas eleições presidenciais de 2002, mas o presidente
da UMP, Jean-François Copé, defendeu que o seu partido será fiel ao “ni-ni”. “Não
aconselharemos ao voto nem na Frente Nacional nem nos socialistas [nos
municípios onde não pudermos ganhar]”, disse na noite eleitoral.
Brice Hortefeux,
antigo ministro de Nicolas Sarkozy e dirigente da UMP, precisou melhor a linha
dominante à direita, onde algumas vozes têm defendido a “frente republicana”.
Para Hortefeux, “o voto de protesto contra o governo foi na oposição e a Frente
Nacional deve ser castigada, porque é uma aliada objectiva do PS e foi
responsável pela eleição de Hollande e pelas políticas do governo”.
Uma sondagem do
IFOP, publicada esta segunda-feira pelo site de informação Atlantico, revelava
que 55% dos militantes da UMP e 62% dos militantes da FN eram favoráveis a uma
aproximação entre os dois partidos nas eleições locais, um sinal de afinidade
preocupante entre a direita clássica e uma extrema-direita que procura
apresentar-se como frequentável e respeitável. Copé, no entanto, garante que
nunca fará alianças com a FN.
Os socialistas
não toleraram a mudança de posição da UMP em relação a Le Pen. Para Martine
Aubry, antiga presidente do partido, “a direita banalizou as teses da Frente
Nacional. E, se não aceitar uma frente republicana e não apelar ao voto nos
socialistas, é porque já não tem nada a ver com o gaullismo”.
Os jogos estão em
aberto até domingo. Aí se saberá do destino das cidades onde a FN parte em
vantagem e se a direita moderada conseguirá cidades que estão no seu radar como
Toulouse, Reims ou Estrasburgo. François Hollande ficará sob enorme pressão
para remodelar o seu governo antes das europeias. E Marine Le Pen passará à
segunda fase do seu plano: ganhar as europeias e exigir eleições antecipadas.
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