ANA BRITO , PEDRO
CRISÓSTOMO e LUÍS VILLALOBOS 20/03/2014 - PÚBLICO
Bruxelas destaca
vantagens para a economia do novo instrumento de resolução, fechado depois de
cedências da Alemanha.
O Parlamento
Europeu e os Estados da União Europeia chegaram a acordo na madrugada de
quinta-feira sobre a criação de um mecanismo único de liquidação de
instituições financeiras, um instrumento (constituído por um comité de resolução
e por um fundo) que vem complementar o mecanismo único de supervisão dos
bancos. O entendimento — conseguido ao fim de uma maratona negocial de 16 horas
em Bruxelas — vem acelerar o processo de constituição do fundo, direccionado
para salvar os bancos em risco de falência.
Durante oito anos
— e não dez, como inicialmente previsto e defendido pela Alemanha —, os bancos
de cada país irão contribuir progressivamente para a constituição do fundo de
55.000 milhões de euros. Além disso, o novo mecanismo vai poder accionar uma
linha de crédito que permite intervir desde o início, antes do fundo estar
preenchido.
Este mecanismo é
um dos pilares da nova união bancária em desenvolvimento nos países da moeda
única, criada para garantir que os custos de futuras crises financeiras e
falências de bancos deixam de ser suportados pelos contribuintes. Para a
Comissão Europeia, o novo mecanismo tem a vantagem de permitir “estabilizar os
mercados financeiros e ajudar à recuperação da economia”, defendeu o presidente
do executivo comunitário, Durão Barroso.
Uma longa “e
difícil” noite de negociações, que durou cerca de 16 horas e só terminou por
volta das sete da manhã, deu origem a um acordo que “não é perfeito”, mas que
“é crucial” para recuperar a confiança no sistema bancário europeu, defendeu a
eurodeputada portuguesa Elisa Ferreira, representante do Parlamento Europeu nas
negociações. “É um acordo que salvaguarda os contribuintes, que garante que o
mecanismo será financiado pelos bancos e que as decisões não vão ser tomadas em
função de pressões políticas deste ou daquele Estado”, disse ao PÚBLICO a
eurodeputada socialista.
Uma mudança
importante está ligada ao papel do Banco Central Europeu (BCE). De acordo
com o que ficou estabelecido, o BCE,
enquanto supervisor, será o responsável por desencadear o processo de
intervenção, quando considerar que um banco está em risco de cair. No entanto,
os responsáveis pelo mecanismo de resolução podem tomar a iniciativa e
solicitar que o BCE inicie esse processo. Caso o BCE não actue, é dada a
capacidade aos responsáveis do mecanismo para, eles próprios, desencadearem a
intervenção.
De acordo com o
comunicado enviado pela delegação portuguesa do grupo dos Socialistas e
Democratas no Parlamento Europeu, “o prazo para desencadear o mecanismo para
resolver um banco será agora mais reduzido e o processo de decisão
simplificado”.
Seja como for, o
fundo só será chamado a intervir a partir dos 8% do montante necessário. Antes
disso, a responsabilidade caberá aos accionistas e obrigacionistas dos bancos e
aos depositantes com depósitos mais elevados, acima dos 100 mil euros, o
chamado bail in.
A socialista
Elisa Ferreira explicou ainda que a proposta do Conselho Europeu, que nas
negociações esteve representado pelo presidente do Eurogrupo, Jeroen
Dijsselbloem, e pelo ministro das Finanças grego, Yannis Stournaras (a Grécia
detém a Presidência europeia), “era diametralmente oposta” em “questões
fundamentais” como a mutualização do fundo e o grau de intervenção do plenário
da entidade gestora do fundo.
A proposta
inicial do Conselho Europeu previa que as contribuições dos bancos ficassem “em
compartimentos nacionais durante um período de dez anos” e só depois fossem
transferidas para os cofres do fundo europeu. Países como a Alemanha e a França
pretendiam assim salvaguardar que as suas contribuições para o futuro mecanismo
de resolução de falências não fossem utilizadas para reestruturar bancos de
outros países. Mas o acordo prevê que a incorporação progressiva num fundo
único aconteça em oito anos.
40% dos fundos
mutualizados ao fim do primeiro ano
O Parlamento
Europeu conseguiu a garantia de que “66,6% do fundo estará mutualizado em três
anos”, com a transferência de 40% do montante total logo no primeiro ano, 20%
no segundo ano e o restante nos anos subsequentes. “Não fazia qualquer sentido
que as contribuições ficassem retidas, pois não são impostos e funcionam como
se os bancos estivessem a pagar um seguro”, explicou a deputada europeia.
Elisa Ferreira
sublinhou também que o acordo introduz a criação de uma linha de crédito
destinada a salvaguardar que o fundo estará em condições de dar resposta a um
eventual problema, mesmo que ainda não esteja devidamente capitalizado. “Será o
próprio fundo a negociar esta linha de crédito, que será paga pelas
contribuições futuras dos bancos”, disse Elisa Ferreira.
Os pormenores
sobre este mecanismo “vão ainda ser definidos” para constar da proposta final a
apresentar ao Parlamento Europeu em Abril, mas na conferência de imprensa que
se seguiu à obtenção do acordo, em Bruxelas, a garantia foi a de que “não
haverá dinheiros públicos envolvidos”, ou seja, que os Estados deixam de
intervir como aconteceu até agora.
O mecanismo
mantém, assim, a premissa de que cabe aos bancos — e não aos Estados — garantir
o financiamento do mecanismo. Sven Giegold, eurodeputado alemão envolvido nas
negociações (Grupo dos Verdes), que o Financial Times cita, ironizou sobre a
cedência de Berlim: “Conseguimos levantar Wolfgang Schäuble às 5h30 e assim
alcançar concessões”.
Poderes para
comité do mecanismo
Na proposta do
Conselho Europeu, “o processo de resolução era decidido ao nível do plenário da
entidade”, onde estão representados os ministros das Finanças europeus, o que
tornava o processo de decisão “vulnerável às influências e pressões políticas”.
Na prática, “quase todos os processos teriam de passar pelo plenário”. O acordo
alcançado nesta quinta-feira prevê que a decisão seja sempre tomada pelo comité
executivo da entidade, “um comité técnico”, restrito, ainda que, nas decisões
que exijam um envolvimento do fundo superior a 5000 milhões de euros, “algum
representante [dos Estados-membros] possa requerer que o assunto vá a plenário
para obter esclarecimentos”.
As decisões serão
centralizadas e tomadas por um comité único de resolução, que inclui membros
permanentes em representação da Comissão, do Conselho, do BCE e das autoridades
nacionais de resolução. O Financial Times notava que a Comissão Europeia fica
com a formalização das intervenções, e que, apesar das alterações, os ministros
das Finanças podem contrariar as decisões do comité de resolução do mecanismo
em determinadas circunstâncias. No entanto, ainda não há pormenores sobre os
poderes dos ministros nesta matéria.
O entendimento
alcançado a nível europeu é visto como fundamental, conforme sublinhou Elisa
Ferreira na conferência de imprensa, para devolver confiança ao sistema
bancário dos Estados membros, e ajudar a diminuir as diferenças que existentes
no acesso ao crédito, que tem penalizado países como Portugal (a “fragmentação
bancária”) em termos de liquidez e custos.
Elisa Ferreira,
que não poupou elogios a Dijsselbloem e Stournaras, contou que foi alcançado um
princípio de acordo por volta das cinco da manhã, mas os representantes dos
Estados-membros tiveram de parar a reunião para “fazer telefonemas e apresentar
a proposta” a outros responsáveis europeus. Só “passado uma hora” chegou a
autorização para prosseguir as negociações, fazer os ajustes finais e fechar o
acordo, que será ratificado no próximo mês, antes do fim da actual legislatura.
A ideia é ter o comité a funcionar em 2015, já com o BCE a assumir o papel de
supervisão a nível europeu (a partir do final deste ano).
Martin Schulz,
presidente do Parlamento Europeu e candidato dos Socialistas Europeus ao cargo
de presidente da Comissão Europeia, sublinhou à Lusa o “papel-chave” de Elisa
Ferreira no acordo alcançado, dizendo que a eurodeputada “demonstrou uma enorme
competência, liderança e capacidade de fazer avançar as negociações”. E também
o comissário europeu do Mercado Interno, Michel Barnier, enalteceu “o trabalho
incansável e o espírito de compromisso revelado pelos co-legisladores”,
agradecendo particularmente a Elisa Ferreira.
Para o
secretário-geral do PS, António José Seguro, que em Lisboa reagiu ao acordo, o
novo mecanismo representa um passo em frente “na linha da mutualização” que diz
defender para a Europa — não apenas
“para este fundo de resgate, caso necessário para o sistema bancário, mas
também para a gestão da nossa dívida”. Seguro considerou, no entanto, que o
montante de 55.000 milhões de euros do fundo a utilizar em caso de resolução
dos bancos ainda fica “distante do desejável”.
Os poderes do mecanismo único de
resolução dos bancos
PÚBLICO
20/03/2014 -
- O mecanismo a
utilizar em caso de resolução de bancos tem uma dotação de 55.000 milhões de
euros.
- Os bancos vão
contribuir para o fundo durante oito anos e não dez, como se previa
inicialmente.
- As
contribuições acumuladas podem ser progressivamente mutualizadas durante os
oito anos. Ao fim do primeiro ano, já poderão ser disponibilizados 40% dos
fundos (inicialmente previa-se que a primeira fase da mutualização começasse
apenas com 10%)
- Ao BCE cabe a
responsabilidade de desencadear o processo de intervenção num banco, mas o
comité do mecanismo único tem poderes para o fazer caso o banco central não actue.
- O mecanismo
terá uma linha de crédito que pode ser accionada logo à partida para assistir
as instituições e que é pela pelas contribuições futuras dos bancos.
Sem comentários:
Enviar um comentário