DEO: o novo colete de forças
Luís Ferreira Lopes
10:26 31.03.2014 / SIC
O documento de estratégia orçamental (DEO) está, esta
segunda-feira, a ser debatido e votado em conselho de ministros extraordinário.
Em causa está um novo corte superior a 2 mil milhões de euros, para substituir
medidas temporárias por permanentes e reduzir o défice público, a poucos meses
da saída da troika de Portugal. Será que os cortes chegarão (além dos
contribuintes e pensionistas) também aos organismos, institutos, número de
câmaras, empresas municipais, empresas públicas e tanta despesa a mais na
máquina devorista do Estado?
Começo com uma pergunta que faço há vários anos e a vários
governos de várias cores partidárias. Não é ingenuidade, é perplexidade genuína
como cidadão e como contribuinte da III República. Tantos anos depois e vários
ministros das Finanças ou primeiro-ministros depois, temos de insistir na
pergunta que o cidadão comum do "aguenta, aguenta" faz todos os dias:
onde estão os cortes estruturais no funcionamento do Estado, ou seja, nas
administrações central, regional e local, na sempre adiada reforma do Estado?
Se esse novo desenho é vital para a prestação de um serviço
público de qualidade e sustentável em áreas essenciais aos cidadãos, que tal
ter começado por aí? A resposta é conhecida de todos. Porque é mais rápido e
eficaz cortar nas variáveis com maior impacto orçamental: salários (seja dos
funcionários públicos, seja no sector privado via carga fiscal
"brutal") e nas pensões e outras prestações sociais. Compreende-se a
fórmula face ao espartilho imposto pelas sucesivas avaliações da troika, mas já
todos perceberam que não é sustentável a receita económica e financeira que,
após a herança desastrosa do governo Sócrates, começou por ser aplicada por
Vitor Gaspar - o ex-ministro que vai agora ganhar 23 mil euros por mês como
director orçamental do FMI.
O Governo vai ter substituir 2.153 milhões de cortes
temporários por cortes fixos e isso, já sabemos todos, não se faz sem dor, como
já alertava o actual presidente da República desde os tempos em que escrevia
artigos na imprensa sobre "o monstro" da despesa pública, como
consultor do Banco de Portugal, após os governos que liderou até 1995. Mas,
recorde-se, os portugueses já conhecem os alertas, estudos, diagnósticos e
opiniões de toda a gente que agora fala destes assuntos como se fosse de
futebol, da novela ou do sonho do euromilhões. O que o cidadão comum, que paga
a máquina do Estado, exige é soluções transparentes e compromissos que não
penalizem mais quem paga impostos, no sector privado e também no público.
Baixar o défice de 4% para 2,5%, deste ano para 2015,
significa um esforço extra de 1.700 milhões de euros. Só que, no Documento de
Estratégia (DEO) para os próximos quatro anos, o governo tem de cortar mais e
substituir as medidas temporárias por permanentes. A razão é simples: no
Orçamento do Estado para este ano, o valor dessa "poupança" é de
2.153 milhões de euros.
- Problema 1: o eventual chumbo do Tribunal Constitucional
pode alterar as contas do governo dentro de semanas.
- Problema 2: além dos juízes, o governo confronta-se ainda
com o "ruído no espaço público", causado "involuntariamente pelo
próprio Governo", citando o ministro Poiares Maduro quando comentou, na
sexta-feira, a polémica em torno da confusão de notícias sobre supostas medidas
em preparação pelo executivo para substituir a Contribuição Extraordinária de
Solidariedade.
Seja qual for a solução encontrada pelo governo (sabendo que
não irá agradar a gregos e troianos ao mesmo tempo), a questão que se coloca é
se ela será uma gota de água no oceano do défice e da dívida do Estado e se
será estrutural ou se será, afinal, "temporária", expressão que os
portugueses e europeus conhecem desde a crise que se arrasta desde 2008, quando
o presidente da Comissão, Durão Barroso, anunciou a política dos 3 T's. Um
deles era o T do carácter supostamente "temporário" das medidas de
combate à crise económica, financeira e social. Se o T era temporário, a
realidade é que estamos num autêntico colete de forças desde, pelo menos, a
crise mundial de 2008 e o espectro de bancarrota portuguesa na primavera de
2011.
É por isso que Bruxelas e o Banco Central Europeu - que,
obviamente, vão continuar a monitorizar e controlar as políticas orçamentais em
Portugal e nos Estados "mais problemáticos" - avisam que não está
tanto em causa o tipo de saída ("suja" ou "limpa") e o
efeito que isso causa nos mercados, mas é mais importante garantir que as
políticas de consolidação continuam. Na visão da Europa que aplaude taxas de
juro abaixo de 4% para Portugal (registadas na semana passada, mas que podem
subir ao mínimo desaire político ou orçamental - como se viu em Junho do ano
passado, na crise política Portas / Gaspar), o regresso do crescimento, a queda
do desemprego e as descidas dos juros dos empréstimos a um país semi-falido
mostram que o "ajustamento" estará a funcionar em Portugal. Mas será
isso sustentável, sem uma alteração das políticas europeias e uma discussão
profunda que conduza a um compromisso político lusitano para os próximos largos
anos?
Em conclusão, quem empresta quer o seu dinheiro de volta tão
cedo quanto possível e exige que o executivo português (seja ele qual for)
pague o que deve ou, pelo menos, vá amortizando o serviço da dívida. Ora, a
questão de fundo continua a ser "o monstro" - da sustentabilidade da
dívida pública, que será superior a 130% do PIB no final deste ano, e do défice
orçamental que, em teoria, deverá ser reduzido para 2,5% no próximo ano, à
custa de novos cortes na despesa ou então de mais impostos. Um ponto parece ser
evidente: aumentar o peso da carga fiscal sobre empresas e famílias não é
viável. Usando uma imagem mais rural: colocar uma canga ainda mais pesada sobre
a parelha de bois (ou burros) que vai puxando a carroça não é solução, sob pena
de exaustão dos animais...
Na crise dos anos 90, o então ministro Braga de Macedo
falava da teoria do oásis e de umas vacas esbeltas num país que só ele via, mas
as vacas estavam magras. Agora estão esqueléticas e já não dão mais leite.
Ponto.
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