sexta-feira, 21 de março de 2014

Antes cabras que aviões. Cabras ainda não foram para o mato prevenir os incêndios porque falta dinheiro.


OPINIÃO
Antes cabras que aviões
HENRIQUE PEREIRA DOS SANTOS 20/03/2014 – PÚBLICO

Inteligente é sermos capazes de gerir o fogo e não precisar dos melhores meios possíveis para o tentar combater.

Exmo. senhor ministro da Administração Interna,

Li que tenciona gastar 27 milhões de euros em cada um dos aviões para os fogos.

Tenho uma proposta para lhe fazer: entregue-me os 27 milhões que custa um Canadair e deixe-me geri-los, absolutamente pro bono.

Explico-lhe o que farei com eles. Faço um concurso para projectos que tenham as seguintes características:

1) Terem uma área geográfica definida; 2) Usarem, de forma integrada, fogo, cabras e sapadores para gerirem o mato; 3) As mesmas pessoas responsáveis por gerir o mato serão responsáveis pelo combate nessa área geográfica (usando ferramentas com cabos de pau e pinga-lume, como alguém dizia um dia destes, judiciosamente).

Os projectos poderiam ser de proprietários, associações de proprietários, ONG, associações de bombeiros, qualquer pessoa ou instituição, excluindo o Estado e qualquer associação em que o Estado tivesse mais de 15% do capital.
Da experiência que tenho por gerir um projecto que tem algumas semelhanças com o descrito (financiado, veja lá, com o Fundo EDP de Biodiversidade, porque o Fundo Florestal Permanente é gerido como sabe), eu diria que tipicamente um financiamento de 500 mil euros seria suficiente para financiar cinco anos a gestão de qualquer coisa como 2500 a cerca de 5000 hectares, incluindo um rebanho de 200 cabras e apoio técnico, em especial para o uso do fogo, quer na prevenção, quer no combate.

O seu Canadair financiaria cerca de 50 projectos, ou seja, a gestão e combate em 100 a 200 mil hectares. Não ficaria o problema dos fogos resolvido, isso é certo, mas também não fica com o Canadair.

E repare na diferença. O Canadair é importado, as cabras são de fabrico nacional. O Canadair usa combustíveis fósseis, as cabras são recursos renováveis. O Canadair cria custos de manutenção, as cabras criam cabritos. O Canadair não altera os dados do problema, as cabras estrumam o solo e aumentam a produtividade. E, last but not the least, no fim do seu tempo de vida útil o Canadair dá ainda despesa para o seu desmantelamento e tratamento dos resíduos e as cabras dão chanfanas.

Não falo sequer na diferença de criação de emprego, não falo da presença de gente no território, não falo da diferença no equilíbrio territorial, não falo da transferência de recursos entre o litoral e o interior.

E não falo da sustentabilidade futura: o Canadair não cria riqueza e vai ser preciso de novo gastar mais 27 milhões qualquer dia, as cabras reproduzem-se e criam oportunidades de negócio incríveis, como pode imaginar, por exemplo, pensando na grande distribuição a fazer promoções de cabrito como forma de apoiar o esforço colectivo de gestão do fogo.

Pense nisto, senhor ministro, porque talvez estejamos de acordo num ponto essencial: inteligente, inteligente é sermos capazes de gerir o fogo e não precisar dos melhores meios possíveis para o tentar combater.

Até porque o fogo teima em se rir dos Canadair e outras sofisticações tecnológicas, continuando só a obedecer a quem o combate com os pés no chão, com as mãos em cabos de madeira e com uma cabeça fria que saiba usar o fogo contra o fogo.


Cabras ainda não foram para o mato prevenir os incêndios porque falta dinheiro
FÁBIO MONTEIRO 13/07/2012 - PÚBLICO

Passados dois anos, o “Self-Prevention”, um projecto ibérico de introdução de cabras nos matos para prevenir os incêndios, orçado em 48 milhões de euros, ainda não arrancou em Portugal por falta de verbas. Prometia-se criar 558 postos de trabalho, reintroduzir 150 mil cabeças de gado caprino nas zonas raianas dos distritos da Guarda, Bragança, Zamora e Salamanca (Espanha), como "limpadores naturais" dos campos.

“Ainda não conseguimos financiamento em Portugal. Temos o projecto em alguns concursos europeus, mas não é fácil arranjar fundos dada a especificidade” da iniciativa, disse ao PÚBLICO uma das responsáveis da delegação portuguesa no “Self-Prevention”, Teresa Pêra.

Mas não falta só dinheiro. “Não existe a área mínima necessária. É necessário no mínimo uma área de 200 hectares [de terrenos públicos] para este tipo de projecto e o município não tem esta área disponível”, afirmou Vítor Proença, responsável pela comunicação na Câmara do Sabugal, o único município português que chegou a reunir-se com os parceiros espanhóis. O porta-voz admitiu que o projecto não deverá avançar naquele concelho.

Em Espanha, porém, a falta de espaço não foi um obstáculo. Robleda, em Salamanca, é o único local na Peninsula Ibérica onde o projecto chegou a avançar, no ano passado, com a introdução de 200 cabras em 53 hectares.

Pastoreio orientado avança no planalto de Jales

Apesar do fracasso do “Self-Prevention”, a Aguiarfloresta - Associação Florestal e Ambiental de Vila Pouca de Aguiar decidiu apostar na ideia e tentar concretizá-la. Através do projecto "Economountain, economia da biodiversidade nas serras de Vila Pouca de Aguiar", Duarte Marques, presidente da Aguiarfloresta, introduziu já 50 cabras no planalto de Jales, em Trás-os-Montes. Este vai funcionar em parceria com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, cujos investigadores vão analisar o impacto da presença do gado na fauna e na flora. E neste caso, o financiamento é garantido pelo Fundo EDP para a Biodiversidade, com 160 mil euros.

Um rebanho de 50 cabras – que poderá aumentar no futuro - vai pastorear uma área de 90 hectares. “Vamos fazer um tipo de pastoreio orientado, em que instalamos os animais em locais estrategicamente identificados como favoráveis à redução do número de ocorrências e também à limitação da expressão do fogo”, explica Duarte Marques.

O pastoreio orientado consiste na colocação de um grande número de cabras por hectare durante um curto período, no máximo até cinco dias. “Esta técnica é útil quando se trabalham faixas de redução de combustíveis, pois os custos são mínimos quando comparados com os 750 euros que os bombeiros sapadores cobram por hectare”, afirma Henrique Pereira dos Santos, consultor independente na área da gestão da biodiversidade.

Este tipo de intervenção faz ainda mais sentido no noroeste do país, onde “existe um crescimento da cobertura vegetal acelerado devido à grande concentração de humidade”, tornando os gastos ainda maiores. “Este método pode ser um investimento a longo prazo e de baixo custo”, sublinha.

A opção pelas cabras deve-se ao facto de serem animais robustos, que se adaptam a territórios montanhosos, por vezes agrestes, e que ingerem tipos de vegetação que a maioria dos outros animais não consome.

A Aguiarfloresta está ainda a trabalhar com os pastores daquela região, de forma a integrá-los também na gestão do território e defesa da floresta e, ao mesmo tempo, valorizar a pastorícia. A ideia é incentivar a aposta nos produtos associados à actividade, como a carne, leite ou o queijo, com vista à dinamização da economia local. Vão ser criadas plataformas virtuais para a venda destes produtos, para aproximar os produtores dos consumidores. "Espera-se obter uma solução mais barata e de maior valor ambiental do que as que habitualmente são usadas", salientou Duarte Marques.

Método mais eficaz se for complementar

O recurso ao gado caprino para prevenir os incêndios não é uma novidade em Portugal. Há projectos já no terreno em Castelo Branco e no Piódão, por exemplo, mas os resultados estão aquém do esperado, mais uma vez devido à falta de apoios financeiros e ao desinteresse da população local, queixam-se as associações responsáveis por estes projectos.

A verdade é que os investigadores ainda não têm certezas quanto à eficácia deste método. “Ainda não está comprovado cientificamente que o uso de cabras no controlo da vegetação possa ajudar na prevenção de incêndios, mas já existem registos que o pastoreio de cabras em zonas previamente ardidas diminui a probabilidade da reincidência de incêndios”, afirma Paulo Fernandes, investigador e membro do Grupo de Fogos da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.


A intervenção é mais eficaz para manter áreas que foram tratadas com outras técnicas, como a limpeza de matos através das equipas de sapadores florestais ou o uso do fogo controlado. “Este tipo de intervenção só funciona nos primeiros anos de crescimento do coberto vegetal, pois, após um certo ponto do crescimento da vegetação, as cabras já não o conseguem digerir” acrescenta.

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