OPINIÃO
Antes cabras que aviões
HENRIQUE PEREIRA
DOS SANTOS 20/03/2014 – PÚBLICO
Inteligente é sermos capazes de gerir o fogo e não precisar dos melhores
meios possíveis para o tentar combater.
Exmo. senhor
ministro da Administração Interna,
Li que tenciona
gastar 27 milhões de euros em cada um dos aviões para os fogos.
Tenho uma
proposta para lhe fazer: entregue-me os 27 milhões que custa um Canadair e
deixe-me geri-los, absolutamente pro bono.
Explico-lhe o que
farei com eles. Faço um concurso para projectos que tenham as seguintes
características:
1) Terem uma área
geográfica definida; 2) Usarem, de forma integrada, fogo, cabras e sapadores
para gerirem o mato; 3) As mesmas pessoas responsáveis por gerir o mato serão
responsáveis pelo combate nessa área geográfica (usando ferramentas com cabos
de pau e pinga-lume, como alguém dizia um dia destes, judiciosamente).
Os projectos
poderiam ser de proprietários, associações de proprietários, ONG, associações
de bombeiros, qualquer pessoa ou instituição, excluindo o Estado e qualquer
associação em que o Estado tivesse mais de 15% do capital.
Da experiência
que tenho por gerir um projecto que tem algumas semelhanças com o descrito
(financiado, veja lá, com o Fundo EDP de Biodiversidade, porque o Fundo
Florestal Permanente é gerido como sabe), eu diria que tipicamente um
financiamento de 500 mil euros seria suficiente para financiar cinco anos a
gestão de qualquer coisa como 2500
a cerca de 5000 hectares , incluindo um rebanho de 200
cabras e apoio técnico, em especial para o uso do fogo, quer na prevenção, quer
no combate.
O seu Canadair
financiaria cerca de 50 projectos, ou seja, a gestão e combate em 100 a 200 mil hectares. Não
ficaria o problema dos fogos resolvido, isso é certo, mas também não fica com o
Canadair.
E repare na
diferença. O Canadair é importado, as cabras são de fabrico nacional. O
Canadair usa combustíveis fósseis, as cabras são recursos renováveis. O
Canadair cria custos de manutenção, as cabras criam cabritos. O Canadair não
altera os dados do problema, as cabras estrumam o solo e aumentam a
produtividade. E, last but not the least, no fim do seu tempo de vida útil o
Canadair dá ainda despesa para o seu desmantelamento e tratamento dos resíduos
e as cabras dão chanfanas.
Não falo sequer
na diferença de criação de emprego, não falo da presença de gente no
território, não falo da diferença no equilíbrio territorial, não falo da
transferência de recursos entre o litoral e o interior.
E não falo da
sustentabilidade futura: o Canadair não cria riqueza e vai ser preciso de novo
gastar mais 27 milhões qualquer dia, as cabras reproduzem-se e criam oportunidades
de negócio incríveis, como pode imaginar, por exemplo, pensando na grande
distribuição a fazer promoções de cabrito como forma de apoiar o esforço
colectivo de gestão do fogo.
Pense nisto,
senhor ministro, porque talvez estejamos de acordo num ponto essencial:
inteligente, inteligente é sermos capazes de gerir o fogo e não precisar dos
melhores meios possíveis para o tentar combater.
Cabras ainda não foram para o mato prevenir os incêndios porque falta
dinheiro
FÁBIO MONTEIRO
13/07/2012 - PÚBLICO
Passados dois
anos, o “Self-Prevention”, um projecto ibérico de introdução de cabras nos matos
para prevenir os incêndios, orçado em 48 milhões de euros, ainda não arrancou
em Portugal por falta de verbas. Prometia-se criar 558 postos de trabalho,
reintroduzir 150 mil cabeças de gado caprino nas zonas raianas dos distritos da
Guarda, Bragança, Zamora e Salamanca (Espanha), como "limpadores
naturais" dos campos.
“Ainda não
conseguimos financiamento em Portugal. Temos o projecto em alguns concursos
europeus, mas não é fácil arranjar fundos dada a especificidade” da iniciativa,
disse ao PÚBLICO uma das responsáveis da delegação portuguesa no
“Self-Prevention”, Teresa Pêra.
Mas não falta só
dinheiro. “Não existe a área mínima necessária. É necessário no mínimo uma área
de 200 hectares
[de terrenos públicos] para este tipo de projecto e o município não tem esta
área disponível”, afirmou Vítor Proença, responsável pela comunicação na Câmara
do Sabugal, o único município português que chegou a reunir-se com os parceiros
espanhóis. O porta-voz admitiu que o projecto não deverá avançar naquele
concelho.
Em Espanha,
porém, a falta de espaço não foi um obstáculo. Robleda, em Salamanca, é o único
local na Peninsula Ibérica onde o projecto chegou a avançar, no ano passado,
com a introdução de 200 cabras em 53 hectares .
Pastoreio
orientado avança no planalto de Jales
Apesar do
fracasso do “Self-Prevention”, a Aguiarfloresta - Associação Florestal e
Ambiental de Vila Pouca de Aguiar decidiu apostar na ideia e tentar
concretizá-la. Através do projecto "Economountain, economia da
biodiversidade nas serras de Vila Pouca de Aguiar", Duarte Marques,
presidente da Aguiarfloresta, introduziu já 50 cabras no planalto de Jales, em
Trás-os-Montes. Este vai funcionar em parceria com a Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro, cujos investigadores vão analisar o impacto da
presença do gado na fauna e na flora. E neste caso, o financiamento é garantido
pelo Fundo EDP para a Biodiversidade, com 160 mil euros.
Um rebanho de 50
cabras – que poderá aumentar no futuro - vai pastorear uma área de 90 hectares . “Vamos
fazer um tipo de pastoreio orientado, em que instalamos os animais em locais
estrategicamente identificados como favoráveis à redução do número de
ocorrências e também à limitação da expressão do fogo”, explica Duarte Marques.
O pastoreio
orientado consiste na colocação de um grande número de cabras por hectare
durante um curto período, no máximo até cinco dias. “Esta técnica é útil quando
se trabalham faixas de redução de combustíveis, pois os custos são mínimos
quando comparados com os 750 euros que os bombeiros sapadores cobram por
hectare”, afirma Henrique Pereira dos Santos, consultor independente na área da
gestão da biodiversidade.
Este tipo de
intervenção faz ainda mais sentido no noroeste do país, onde “existe um
crescimento da cobertura vegetal acelerado devido à grande concentração de
humidade”, tornando os gastos ainda maiores. “Este método pode ser um
investimento a longo prazo e de baixo custo”, sublinha.
A opção pelas
cabras deve-se ao facto de serem animais robustos, que se adaptam a territórios
montanhosos, por vezes agrestes, e que ingerem tipos de vegetação que a maioria
dos outros animais não consome.
A Aguiarfloresta
está ainda a trabalhar com os pastores daquela região, de forma a integrá-los
também na gestão do território e defesa da floresta e, ao mesmo tempo,
valorizar a pastorícia. A ideia é incentivar a aposta nos produtos associados à
actividade, como a carne, leite ou o queijo, com vista à dinamização da
economia local. Vão ser criadas plataformas virtuais para a venda destes
produtos, para aproximar os produtores dos consumidores. "Espera-se obter
uma solução mais barata e de maior valor ambiental do que as que habitualmente
são usadas", salientou Duarte Marques.
Método mais
eficaz se for complementar
O recurso ao gado
caprino para prevenir os incêndios não é uma novidade em Portugal. Há projectos
já no terreno em Castelo Branco e no Piódão, por exemplo, mas os resultados
estão aquém do esperado, mais uma vez devido à falta de apoios financeiros e ao
desinteresse da população local, queixam-se as associações responsáveis por
estes projectos.
A verdade é que
os investigadores ainda não têm certezas quanto à eficácia deste método. “Ainda
não está comprovado cientificamente que o uso de cabras no controlo da
vegetação possa ajudar na prevenção de incêndios, mas já existem registos que o
pastoreio de cabras em zonas previamente ardidas diminui a probabilidade da
reincidência de incêndios”, afirma Paulo Fernandes, investigador e membro do
Grupo de Fogos da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.
A intervenção é
mais eficaz para manter áreas que foram tratadas com outras técnicas, como a
limpeza de matos através das equipas de sapadores florestais ou o uso do fogo
controlado. “Este tipo de intervenção só funciona nos primeiros anos de
crescimento do coberto vegetal, pois, após um certo ponto do crescimento da
vegetação, as cabras já não o conseguem digerir” acrescenta.
Sem comentários:
Enviar um comentário