Portugueses estão insatisfeitos
com “falta de controlo popular” do poder político
NATÁLIA FARIA
17/03/2014 - PÚBLICO
European Social Survey , que mede a satisfação dos europeus com a
democracia, mostra que portugueses querem justiça mais equitativa e combate
mais eficaz à pobreza e desigualdades sociais
Os portugueses
estão insatisfeitos com vários aspectos da democracia portuguesa. Quase 40 anos
depois do 25 de Abril, sentem que há falta de controlo popular do poder
político e que os governos não explicam as suas decisões aos eleitores.
Os dados mais
recentes do European Social Survey (que mede o significado e a avaliação da
democracia em 23 países e que em Portugal é coordenado pelo Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) revelam “défices” democráticos e
mostram os portugueses insatisfeitos relativamente a vários aspectos da
democracia. “Os maiores défices apercebidos situam-se no domínio do
funcionamento dos tribunais, na capacidade dos governos assegurarem justiça
social e num sentimento de falta de controlo popular do poder político”, ou
seja, os portugueses estão cansados dos governos “que não explicam as suas
decisões aos eleitores”, conforme se lê no documento que compila os dados do
inquérito presencial, realizado entre Outubro de 2012 e Fevereiro de 2013, a 40 mil pessoas e
cujos resultados são escrutinados esta terça-feira, em Lisboa, num seminário
que conta com a presença dos politólogos Pedro Magalhães e Marina Costa Lobo,
entre outros.
Relativamente aos
mecanismos de democracia directa, os portugueses atribuem uma importância de
7,9 pontos aos referendos, numa escala de 0 a 10. Porém, na avaliação de desempenho, a
pontuação baixa para os 3,7. “Esta valorização do referendo, por um lado, e a
sua avaliação negativa, por outro, mostra que há uma maioridade democrática da
população”, interpretou ao PÚBLICO o sociólogo Elísio Estanque, do Centro de Estudos
Sociais da Universidade de Coimbra. “Infelizmente”, acrescenta o sociólogo, “as
instituições não estão a respeitar esta vontade”.
Questionado sobre
as razões que ajudam a explicar a escassez de referendos em Portugal, Elísio
Estanque mostra-se convencido de que “os políticos portugueses têm medo da
democracia”, ou seja, “depois de instalados nos lugares, não querem delegar
responsabilidades na população”.
Por causa deste
divórcio é que Elísio Estanque prevê um aumento substancial da abstenção nas europeias
marcadas para final de Maio, “o que não deixa de ser paradoxal porque a
política europeia nunca foi tão prioritária como hoje”.
No confronto
destes resultados com os obtidos para o conjunto dos 23 países incluídos no
ESS, a conclusão é clara: os portugueses estão mais insatisfeitos em
praticamente todos os itens da escala. As eleições livres e directas e a
existência de media de qualidade e de uma oposição livre são os três únicos
aspectos a merecer uma avaliação dos portugueses mais positiva do que a
generalidade dos europeus.
Para permitir uma
comparação entre a classe política e a população em geral, o Instituto de
Ciências Sociais alargou algumas das perguntas do ESS aos deputados da
Assembleia da República e aos presidentes de câmara. Apenas 88 deputados e 143
autarcas responderam. Mas foi o bastante para apurar algumas diferenças. Desde
logo porque a ideia de que o Governo deve alterar as políticas planeadas de
acordo com a vontade da maioria prevaleceu mais entre os cidadãos (75,2%) do que
entre os políticos (57,6%).
Por outro lado,
apenas uma pequena minoria de cidadãos (7,3%) concorda que o Governo prossiga
com políticas com que a maioria da população discorda. “Há aqui uma clara
percepção de que os Governos subvertem muito rapidamente aquilo que é a vontade
da maioria e alteram as promessas eleitorais pouco tempo depois de tomarem
posse”, admite Elísio Estanque, para quem “é evidente que o descontentamento
está instalado na sociedade portuguesa, bem como a convicção de que estas
medidas de austeridade não estão a responder às necessidades prementes das
pessoas”. Curiosamente, entre os autarcas e deputados, 35,9% estão dispostos a
aceitar que os governantes recusem mudar o rumo.
Portugueses têm orgulho no país e
vergonha do sistema político e económico
ALEXANDRA CAMPOS
17/03/2014 - PÚBLICO
São grandes acontecimentos
do passado, como o 25 de Abril e os Descobrimentos, que mais simbolizam a
capacidade de união do povo. O Estado Novo também é mencionado no estudo sobre
o que une os portugueses
Os portugueses sentem-se
muito ligados ao país, continuam orgulhosos de Portugal, mas é elevada a
descrença no sistema político e económico actual, que é mesmo encarado com
embaraço e vergonha. São os grandes feitos do passado, como o 25 de Abril de
1974 e os Descobrimentos, que mais simbolizam a capacidade de união dos
cidadãos, e os principais elementos de identidade nacional continuam a ser a
bandeira, Fátima, a gastronomia e o fado.
É o retrato de um
país dividido o que transparece do estudo de opinião “Percepções sobre a União
dos Portugueses” que esta segunda-feira ao final da tarde é apresentado em
Lisboa. Promovido pela Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e realizado
pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica e pela
empresa Ipsos Apeme, o trabalho pretendeu perceber se os portugueses estão ou
não unidos, o que os une e o que os consegue mobilizar. A opinião recolhida é
tudo menos consensual: 44% dos inquiridos acreditam que há união entre os
portugueses, 32% defendem que é “moderada”, mas quase um quarto sustenta que o
laço não existe. São os mais instruídos que classificam os portugueses como
mais unidos.
A percepção sobre
os factores de união e os elementos que melhor definem a imagem de Portugal
também variam acentuadamente. Os mais jovens e instruídos vêem a imagem de
Portugal associada sobretudo a símbolos relacionados com o turismo (sol, praia
e gastronomia), ao fado e à selecção nacional. Já os mais velhos, menos
instruídos e com rendimentos mais baixos associam o país a elementos mais
tradicionais, como a bandeira nacional e Fátima. No global, estes dois símbolos
são justamente os mais mencionados pelos inquiridos (43 e 37%,
respectivamente).
“Mas esta não é a
trilogia clássica Fátima, fado e futebol.
O fado é mais escolhido pelos mais jovens e mais instruídos, o que pode
sugerir uma reapropriação dos elementos identitários”, sublinha Verónica
Policarpo, uma das autoras do estudo.
“Os mais jovens não se revêem tanto nos elementos mais tradicionais”, corrobora
a outra autora, Josefa Ramalho.
A solidariedade,
os laços familiares e a língua são as características que mais contribuem para
unir os cidadãos. O orgulho em ser português também pesa nesta equação, tal
como o desporto, mas a existência de “líderes reconhecidos” praticamente não é
referida pelos inquiridos (só 2% a mencionam).
Medido o orgulho
em ser português, percebe-se que o sentimento é elevado (60% dizem-se muito
orgulhosos e 26% “algo orgulhosos”), mas
ainda assim “cauteloso”. “O orgulho é
cauteloso porque não é transversal a todos os nossos feitos”, explica Josefa
Ramalho. Há muito orgulho nos feitos da história, do desporto, das artes e da
ciência, mas “embaraço e vergonha no sistema económico e político actual”,
nomeadamente no modo como funciona a democracia, destacam as autoras.
Apesar desta
descrença no sistema político-económico, continua a ser muito forte o
sentimento de ligação dos portugueses ao país: 84% dos inquiridos dizem-se
ligados ou muito ligados a Portugal. Para as autoras do estudo, esta ligação é
mesmo “o que mais une os portugueses”. Nos acontecimentos históricos
identificados como eventos que simbolizam a união e são elementos de memória
colectiva, além do 25 de Abril de 1974 e dos Descobrimentos, o Estado Novo
também é referido e por metade dos inquiridos.
Mobilização mais
em causas pontuais do que estruturais
Na capacidade de
mobilização também não há consenso. Mais de metade dos inquiridos consideram
que os portugueses se envolvem em causas de interesse comum, mas 18% defendem
que não e 28% pensam que os cidadãos apenas se mobilizam de forma “moderada”.
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