terça-feira, 18 de março de 2014

Portugueses estão insatisfeitos com “falta de controlo popular” do poder político. Portugueses têm orgulho no país e vergonha do sistema político e económico.

Portugueses estão insatisfeitos com “falta de controlo popular” do poder político
NATÁLIA FARIA 17/03/2014 - PÚBLICO
European Social Survey , que mede a satisfação dos europeus com a democracia, mostra que portugueses querem justiça mais equitativa e combate mais eficaz à pobreza e desigualdades sociais

Os portugueses estão insatisfeitos com vários aspectos da democracia portuguesa. Quase 40 anos depois do 25 de Abril, sentem que há falta de controlo popular do poder político e que os governos não explicam as suas decisões aos eleitores.

Os dados mais recentes do European Social Survey (que mede o significado e a avaliação da democracia em 23 países e que em Portugal é coordenado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) revelam “défices” democráticos e mostram os portugueses insatisfeitos relativamente a vários aspectos da democracia. “Os maiores défices apercebidos situam-se no domínio do funcionamento dos tribunais, na capacidade dos governos assegurarem justiça social e num sentimento de falta de controlo popular do poder político”, ou seja, os portugueses estão cansados dos governos “que não explicam as suas decisões aos eleitores”, conforme se lê no documento que compila os dados do inquérito presencial, realizado entre Outubro de 2012 e Fevereiro de 2013, a 40 mil pessoas e cujos resultados são escrutinados esta terça-feira, em Lisboa, num seminário que conta com a presença dos politólogos Pedro Magalhães e Marina Costa Lobo, entre outros.

Relativamente aos mecanismos de democracia directa, os portugueses atribuem uma importância de 7,9 pontos aos referendos, numa escala de 0 a 10. Porém, na avaliação de desempenho, a pontuação baixa para os 3,7. “Esta valorização do referendo, por um lado, e a sua avaliação negativa, por outro, mostra que há uma maioridade democrática da população”, interpretou ao PÚBLICO o sociólogo Elísio Estanque, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. “Infelizmente”, acrescenta o sociólogo, “as instituições não estão a respeitar esta vontade”.

Questionado sobre as razões que ajudam a explicar a escassez de referendos em Portugal, Elísio Estanque mostra-se convencido de que “os políticos portugueses têm medo da democracia”, ou seja, “depois de instalados nos lugares, não querem delegar responsabilidades na população”.

Por causa deste divórcio é que Elísio Estanque prevê um aumento substancial da abstenção nas europeias marcadas para final de Maio, “o que não deixa de ser paradoxal porque a política europeia nunca foi tão prioritária como hoje”.

No confronto destes resultados com os obtidos para o conjunto dos 23 países incluídos no ESS, a conclusão é clara: os portugueses estão mais insatisfeitos em praticamente todos os itens da escala. As eleições livres e directas e a existência de media de qualidade e de uma oposição livre são os três únicos aspectos a merecer uma avaliação dos portugueses mais positiva do que a generalidade dos europeus. 

Para permitir uma comparação entre a classe política e a população em geral, o Instituto de Ciências Sociais alargou algumas das perguntas do ESS aos deputados da Assembleia da República e aos presidentes de câmara. Apenas 88 deputados e 143 autarcas responderam. Mas foi o bastante para apurar algumas diferenças. Desde logo porque a ideia de que o Governo deve alterar as políticas planeadas de acordo com a vontade da maioria prevaleceu mais entre os cidadãos (75,2%) do que entre os políticos (57,6%).

Por outro lado, apenas uma pequena minoria de cidadãos (7,3%) concorda que o Governo prossiga com políticas com que a maioria da população discorda. “Há aqui uma clara percepção de que os Governos subvertem muito rapidamente aquilo que é a vontade da maioria e alteram as promessas eleitorais pouco tempo depois de tomarem posse”, admite Elísio Estanque, para quem “é evidente que o descontentamento está instalado na sociedade portuguesa, bem como a convicção de que estas medidas de austeridade não estão a responder às necessidades prementes das pessoas”. Curiosamente, entre os autarcas e deputados, 35,9% estão dispostos a aceitar que os governantes recusem mudar o rumo.


Portugueses têm orgulho no país e vergonha do sistema político e económico
ALEXANDRA CAMPOS 17/03/2014 - PÚBLICO

São grandes acontecimentos do passado, como o 25 de Abril e os Descobrimentos, que mais simbolizam a capacidade de união do povo. O Estado Novo também é mencionado no estudo sobre o que une os portugueses
Os portugueses sentem-se muito ligados ao país, continuam orgulhosos de Portugal, mas é elevada a descrença no sistema político e económico actual, que é mesmo encarado com embaraço e vergonha. São os grandes feitos do passado, como o 25 de Abril de 1974 e os Descobrimentos, que mais simbolizam a capacidade de união dos cidadãos, e os principais elementos de identidade nacional continuam a ser a bandeira, Fátima, a gastronomia e o fado.

É o retrato de um país dividido o que transparece do estudo de opinião “Percepções sobre a União dos Portugueses” que esta segunda-feira ao final da tarde é apresentado em Lisboa. Promovido pela Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e realizado pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica e pela empresa Ipsos Apeme, o trabalho pretendeu perceber se os portugueses estão ou não unidos, o que os une e o que os consegue mobilizar. A opinião recolhida é tudo menos consensual: 44% dos inquiridos acreditam que há união entre os portugueses, 32% defendem que é “moderada”, mas quase um quarto sustenta que o laço não existe. São os mais instruídos que classificam os portugueses como mais unidos.

A percepção sobre os factores de união e os elementos que melhor definem a imagem de Portugal também variam acentuadamente. Os mais jovens e instruídos vêem a imagem de Portugal associada sobretudo a símbolos relacionados com o turismo (sol, praia e gastronomia), ao fado e à selecção nacional. Já os mais velhos, menos instruídos e com rendimentos mais baixos associam o país a elementos mais tradicionais, como a bandeira nacional e Fátima. No global, estes dois símbolos são justamente os mais mencionados pelos inquiridos (43 e 37%, respectivamente).

“Mas esta não é a trilogia clássica Fátima, fado e futebol.  O fado é mais escolhido pelos mais jovens e mais instruídos, o que pode sugerir uma reapropriação dos elementos identitários”, sublinha Verónica Policarpo,  uma das autoras do estudo. “Os mais jovens não se revêem tanto nos elementos mais tradicionais”, corrobora a outra autora, Josefa Ramalho.

A solidariedade, os laços familiares e a língua são as características que mais contribuem para unir os cidadãos. O orgulho em ser português também pesa nesta equação, tal como o desporto, mas a existência de “líderes reconhecidos” praticamente não é referida pelos inquiridos (só 2% a mencionam).

Medido o orgulho em ser português, percebe-se que o sentimento é elevado (60% dizem-se muito orgulhosos e  26% “algo orgulhosos”), mas ainda assim “cauteloso”.  “O orgulho é cauteloso porque não é transversal a todos os nossos feitos”, explica Josefa Ramalho. Há muito orgulho nos feitos da história, do desporto, das artes e da ciência, mas “embaraço e vergonha no sistema económico e político actual”, nomeadamente no modo como funciona a democracia, destacam as autoras.

Apesar desta descrença no sistema político-económico, continua a ser muito forte o sentimento de ligação dos portugueses ao país: 84% dos inquiridos dizem-se ligados ou muito ligados a Portugal. Para as autoras do estudo, esta ligação é mesmo “o que mais une os portugueses”. Nos acontecimentos históricos identificados como eventos que simbolizam a união e são elementos de memória colectiva, além do 25 de Abril de 1974 e dos Descobrimentos, o Estado Novo também é referido e por metade dos inquiridos.

Mobilização mais em causas pontuais do que estruturais

Na capacidade de mobilização também não há consenso. Mais de metade dos inquiridos consideram que os portugueses se envolvem em causas de interesse comum, mas 18% defendem que não e 28% pensam que os cidadãos apenas se mobilizam de forma “moderada”.

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