EDITORIAL
Dois erros na reforma das pensões
DIRECÇÃO
EDITORIAL 28/03/2014 - PÚBLICO
Trocar uma medida
temporária por uma outra avulsa dificilmente passará no Constitucional.
Há um problema de
forma e de conteúdo na polémica sobre o corte das pensões. Primeiro, a forma.
Uma fonte oficial do Ministério das Finanças chama os jornalistas para explicar
que o Governo está a estudar uma nova fórmula de cálculo das pensões que
passaria por indexar o valor das reformas ao crescimento económico e a
indicadores demográficos. Esta seria a solução para substituir os cortes
temporários que o Governo está a fazer através da contribuição extraordinária
de solidariedade (CES). Ao que parece, há uma falta de sintonia dentro do
próprio Governo. Em reacção às notícias publicadas nos jornais, a citar a fonte
oficial das Finanças, Passos Coelho veio falar em “especulação”, e enviou um
recado para dentro do próprio Governo. O primeiro-ministro pediu
especificamente aos membros do Governo que contribuam para um debate “mais
sereno e mais informado”. Já as declarações de Marques Guedes, que fala em
“manipulação” de informação, parecem ser claramente excessivas.
Em relação ao
conteúdo, o que parece estar em causa é a substituição de uma medida
temporária, a CES, por uma outra avulsa, já que a tal fonte oficial do
Ministério das Finanças admite que em 2015 apenas estará em vigor uma nova
fórmula de cálculo das pensões (que fará baixar o seu valor) sem estar ainda
enquadrada numa reforma estrutural do sistema de Segurança Social e da CGA.
Constitucionalistas ouvidos pelo PÚBLICO alertam que se a medida avançar poderá
esbarrar novamente no Tribunal Constitucional, que, aquando do chumbo do
diploma da convergência, deixou bem claro que só aceitaria uma redução das
pensões de forma permanente se o corte fosse feito no âmbito de uma reforma
estrutural e não apenas para conseguir poupanças imediatas para tapar o buraco
das contas públicas.
Corte permanente nas pensões
causa embaraço no Governo
Noticias sobre a medida que está a ser estudada para substituir a CES, a
partir do próximo ano causou mal-estar no Governo e na maioria
Raquel Martins e
Maria Lopes / 28 mar 2014 / PÚBLICO
As notícias sobre
os cortes permanentes nas pensões, que estão a ser estudados para entrarem em
vigor no próximo ano, causaram embaraço dentro do Governo e na maioria. Passos
Coelho foi o primeiro a reagir. A partir de Moçambique, o primeiro-ministro
classificou como “especulação” as notícias que dão conta de um corte permanente
nas pensões, tendo por base indicadores económicos e demográficos, e de caminho
deixou, de forma indirecta, um recado ao Ministério das Finanças. Mais tarde
foi o ministro da Presidência, Luís Marques Guedes, que, sem nunca desmentir a
informação, repetiu que o Governo ainda não tomou uma decisão sobre as
alternativas à Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES).
As reacções
surgem depois de o PÚBLICO e outros órgãos de comunicação social terem avançado
que o Governo pondera substituir a CES por um mecanismo permanente que permita
ajustar o valor das pensões à evolução de vários indicadores económicos e
demográficos. Na quarta-feira, num encontro informal com jornalistas, fonte
oficial do Ministério das Finanças explicou que a reforma dos sistemas de
pensões terá dois momentos. Numa primeira fase, o grupo de trabalho encarregue
desta matéria está a efectuar várias simulações para definir as medidas que
garantam “a redução na despesa no imediato” e que devem vigorar já no próximo
ano. “O objectivo das reformas a aplicar no curto prazo é que não sejam apenas
um corte, mas um ajustamento que tem de ter em conta a evolução do factor
económico e demográfico e que possa estar indexado a um mix de indicadores”,
acrescentou a mesma fonte. O trabalho final “mais de fundo” foi remetido para
depois de 2015.
Confrontado com o
facto de a possibilidade ter sido avançada por fonte oficial do Ministério das
Finanças, durante um encontro informal com jornalistas, Passos Coelho
relativizou: “Ainda não há relatório, só pode ser especulação”. Mas o
primeiro-ministro fez questão de deixar um recado aos membros do executivo,
lembrando que o debate público em Portugal “podia ser mais sereno e mais
informado” e que espera que “os membros do Governo contribuam também para
isso”.
Na habitual
conferência de imprensa no final da reunião do Conselho de Ministros de ontem,
Luís Marques Guedes alinhou pelos mesmos argumentos. “Porventura a
interpretação que alguns órgãos de comunicação fazem de conversas que tiveram
com alguns, ou algum, membro do Governo, seguramente é exagerada para não dizer
abusiva. Porque uma coisa é fazer-se um ponto de situação dos trabalhos que
estão a decorrer, outra é tirar daí conclusões. Isso é um passo exagerado e
abusivo”, disse, depois de ter destacado por diversas vezes que o mandato do
grupo de trabalho visa propor uma solução duradoura para as pensões, que terá
de ser debatida com os parceiros sociais e no Parlamento.
Marques Guedes
reiterou, “tal como já foi dito pelo primeiroministro”, que “não é intenção do
Governo haver qualquer redução adicional relativamente aos rendimentos dos
pensionistas e reformados”. Mas as notícias avançadas nunca dão conta de cortes
adicionais, mas de medidas para substituir a CES.
Ao incómodo
manifestado oficialmente pelos membros do Governo, seguiram-se, ontem ao final
do dia, notícias que davam conta de que nem o primeiro-ministro, nem o
vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, nem o ministro-adjunto, Miguel Poiares
Maduro, estavam a par do encontro informal promovido pelo Ministério das
Finanças. O PÚBLICO tentou confirmar a informação avançada pelo Expresso, TSF e
Renascença, mas a até ao fecho da edição não foi possível.
Hoje, Paulo
Portas será confrontado com o assunto durante a interpelação ao Governo sobre o
programa de ajustamento, promovida pelo Bloco de Esquerda.
Perante esta
polémica, o grupo parlamentar do PS anunciou ontem à noite que vai propor a
audição do secretário de Estado da Administração pública, José Leite Martins,
responsável pela pasta da Administração Pública e coordenador do grupo de
trabalho da reforma das pensões. O objectivo é esclarecer as intenções do
Governo quanto ao futuro das pensões.
O mal-estar entre
os deputados do PSD e do CDS também era evidente. Faltam dois meses para as
eleições europeias e há quem veja na divulgação desta informação um tiro no pé
da maioria.
Proposta em risco
Avançar com um
corte definitivo nas pensões sem ser no âmbito de uma reforma mais abrangente
do sistema da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações corre o risco
de ser travado pelo Tribunal Constitucional (TC). Este é o entendimento de
vários constitucionalistas consultados pelo PÚBLICO que alertam que o TC,
quando chumbou a lei da convergência das pensões, deixou claro que a alteração
dos montantes das pensões em pagamento só seria aceitável no âmbito de uma
reforma estrutural dos regimes.
“A ideia de
avançar com uma medida de curto prazo que tem de ter um resultado equivalente à
CES, com a promessa de uma reforma profunda após 2015 não vai convencer”,
alerta Jorge Pereira da Silva, constitucionalista e professor na Universidade
Católica de Lisboa.
“À luz do acórdão
[862/2013], tudo o que seja transitório e a avulso, com o objectivo de resolver
problemas de curto prazo não vai passar. O TC exige um sistema quase perfeito
do ponto de vista da igualdade e de sustentabilidade, num horizonte
considerável. E ainda impõe a unificação dos dois regimes”, acrescenta.
Soluções como a
que está em cima da mesa e que visam responder a “necessidades orçamentais de
curto prazo”, alerta Pereira da Silva, correm riscos. “Estamos perante uma
fórmula matemática para obter um determinado resultado”, critica.
No acórdão que
chumbou o corte de 10% nas pensões em pagamento da função pública, o TC conclui
que “a violação das expectativas em causa (...) só se justificaria
eventualmente no contexto de uma reforma estrutural que integrasse de forma
abrangente a ponderação de vários factores. Só semelhante reforma poderia,
eventualmente, justificar uma alteração nos montantes das pensões a pagamento”.
Os especialistas
que constituem o grupo de trabalho das pensões estão a analisar várias
simulações para avaliar qual o conjunto de indicadores adequados que permita um
resultado “equitativo”, “modulado” e que tenha em conta os segmentos de
pensionistas com rendimentos mais baixos. O mix de indicadores poderia incluir
a evolução do PIB, indicadores demográficos ou o equilíbrio entre o número de
pensionistas e os contribuintes para o sistema de Segurança Social, tal como
acontece em países como Espanha, Alemanha ou Suécia. Um sistema como o que está
agora a ser equacionado pelo Governo permitiria que, de 2015 em diante, as
pensões em pagamento aumentassem ou diminuíssem, consoante a evolução dos
indicadores escolhidos.
O professor da
Faculdade de Direito de Lisboa Paulo Otero, entende que teoricamente,
indicadores como os que estão ser estudados “são aceitáveis”, a questão é saber
se são realistas e se se aplicam também às pensões em pagamento. “Em abstracto,
critérios como a evolução da economia e a demografia parecem-me elegíveis para
determinar o futuro das pensões, mas têm uma grande dose de incerteza”, realça
ao PÚBLICO.
Também Paulo
Veiga e Moura, especialista em direito administrativo, alerta que, mesmo que o
TC aceite cortes não temporários, os critérios “têm de ser realistas”. “Não faz
sentido dizer que as pensões só aumentam se a economia crescer a um ritmo de
10% ao ano”, exemplifica. com Sofia Rodrigues e Nuno Sá Lourenço
O Groucho Marx de Maria Luís
Por Luís Rosa
publicado em 28
Mar 2014 in
(jornal) i online
Se tivesse
orgulho político, Leite Martins já teria apresentado a demissão
No dia em que os
juros da dívida a 10 anos desceram para mínimos de Março de 2010 (ligeiramente
acima dos 4%), o governo inventou uma
nova trapalhada sobre o hipersensível tema da segurança social, que é
reveladora da sua incapacidade para comunicar com os portugueses.
O até agora
desconhecido secretário de Estado da Administração Pública resolveu convidar
alguns jornalistas para um briefing sobre a contribuição extraordinária de
solidariedade (CES). Sendo o líder do grupo de trabalho que está a estudar uma
medida que substitua a CES, e sendo os pensionistas da Caixa Geral de
Aposentações (tutelada pelas Finanças) mais afectados por aquela medida
extraordinária que a Segurança Social (pela simples razão de pagar pensões mais
elevadas), seria de louvar a atitude de transparência do Dr. Leite Martins.
O problema é que
este ex-inspector-geral de Finanças, porventura por não ter os dotes de
comunicação do Dr. Passos ou do Dr. Portas, conseguiu a proeza de causar ainda
mais confusão que aquela que já existia desde que o Dr. Montenegro jurou a pés
juntos que não existiriam mais cortes nos salários e nas pensões
- o que causou
espanto geral perante a perspectiva de novos cortes na despesa de cerca de 2
mil milhões de euros. Em primeiro lugar, desmentiu o líder parlamentar do PSD,
assegurando que existiriam cortes definitivos. Conseguiu também, não se sabe
como, que uns jornais garantissem que os cortes eram definitivos, enquanto
outros diziam que o valor da pensão iria variar anualmente, podendo subir ou
descer em função do crescimento económico. E que uns tenham percebido que os
polícias e militares teriam de reformar-se mais tarde e outros não tenham
ouvido nada. Resultado: a conversa do secretário de Estado com os jornalistas
foi a notícia do dia, para deleite da oposição e susto dos pensionistas. Uma
senhora trapalhada, portanto!
Depois de
desempenhar um papel semelhante ao de Groucho Marx, que adorava criar confusão
em seu redor, o Dr. Leite Martins foi criticado e desautorizado por dois
importantes ministros e pelo próprio chefe de governo. Poiares Maduro,
responsável pela coordenação política, mandou dizer que nada sabia e assegurou
que o "governo no seu todo foi surpreendido", Marques Guedes foi duro
ao afirmar que as notícias provocaram "alarme social e injustificado"
e Passos Coelho deu um murro na mesa para dizer que ainda não tinha decidido
nada. Nova proeza: o secretário de Estado da Administração Pública continua a
chamar-se Leite Martins e ainda não teve o orgulho político de apresentar a
demissão, pelo menos até ao fecho da edição.
No final do dia,
os portugueses ficaram sem perceber o que vai acontecer com a substituição da
CES. A insegurança provocada por esta trapalhada é a pior violação do contrato
do Estado com os pensionistas que pode haver. Só um governo muito inábil, como
muitas vezes é o actual executivo, poderia provocar tamanha confusão. Pior
ainda: a polémica enfraquece a credibilidade do Ministério das Finanças e de
Maria Luís Albuquerque.
A ironia das
ironias é que algumas das medidas que foram adiantadas fazem sentido - assim
como é inevitável uma reforma global do sistema de segurança social. Perante o
fraco crescimento económico e o inverno demográfico que Portugal está a viver,
será inevitável que o chamado factor de sustentabilidade seja agravado num grau
que permita garantir uma receita semelhante ao valor da receita da CES. Se este
governo não fosse quase autista a comunicar, isso já teria sido explicado aos
portugueses. Sem trapalhadas pelo meio.
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