Extrema-direita ucraniana só vai parar quando tomar o
poder
Reportagem Paulo Moura / 4 mar 2014 / PÚBLICO
O Sector Direito, cujo líder a Rússia quer julgar por
incitamento ao terrorismo, defende uma sociedade em que todos andam armados,
decidem tudo a nível local, votando de braço no ar, sem leis escritas nem
partidos políticos. Não depõem as armas, enquanto não o conseguirem.
Vários líderes do Sector Direito sentam-se à volta de uma
mesa, para explicarem ao PÚBLICO as linhas mestras da sua ideologia e programa.
“Até aqui foi a fase dos combates, agora entrámos na fase política”, reconhece
um deles, nome de código Lamco, sem um grande entusiasmo. Uma comissão
encarregada de redigir o programa político ainda está numa fase muito
embrionária. O que não é preocupante porque, para o Sector Direito, quanto
menos regras escritas houver, melhor.
À porta da sede do partido, no 7.º andar do edifício da
câmara municipal de Kiev, está pintada uma gigantesca cruz suástica. Para que
ninguém entre enganado. Depois, por todos os aposentos, há símbolos
nacionalistas e nazis pintados nas paredes com spray.
Os activistas do Sector Direito, que é uma confederação
reunindo vários movimentos de extremadireita, andam de um lado para o outro,
assistem a reuniões, ou passam horas sentados ou deitados em colchões
estendidos no chão, ouvindo música em alemão, sempre de botas militares,
coletes à prova de bala, capacetes, balaclavas ou máscaras. Há escudos
metálicos empilhados nos corredores, prontos a serem levantados rapidamente, há
bandeiras vermelhas e negras, as cores dos nacionalistas ucranianos durante a
II Guerra Mundial, comandados por Stepan Bandera.
“Não vamos depor as armas até à vitória final”, declara
Lamco, comandante de um grupo armado e advogado. Quando diz “vitória final”
refere-se a um regime a que chama “democracia em rede”.
Sentado à luxuosa secretária que terá pertencido a um alto
funcionário municipal, e sempre acariciando um cacetete negro, Lamco explica:
“As comunidades de base é que tomam as decisões. Será um sistema idêntico ao
que vigorou durante o Rus de Kiev, no século IX . Nessa altura, éramos um dos
países mais poderosos do mundo.” [O Rus de Kiev é o primeiro reino eslavo
fundado no espaço que é hoje ocupado pela Ucrânia e pela Rússia europeia.]
Esse sistema, a que ele chama “a verdadeira tradição
europeia”, é uma espécie de democracia directa e guerreira, que “não tem nada a
ver com o fascismo”. “É um sistema descentralizado. As comunidades tomam as
decisões quanto aos assuntos que lhes dizem respeito, como acontece na Suíça.”
Mecheslav e Granislov (também nomes de guerra) são os
coordenadores operacionais a nível nacional do Sector Privado. Deixam Lamco
falar porque ele, como advogado, integra a comissão do programa político. Mas
por vezes parecem não concordar com ele. “Será um sistema descentralizado, mas
com um Estado muito forte”, diz Mecheslav, um jovem muito alto e magro, fardado
de preto, de olhos azuis e faces encovadas. “A nossa ideologia é o centrismo
ucraniano”, declara. “Não é nazi. Será algo único. Ninguém acredita que a
revolução é possível, mas é. A tradição leva à inovação.” E acrescenta: “A
Ucrânia tem a oportunidade de fazer a primeira revolução correcta do mundo.”
Granislov, fardado de verde, cabelo rapado e os músculos do
rosto ininterruptamente premidos para parecer um duro, lança uma pergunta
retórica: “Porque estão todos com medo do nacionalismo? Têm medo disso? É
verdade que eu odeio os meus inimigos, porque amo o meu país.”
Partidos para quê? Lamco retoma a exposição teórica: “O
Governo central só controla a Ciência, a Medicina e o Exército. O resto é
decidido a nível local. Tudo o que é política, Justiça.” O sistema tem algumas
características que não são negociáveis: “As votações são feitas de braço no
ar, não por voto secreto. Para que cada um seja responsável pelo seu voto.
Eleições secretas eram necessárias no século XX, porque as pessoas viviam com
medo. Agora já não precisamos disso.”
Outro princípio importante: “Não haverá leis escritas.
Apenas uma lei geral, uma Constituição. O resto será decidido de acordo com a
tradição e o bom senso.”
Mais um ponto importante do programa: “Toda a gente terá o
direito de usar armas. Exigimos esse direito. Uma nação sem armas é uma nação
escrava. Veja-se o que aconteceu na Ucrânia: o Governo tinha armas, as pessoas
não, e deu no que deu.”
Outra regra: “Não haverá partidos políticos.” Os partidos
são a fonte de toda a corrupção, representam interesses estranhos à nação.
começa Lamco a explicar, mas Granislov puxa-lhe pelo braço. Parece que não há
um consenso sobre a tema no seio da organização. “Não teremos um regime de
partido único, como os fascistas”, promete Mecheslav. “Mas não haverá
propriamente partidos”, continua Granislov. E perante a insistência para que
definissem uma posição, Lamco irrita-se: “Partidos, partidos, porque está tão obcecado
com isso? Esse assunto não tem importância. Avance para a próxima pergunta.”
Claramente preocupados em não deixar a impressão de que são
fascistas, os coordenadores apressam-se a dizer que defendem uma imprensa
livre, e que respeitarão as minorias étnicas da Ucrânia. “Não haverá agressão a
outros grupos. Todas as minorias nos apoiam”, diz Mecheslav.
O líder político do partido, Dmitro Iarosh, foi, no entanto,
citado várias vezes como tendo proferido declarações antisemitas e anti-russas.
Já depois desta entrevista, o Comité de Investigação da Rússia, o mais
importante organismo de investigação criminal de Moscovo, anunciou que vai
acusar Iarosh de ter incitado a actos terroristas na Rússia. “Nós estamos em
estado de guerra”, diz Granislav. “Temos armas suficientes para tomar o poder,
mas não as usamos agora, para que não digam que somos fascistas. Não vamos
destruir o sistema num só dia. Vamos mudálo aos poucos, enfraquecendo-o, para
que os estragos não sejam demasiado elevados.”
Os coordenadores dizem ter realizado sondagens segundo as
quais mais de 50% dos ucranianos os apoiam. “Estiveram connosco nas barricadas,
acredito que também estarão connosco no projecto político. Foi o Sector Direito
que começou a revolução. Devemos ser nós a conduzir o país a partir de agora.”
Interrogado sobre o destino da metade da população que não
os apoia, Granislov respondeu: “Se agora 50% estão connosco, quando
conquistarmos o poder serão 100% a aplaudir a nossa acção.”
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