A dança de cadeiras na Europa
EDITORIAL / PÚBLICO / 6-3-2014
No congresso que começa hoje em Dublin, o PPE vai escolher o
seu candidato para liderar a Comissão Europeia. Juncker deverá ser a escolha da
direita. Todas as famílias políticas já escolherem os seus candidatos, desde
Martin Schulz pelos socialistas a Guy Verhofstadt pelos liberais, passando pela
dupla Ska Keller-José Bové pelos Verdes e terminando no polémico Alexis Tsipras
pela ala mais à esquerda.
O insólito no meio desde processo de escolha de nomes é que existe a
possibilidade de nenhum deles vir a ocupar a cadeira que ao longo de dez anos
foi ocupada por Barroso. É que cada um lê o Tratado de Lisboa como lhe convém.
Os eurodeputados acham que deve ser o Parlamento a escolher o presidente da
Comissão e os membros do Conselho, ou seja, os 28 governos, acham que devem ser
eles. E o mais provável, e caricato, é que a questão não deverá estar
clarificada antes das eleições de Maio
O Norte e o Sul
Crónica Teresa de Sousa / 6-3-2014 / PÚBLICO.
Não é fácil tomar o pequenoalmoço com um primeiro-ministro
luxemburguês cujo nome não é Jean-Claude Juncker. Durante 18 anos, ele foi uma
presença constante no Conselho Europeu, nos bons e nos maus momentos, como se
fizesse parte do cenário, enquanto os outros mudavam.
Como presidente do Eurogrupo desde 2005, teve um papel
fundamental na resposta à crise da dívida soberana. Não se trata apenas de uma
questão de longevidade política. Juncker, com a sua inteligência e o seu
conhecimento profundo da integração europeia, era um defensor do interesse
comum a todos, mais ricos ou mais pobres (o Luxemburgo é o mais rico), do Norte
ou do Sul. Um democratacristão que, como muitas vezes ouvi dizer, era um
cristão-socialista. Xavier Bettel, o jovem liberal (41 anos feitos em Lisboa)
que o substituiu, é primeiro-ministro de uma coligação com os socialistas e os
verdes. No cargo há três meses, ainda lhe falta experiência para navegar sem
bússola no labirinto europeu. Cordial e descontraído, fala à vontade da crise
europeia e da maneira de sair dela. O seu país mantém o triplo A. Mas a
economia, assente num sector financeiro gigantesco (que oferece excelentes
condições de secretismo ao capital internacional), não ficou imune à crise.
Como nos explicou (a mim e a Nuno Aguiar, do o desemprego, que era de 2,3%
antes da crise, passou para 7,1%, e a dívida pública de 6% na mesma altura já
está em 30%.
É sobre estes indicadores “preocupantes” que assenta a
mensagem mais importante que trouxe a Lisboa e que pouco transpareceu na
conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo português: não temos lugar
para mais portugueses com baixas qualificações, que continuam a chegar ao
Luxemburgo ao ritmo de 10 mil por ano. “Hoje, com o desemprego, é mais difícil
absorver os imigrantes do Sul da Europa com qualificações muito baixas”, acrescenta
o ministro da Justiça, Félix Braz, que, nem de propósito, é lusodescendente
(nasceu lá mas os irmãos ainda nasceram cá), e membro do partido ecologista. O
argumento está no desemprego. A mensagem: se insistirem em ir, terão
provavelmente piores condições de vida do que as que tinham na pátria. Não se
trata, diz o primeiro-ministro do Luxemburgo, de sermos “como a Suíça”,
continuamos a “respeitar a livre circulação”, mas temos de cortar nos gastos
sociais (dos mais generosos da Europa), “se queremos evitar as mesmas medidas
que Portugal teve de adoptar”. Pouco depois, o primeiroministro português
haveria de dar a relação entre Portugal e o Luxemburgo em matéria de imigração
como exemplo daquilo que deve ser a Europa, quando se trata da livre circulação.
Mas o maior banho de água fria viria a seguir — aliás muito sublinhado pelos
seus assessores, não fosse ficar qualquer dúvida. Portugal tem de continuar a
aplicar a austeridade, aceitando as condições europeias para o apoio à sua
economia. Consequências sociais ou consequências económicas da aplicação do
programa de ajustamento são coisas que lhe estão distantes. Tentámos explicar
que a austeridade matou uma parte da economia, o que parece uma novidade. Que a
união bancária, incluindo o mecanismo de resolução, é urgente para Portugal,
para conseguir financiar a economia com taxas de juro mais próximas das dos
países do Norte. Os seus assessores parecem absolutamente insensíveis ao
argumento. No fim, quando lhe perguntámos se, afinal, o que pensa sobre os
problemas dos países sujeitos a programas, sobre a união bancária ou sobre uma
futura mutualização da dívida é exactamente o mesmo que a chanceler alemã, a
sua resposta não podia ser mais cândida: “Sim”.
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