quarta-feira, 5 de março de 2014

A dança de cadeiras na Europa.O Norte e o Sul


A dança de cadeiras na Europa
EDITORIAL / PÚBLICO / 6-3-2014

No congresso que começa hoje em Dublin, o PPE vai escolher o seu candidato para liderar a Comissão Europeia. Juncker deverá ser a escolha da direita. Todas as famílias políticas já escolherem os seus candidatos, desde Martin Schulz pelos socialistas a Guy Verhofstadt pelos liberais, passando pela dupla Ska Keller-José Bové pelos Verdes e terminando no polémico Alexis Tsipras pela ala mais à esquerda.
O insólito no meio desde processo de escolha de nomes é que existe a possibilidade de nenhum deles vir a ocupar a cadeira que ao longo de dez anos foi ocupada por Barroso. É que cada um lê o Tratado de Lisboa como lhe convém. Os eurodeputados acham que deve ser o Parlamento a escolher o presidente da Comissão e os membros do Conselho, ou seja, os 28 governos, acham que devem ser eles. E o mais provável, e caricato, é que a questão não deverá estar clarificada antes das eleições de Maio



O Norte e o Sul
Crónica Teresa de Sousa / 6-3-2014 / PÚBLICO.

Não é fácil tomar o pequenoalmoço com um primeiro-ministro luxemburguês cujo nome não é Jean-Claude Juncker. Durante 18 anos, ele foi uma presença constante no Conselho Europeu, nos bons e nos maus momentos, como se fizesse parte do cenário, enquanto os outros mudavam.
Como presidente do Eurogrupo desde 2005, teve um papel fundamental na resposta à crise da dívida soberana. Não se trata apenas de uma questão de longevidade política. Juncker, com a sua inteligência e o seu conhecimento profundo da integração europeia, era um defensor do interesse comum a todos, mais ricos ou mais pobres (o Luxemburgo é o mais rico), do Norte ou do Sul. Um democratacristão que, como muitas vezes ouvi dizer, era um cristão-socialista. Xavier Bettel, o jovem liberal (41 anos feitos em Lisboa) que o substituiu, é primeiro-ministro de uma coligação com os socialistas e os verdes. No cargo há três meses, ainda lhe falta experiência para navegar sem bússola no labirinto europeu. Cordial e descontraído, fala à vontade da crise europeia e da maneira de sair dela. O seu país mantém o triplo A. Mas a economia, assente num sector financeiro gigantesco (que oferece excelentes condições de secretismo ao capital internacional), não ficou imune à crise. Como nos explicou (a mim e a Nuno Aguiar, do o desemprego, que era de 2,3% antes da crise, passou para 7,1%, e a dívida pública de 6% na mesma altura já está em 30%.


É sobre estes indicadores “preocupantes” que assenta a mensagem mais importante que trouxe a Lisboa e que pouco transpareceu na conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo português: não temos lugar para mais portugueses com baixas qualificações, que continuam a chegar ao Luxemburgo ao ritmo de 10 mil por ano. “Hoje, com o desemprego, é mais difícil absorver os imigrantes do Sul da Europa com qualificações muito baixas”, acrescenta o ministro da Justiça, Félix Braz, que, nem de propósito, é lusodescendente (nasceu lá mas os irmãos ainda nasceram cá), e membro do partido ecologista. O argumento está no desemprego. A mensagem: se insistirem em ir, terão provavelmente piores condições de vida do que as que tinham na pátria. Não se trata, diz o primeiro-ministro do Luxemburgo, de sermos “como a Suíça”, continuamos a “respeitar a livre circulação”, mas temos de cortar nos gastos sociais (dos mais generosos da Europa), “se queremos evitar as mesmas medidas que Portugal teve de adoptar”. Pouco depois, o primeiroministro português haveria de dar a relação entre Portugal e o Luxemburgo em matéria de imigração como exemplo daquilo que deve ser a Europa, quando se trata da livre circulação. Mas o maior banho de água fria viria a seguir — aliás muito sublinhado pelos seus assessores, não fosse ficar qualquer dúvida. Portugal tem de continuar a aplicar a austeridade, aceitando as condições europeias para o apoio à sua economia. Consequências sociais ou consequências económicas da aplicação do programa de ajustamento são coisas que lhe estão distantes. Tentámos explicar que a austeridade matou uma parte da economia, o que parece uma novidade. Que a união bancária, incluindo o mecanismo de resolução, é urgente para Portugal, para conseguir financiar a economia com taxas de juro mais próximas das dos países do Norte. Os seus assessores parecem absolutamente insensíveis ao argumento. No fim, quando lhe perguntámos se, afinal, o que pensa sobre os problemas dos países sujeitos a programas, sobre a união bancária ou sobre uma futura mutualização da dívida é exactamente o mesmo que a chanceler alemã, a sua resposta não podia ser mais cândida: “Sim”.

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